Levittown Is For Lovers

Capítulo 11 – Your Friends Are Boring Me To Death


John continuou anotando tudo que encontrava de interessante no livro que Jesse o entregou, tirando os outros dois livros abertos na sua frente, na escrivaninha bagunçada do quarto do outro. Escutava atrás de si quando Jesse reclamava baixinho de uma coisa ou outra, ou exclamava algum palavrão contido por ter conseguido se machucar de novo.

Entre um resmungo e outro, Lindsay ligou, Cody pediu duas vezes para Jesse o ajudar a usar o troninho, pediu mamadeira, e depois pediu para Jesse o colocar para dormir. John não conseguia entender como o rapaz grosseiro da hora do almoço conseguia ser tão paternal com a criança, e não, dessa vez não presenciou o ex-melhor amigo chutando sua miniatura.

- Você é estranho. – comentou John, quebrando o silêncio incômodo do quarto. –Assim, você foi um grosso, é um imbecil de marca maior com a maioria das pessoas, e com o seu irmãozinho...

- Talvez seja porque ele é meu irmãozinho, John. – respondeu impaciente. –Eu não sou grosso o tempo todo.

- Não, não é. – concordou. – É irônico e sarcástico também.

- E arrogante. – Jesse acrescentou, e John tinha certeza – só pelo som de sua voz – que Jesse estava sorrindo.

- É, arrogante é uma característica forte, também. – acabou se deixando comprimir os lábios, sorrindo fraquinho.

O silêncio caiu sobre eles novamente, e por um longo tempo John achou que Jesse não estivesse no quarto, tamanha ausência de qualquer som que indicasse a presença de alguém ali além dele.

- Preciso comer. – comentou de repente. –Está com fome?

- Na verdade, não. – John deu de ombros, se virando na cadeira para encontrar Jesse de pé, o olhando. – Se quiser ir comer, eu fico tentando terminar essa parte.

Jesse assentiu.

- Eu não estou com fome também, mas eu estava com gastrite, e tenho um tempo limite pra deixar o estômago vazio, então nem que seja um muffin, eu preciso colocar algo pra dentro. – encolheu os ombros, olhando um corte recente no dedo.

- Gastrite? –John fez uma careta. Não que se importasse, por ele Jesse poderia desenvolver uma úlcera, ele realmente não ligava muito.

- É. – fez uma careta semelhante à de John. –Desce comigo, descansa um pouco. Ficar em cima desses livros cansa. – E sem esperar resposta, girou nos calcanhares, indo em direção às escadas. John ainda se manteve alguns segundos parado, sem realmente acreditar que estivesse ouvindo aquilo de Jesse, mas não argumentando com o surto de bondade do outro. Se levantou, e o seguiu.

Provavelmente ele lhe daria um pão envenenado e aquilo tudo era só um teatrinho.

John já estava se acostumando com a cozinha grande dos Lacey, com mesa extensa, e armários demais. Jesse, por sua vez, estava curvado para dentro da geladeira, cantando qualquer coisa, mexendo em tudo, empurrando a porta da geladeira aberta com o quadril.

- Precisa de ajuda? – John perguntou. Não sabia que Jesse não sabia que ele estava lá, e nem imaginou que o garoto fosse levar o susto que levou.

Não que ele tivesse gritado ou tido qualquer tipo de reação escandalosa, mas John percebeu quando ele se encolheu de supetão, quase indo parar inteiro dentro do refrigerador.

- Pode ser. – concluiu segundos depois.

Era estranha, a situação.

Jesse não o estava humilhando, não estava xingando, nem nada parecido. O estava tratando como uma pessoa normal, um igual, e isso era uma grande evolução. Talvez fosse porque precisavam fazer um trabalho importante, que seria a decisão de suas notas, ou talvez ele simplesmente estivesse sem estoque de grosserias, sendo que as gastou todas em Adam e Matt no almoço.

John estivou os braços, deixando que Jesse o entregasse o queijo, o pão de forma, a manteiga de amendoim, a alface, e pegasse ele mesmo o refrigerante, o presunto, a margarina, o leite, e fechasse a geladeira com o pé, se dirigindo para a mesa. Imitou os movimentos de Jesse, colocando – desengonçado – tudo que tinha nos braços na superfície da toalha vermelha.

Até que Jesse riu.

- O que foi? – John perguntou. Do jeito que era sortudo, bem capaz de ter algo grudado em sua cara.

- Eu lembrei sem querer de quando nos conhecemos. – respirou fundo, tentando se recompor. –Que seu dente não caía de jeito nenhum, e você estava correndo no playground da escola, e tombou comigo, e seu dente mole caiu, de fato.

John abaixou a cabeça rindo.

Se lembrava perfeitamente, como se fosse ontem. Havia entrado em tamanho desespero quando viu sangue em suas mãozinhas que desatou a chorar, só se dando conta de que perdeu o dente horas depois.

- Achei que você não se lembrasse. – comentou, amargo. Jesse estava sendo um idiota com ele todo esse tempo, e ele realmente não entendia.

