Levittown Is For Lovers

Capítulo 1 – Like Puddles, We Wash Away


Levou o que deveria ser o quinto empurrão do dia quando tentou se aproximar do pequeno balcão da secretaria, conseguindo finalmente se apoiar na madeira clara, puxando a mochila preta, velha e rabiscada, contra o corpo magro o máximo que podia. Com a mão livre, acertou os óculos de grau de armação preta sobre o rosto, fitando com os olhos castanhos as pessoas andarem de um lado para outro atrás do balcão, nenhuma se dando conta da sua presença.

- Por favor... – chamou quando uma senhora passou ali, xingando um dos garotos, ralhando com ele pelo péssimo comportamento logo no primeiro dia de aula. John desviou sua atenção da mulher e o garoto – provavelmente um sênior – para tentar falar com alguém. Olhou em volta, encontrando ali em cima uma pequena sinaleta azul. Sorriu, esticou a mão magra, batendo nela o máximo que conseguia, vendo as mulheres da secretaria parar para olhar em sua direção.

Tombou as sobrancelhas em sua melhor expressão facial de pura meiguice, e ainda com o sorriso nos lábios – e agora com a atenção da secretaria inteira – pediu:

- Eu queria minha grade de horários, e o mapa dos arredores, sim?

Achar o seu armário estava se provando uma tarefa tão difícil quanto conseguir seus documentos na secretaria. A Division Avenue High School – ou DAHS como os alunos a chamavam – era um tanto diferente das escolas de Londres. Onde estudou os alunos recebiam antes das aulas começarem as coisas, e não precisavam ficar atulhando a secretaria no primeiro dia de aula.

Mais um empurrão de ombros grandes de pessoas enormes.

Gemeu baixinho com a dor, fazendo seu melhor para desviar de todo mundo: não bastava ser aluno novo, tinha que ter essa cara estúpida de nerd e ser magrelo demais para revidar o empurrão. Se jogou contra a fileira de armários onde julgava estar o seu, andando rápido, olhando para os rappers, os jocks, e as líderes de torcida conversando ao seu lado. Odiava tudo aquilo, queria voltar pra Inglaterra, queria voltar para a sua vida, queria ser normal de novo. Começava a se perguntar o que seus amigos estariam fazendo, ou se conseguiria fazer amigos ali. Abaixou a cabeça enquanto andava, fitando os próprios pés com converse azul marinho desbotados e desamarrados, observando a barra de seu jeans começando a desfiar de tão velha, se perguntando o que ele tinha na cabeça para se vestir assim antes de ir pra aula.

Ele estava uma bagunça.

Sabia que não faria amigos, sabia que não se encaixaria em grupo algum, e que não teria nem vontade de acordar nos dias de semana, porque não se daria nem ao trabalho de se engajar em clubes na escola, atividades extra curriculares e essas coisas de escolas públicas norte-americanas.

Estava tão distraído com o tamanho da mediocridade de sua existência que sequer notou o que o atingiu na cabeça. Só sabia que um segundo estava andando, olhando seus pés, os ombros quando roçando os armários, e no outro, algo o atingiu e ele estava encostado em um armário, a mão na cabeça e alguém segurando seus ombros, implorando perdão.

Não sabia se queria saber o que o acertou.

- Por favor, me perdoa! Não fiz por mal, eu fui abrir a porta do armário, não te vi chegando, quando me dei conta que te acertei foi quando ouvi o barulho... – o garoto falava rápido, o ar um tanto desesperado. A franja de fios lisos e castanhos brilhantes – o tipo de cabelo que daria inveja à sua irmã – caíam sobre olhos pequenos e castanhos. O menino tinha uma argolinha fina circulando a narina esquerda, usava uma blusa de mangas longas, listrada de preto e branco, calça jeans justa e parecia bem assustado. Estava com as duas mãos, nada delicadas, segurando firme os ombros de John, enquanto este tentava se recompor.

- Ele fala? – perguntou alguém ao lado do garoto de cabelo bonito, mas John ainda não havia conseguido tirar os olhos dele para ver quem era.

- Não sei, acho que estraguei alguma coisa na cabeça dele. – disse o de cabelo bonito. –Oi, qual é seu nome? Você lembra o seu nome, não é?

John assentiu.

- E qual é seu nome? – perguntou o outro garoto, entrando finalmente em seu campo de visão, sacudindo uma mão na frente de seu rosto. Tinha o cabelo preto, não tão bonito quanto o do outro, olhos azuis, e era razoavelmente mais baixo.

- Nolan. – sua voz saiu fraca, tão fraca que ele duvidava que os dois pudessem ter ouvido. Tossiu, e continuou. – John Nolan.

- Ótimo! – o de cabelo bonito abriu um largo sorriso, tão bonito quanto o cabelo dele, e o rosto, e todo o resto. –Novo aqui, John?

- Sim, eu cheguei no sábado. Estava procurando meu armário quando... – começou, mas não sabia exatamente o que tinha acontecido. Olhou para o lado, e encontrou a porta do armário do garoto de cabelo bonito aberta, seu amigo rindo e ele com uma expressão de quem havia feito algo ruim.

- Desculpa. Eu juro que não te vi. – disse aflito. John sorriu e assentiu.

Nem doeu tanto.

Aliás, dor? Que dor?

- Nem doeu, eu... só assustei. – disse. –Você é...?

- Adam Lazzara, e esse é o Matthew Rubano, chama ele de Matt. – disse guardando os livros.

- Ah, prazer. – acrescentou quando Matt acenou para ele. –Eu, já vou.