- Eu gostaria de não me lembrar. – admitiu Jesse, colocando dois copos na mesa. –Sirva-se.

John se sentou, pegando um pedaço de pão a contragosto.

Não estava com fome, nem um pouco de fome.

- Por que? – perguntou.

- Porque você esqueceu que eu existia, oras. – Jesse respondeu, com calma, sem o olhar. – Foi embora, nunca escreveu, nunca ligou.

- Você também não fez contato. – respondeu, encarando os olhos azuis do outro. Por um segundo achou que Jesse fosse desistir e lhe dar razão, porque acreditava que os dois haviam errado e pronto. E isso não era motivo para Jesse agir como vinha agindo desde que John voltou.

- Eu não tinha seu endereço, idiota! – exclamou, largando o pão sobre a mesa. – Quando você foi embora, levou meu endereço em um post-it, e não me deu o seu porque ainda não sabia onde iria morar! E então nunca escreveu, nunca telefonou, achei até que você estivesse morto.

Jogou com força uma fatia de queijo sobre o pão em cima da mesa, falando um tanto irritado. E bem, John não se lembrava do detalhe que Jesse não tinha seus contatos, então, nesse caso, realmente a culpa era toda sua.

- Morto? Que exagero, Jesse... – retrucou baixinho, achando a manteiga de amendoim em seu pão algo realmente interessante. Não queria encarar Jesse, mas estava achando produtivo terem aquela conversa. Parecia que finalmente estava conseguindo avançar uma etapa, conseguindo fazer Jesse se abrir.

- Exagero? Quem disse que eu não sou exagerado? – deu de ombros, a sombra de um sorriso passando por seus lábios.

Os lábios que estava sobre os de Kevin.

John nunca imaginou que fosse tão traumático ver o ex-melhor amigo envolvido em uma atividade daquela, mas fato era que estava traumatizado.

- Você está pensando sobre o que viu. – afirmou Jesse, mordendo seu sanduíche já pronto.

- O que? – ergueu o rosto rápido, encarando Jesse a centímetros dele, sorrindo desdenhoso, finalmente parecendo o Jesse que conhecia.

Ou que achava que conhecia.

Já não sabia mais qual era o real Jesse e qual era o falso, ou se existia um falso. Tinha quase certeza que um dos dois era uma personificação perfeita da pior pessoa do mundo, e temia que fosse o real.

-Sobre o Kevin e eu. Você está vermelho, e pensativo, e ao menos que esteja pensando em me jogar em cima da mesa e me beijar, está lembrando de Kevin e eu no carro, e o que você assistiu. – sorriu, arqueando as sobrancelhas. –O que dá quase na mesma, já que dos dois modos a personagem principal dos seus pensamentos sou eu.

Filho da...

- Você ama a Lindsay? – perguntou, contornando o assunto para chegar onde queria. Não seria direto com ele, nunca. Não queria admitir, mas morria de medo de que Jesse o repreendesse por querer saber demais de sua vida.

- Muito. – respirou fundo – Mas sexo não tem nada a ver com amor.

John abaixou a cabeça, se perguntando quando foi que Jesse aprendeu o ler tão bem para responder exatamente o que ele queria saber: se ele a amava, por que a traía?

Porque sexo não tem nada a ver com amor.

Então era isso.

Jesse havia se explicado e John não conseguia encontrar um ponto para se apoiar e dizer que ele estava errado, tão errado! Que se ele amava Lindsay, não a trairia, não devia sentir vontade de estar com outras pessoas.

Se bem que Lindsay era uma garota, Kevin um garoto, e isso fazia toda a diferença.

- E quanto ao Kevin? – perguntou, se sentindo idiota, prevendo uma resposta óbvia.

- Só um amigo. Sabe, amigo com benefícios. – se serviu de um pouco de refrigerante. – Eu não sou hétero, John.

- Sei que não é. – assentiu. – Mas se gosta de garotos...

- Nunca me apaixonei por um. Eu preciso do sexo sem compromisso tanto quanto preciso do carinho da Lindsay. – deu de ombros.

- Ela sabe disso? – E então estava no ponto que queria. Queria que Jesse soubesse que ele poderia fazer chantagem com o que viu.

- Não sei. Deve desconfiar... Todo mundo sabe. – abanou as mãos no ar, impaciente. – E se não sabem, melhor ainda. Minha vida não é um acervo público em que as pessoas podem consultar.

John ficou em silêncio.

Respeitava que Jesse gostasse de privacidade, mas ele não podia ignorar que John o havia visto com o ruivo.

- Eu poderia acabar contando por aí... – soltou meio cantado, os olhos se estreitando por trás das lentes, encarando as íris azuis e inexpressivas de Jesse, que parou seu sanduíche no meio do caminho até a boca, o encarando sério.

- Você está tentando me chantagear? Porque isso me lembra muito o seu namoradinho, não é nada original. E acho que eu devo te avisar que as tentativas dele de me prejudicar foram todos por água abaixo. – mordeu o sanduíche. John franziu as sobrancelhas, encarando o outro, que comia sossegado.