- Você é britânico? – Matt perguntou quando John estava passando por ele, o fazendo parar para olhar os dois com uma careta.

- Eu to falando igual ingleses, né?

Os dois assentiram.

Ainda tinha mais essa: morar fora lhe deu um sotaque de presente.

- Eu morei em Londres, é só isso. Mas eu nasci aqui. – esclareceu, e os dois sorriram um para o outro.

- Legal. Quer ajuda pra achar o armário, John? – Adam ofereceu, fechando o seu, jogando a mochila por cima de um dos ombros. –Não que eu conheça esse lugar muito melhor, mas eu acho que em três nós conseguiremos achar mais rápido.

John apenas assentiu, sorrindo para Adam.

Depois do armário encontrado, as coisas colocadas, livros recolhidos e tudo o mais, John se encontrava sentado na última segunda carteira da fileira da janela, seu livro de Literatura I aberto em cima da mesa, bem à sua frente, mas seus olhos viajando por algum lugar do campo de futebol ao longe. Havia sido muita sorte encontrar Adam e Matt no corredor e eles o ajudarem com o armário, e depois decifrar o mapa da escola com ele.

Sabia que aquilo não era sinônimo de vínculo, e viesse o intervalo, ele estaria sozinho de novo. Na sala já estava sozinho, os dois foram para Matemática I, enquanto ele pegou Literatura I. Tamborilava o dedo sobre o livro, observando as pessoas correndo no campo na aula de educação física, desejando com todas as forças para que o dia acabasse logo.

Não via a hora de chegar em casa, se jogar em cima da sua cama com a colcha de retalhos e dormir, porque além de estar estressado e sob-pressão, estava com sono.

E não havia passado nem diz minutos de aula.

Ouviu a porta se abrindo, mas ignorou o acontecimento, continuando a observar o lado de fora. Ainda precisava procurar Jesse.

O ruim era que segundo informações, o Lacey haviam se mudado, ou seja, o endereço que tinha estava desatualizado, e ainda não havia tomado tempo para procurar na lista telefônica. Talvez acabasse sendo esta uma tarefa simples.

Talvez Jesse ficasse feliz em tê-lo de volta.

Será que Jesse ainda estava vivo? Se lembrava vagamente da saúde frágil do garoto, e como nunca mais deu notícias...

Não queria pensar nisso.

- Nem o aluno novo chegou atrasado. - a voz do professor soou, seguida de um “perdão, mas o mapa da escola é péssimo” vindo do aluno que havia acabado de entrar na sala.

John não estava interessado.

Será que veria Adam no intervalo? Será que Adam o chamaria para se sentar com ele e Matt?

Provavelmente não.

Uma régua bateu em sua carteira, o fazendo erguer os olhos rápidos para encarar o professor.

-E você, rapaz, olhe pra frente. – disse, voltando a falar qualquer coisa sobre o que quer que fosse que estivesse no livro.

John nunca saiu tão rápido de dentro de uma sala de aula. Havia empurrado várias pessoas no processo, sem sentir o menor remorso, afinal, ele próprio havia levado dezenas de empurrões antes, e estava vivo e muito bem, obrigado.

Correu de seu armário para o refeitório, e agora estava ali, parado com a bandeja na mão, andando por entre as mesas, tentando identificar qual delas poderia estar vazia para que ele se sentasse.

Os jogadores e as líderes de torcida estavam escandalosos, haveria o primeiro jogo no fim de semana – segundo o que ele leu no mural do corredor – e eles estavam treinando bastante, o que parecia não eliminar nem um pouco da estamina deles. Suspirou, se virando para o outro lado, onde alguns garotos se reuniam, um de boina, um de capuz do moletom cobrindo o rosto, um rindo, um de cabelo um pouco mais claro, ao lado do de boina, de costas para ele. Do outro lado, a mesa de Adam, Matt e mais alguns meninos, Adam parecia procurar algo entre a multidão, ocupado demais para prestar atenção nele.

Do outro lado, um pessoal alternativo, o menino visivelmente gay, as garotas abraçadas. Na mesa não muito longe, mas excluídos de todo o resto, o grupo dos nerds, com notebooks abertos, rindo e conversando.

Girou sobre o próprio eixo mais uma vez, tentando achar uma mesa, ou algum grupo ao qual se encaixasse, mas seria chutado se fosse se intrometer na mesa dos rappers, ou dos skatistas, ou se tentasse se aproximar de qualquer pessoa.

Poderia tentar Adam, mas qual a garantia de que não iria atrapalhar? Além disso, o garoto já o havia agüentado o bastante pela manhã.

Antes mesmo que pensasse no que estava fazendo, já estava sentado sobre o tampo do vaso sanitário no banheiro, a bandeja no colo enquanto picava pedacinhos do seu lanche com os dedos, os mastigando devagar.

Queria tanto ir embora.

Queria tanto que por acaso Jesse caísse do céu na sua frente...

Chegou em casa exausto, e não fez muita coisa para desempacotar as tralhas da mudança. Não estava com ânimo, e só de olhar aquela bagunça toda ele ouvia sua cama chamando seu nome. Se jogou sobre o colchão macio, e fechou os olhos, ouvindo longe quando sua mãe surgiu na porta o perguntando sobre como foi o primeiro dia.

Não tinha certeza se respondeu “uma merda”, “normal” ou mesmo se chegou a responder. Acabou pegando no sono e só acordou na hora do jantar, para ouvir sua irmã mais nova contando sobre como foi bem recebida no fundamental.

Se John soubesse como voltar no tempo, toda vez que chegasse aos quinze anos, voltaria para os dez.

Crescer era tão chato...