- E se a Lindsay descobrir? Ela vai terminar com você. – comentou, picando um pedacinho do próprio pão, o colocando para dentro da boca.

Pela primeira vez, Jesse pareceu abalado.

Estava com o olhar fixo em seu suco, parecendo considerar as palavras de John alguns segundos, antes de fazer uma careta e apontar o copo com nojo.

- Caiu uma mosca no meu leite, ew.

É, talvez o infeliz fosse inabalável.

John jogou a mochila no canto do quarto, tirando o telefone do gancho, discando o numero de Adam o mais rápido que podia. Esperava que não estivesse incomodando o garoto, mas depois de uma tarde inteira ao lado de Jesse, ele precisava de um pouco de higiene mental. Para isso, nada melhor do que falar asneiras ao telefone com Adam, que o faria rir e se esquecer de como sua vida era ruim e não merecia ter reconhecimento.

- Alô? – a voz animada soou do outro lado da linha, fazendo John soltar a respiração que ele nem sabia que estava segurando.

- Adam, é o John! Ainda bem que você atendeu, o Jesse é o demônio, eu não agüento mais! Provavelmente eu vou acabar morto de estresse antes mesmo de concluir o trabalho de Física! – disse tudo muito rápido, rindo junto com Adam que se acabava do outro lado da linha.

- O que ele fez? – perguntou, rindo ainda.

- Ele não precisa fazer muita coisa pra que eu tenha vontade de estrangular ele. Só de olhar pra cara dele eu já fico nervoso. – respondeu, se virando de bruços. –E hoje ainda é segunda-feira.

- Vai pra casa dele todos os dias, agora? – Adam perguntou, não parecendo muito feliz com a idéia.

Aliás, nada feliz.

- Até terminar o trabalho, sim, vou. – suspirou. –Ele não é tão ruim quando estamos lá, cuida do Cody direitinho, fica me enfiando comida a cada cinco minutos, parece uma dona de casa... – riu com a comparação, recebendo apenas silêncio do outro lado da linha. –Adam?

- Hum... Bom, não deixe que ele te engane, John. – suspirou, impaciente. –Ele pode parecer perfeito e tudo o mais, mas ele não é. Ele é um monstro.

- Já disse que eu vou te vingar, não disse? Fica calmo, Adam. Eu só preciso de um pouco de tempo...

- Eu sei. – Adam respondeu do outro lado. John sabia que o quanto antes Adam visse Jesse acabado e humilhado, melhor para ele, mas John simplesmente não podia fazer absolutamente nada se as pessoas não estivessem exatamente onde ele as queria.

E assim que estivessem lá, ele daria o golpe de misericórdia, e segundos depois Jesse estaria implorando pela própria dignidade.

Se sentia tão maldoso.

- E vai dar tudo certo, okay? Confie em mim. – pediu. Queria a confiança de Adam, queria ele por perto, ao seu lado.

- Eu confio. – E Adam pareceu tomar fôlego. –John, o que nós somos?

Okay, se sua vida ficasse mais parecida ainda com um sitcom, ele começaria a gritar pela janela para que cancelassem a droga do seriado, porque já estava perdendo a graça. Eles não era nada, absolutamente nada! Não era mais do que Jesse e Kevin, não era mais que...

- Amigos com benefícios? – respondeu sem pensar. Se pudesse fingir que o telefone deu problema e que a ligação caiu, o faria. Mas Adam sabia onde ele morava, e poderia chegar ali em menos de cinco minutos andando. Julgando que ele ficasse bravo, irritado ou preocupado com a ausência de resposta e decidisse correr, o tempo poderia ser reduzido pela metade, o que daria mais ou menos dois minutos e meio.

Que não seria tempo o bastante para que ele cavasse um buraco no fundo do quintal e se enterrasse vivo.

- Como? – Adam perguntou.

- Oi? – respondeu, olhando desesperado ao redor do quarto, em busca de qualquer coisa que lhe desse uma resposta.

- John, você não está me enrolando, está? – o outro questionou, a voz soando vagarosa e um tanto ameaçadora.

Óbvio que o estava enrolando!

Não conseguia enganar nem a si próprio mais.

- Não! Adam, não! Claro que não. – soou tão falso que nem sua irmãzinha teria acreditado nele. –O que você acha que nós somos?

- Não sei, John. Assim, eu acho que já estamos juntos o bastante pra saber se queremos namorar ou não... – disse vago.

- Você gostaria de namorar comigo? – perguntou, tentando ganhar tempo, seus olhos correndo de livro para livro na prateleira, como se em algum deles tivesse alguma coisa que o ajudasse, escrita.

- Sério? – Adam soou empolgado do outro lado da linha.

- É... – resmungou. O que era sério? Ele não sabia nem o que estava falando mais.

- Aw! Claro que eu gostaria! – riu. Por acaso John tinha a impressão de que houve um mal entendido. –Vou ligar pro Matt pra contar que estamos namorando! Boa noite, John.

- Boa noite, Adam. – E Adam desligou, deixando John com o olhar fixo no telefone.

Definitivamente houve um mal entendido.

Como conseguia se encrencar tanto, meu Deus?