- Marina! Ivan! Vamos? Estamos atrasados, poxa... – Chamei do andar de baixo pelos dois. Íamos a uma exposição de fotos de um colega de Marina no Glória. Vanessa e Flavinha foram na frente, algo que eu também queria fazer pois estávamos atrasados.

Marina insistiu em vestir Ivan e me garantiu que não atrasaríamos.

- Já vamos, amor. – Veio a resposta do quarto.

Bufei, derrotada. Será que esses dois não tinham jeito? Sempre aprontando comigo. Sempre de complô. Mas, confesso que as constantes conspirações dos dois me divertia. Parecia até que eu tinha duas crianças em casa.

Marina e eu estávamos casadas a 5 meses, o que está sendo uma delícia. Principalmente para o meu pequeno. Ivan recebeu Marina de um jeito que eu não poderia imaginar. Os dois são o meu porto seguro e eu não troco os nossos momentos por nada. Nada nem ninguém.

Me sentei em uma das poltronas da pequena sala que fica em frente ao estúdio, esperando os dois. Ouvi os passos de Ivan descendo as escadas e quando olhei, meu queixo caiu. Ivan vestia uma camisa social azul claro com um blazer de um azul mais escuro, calça jeans creme adornada por um cinto de couro com sapatos mocasines marrom. Estava tão elegante que nem parecia o meu bichinho. Parecia um modelo mirim.

- Então, mãe. Tô bonitão? – Ivan girou o corpo para que eu olhasse seu traje. Meu Deus, como ele estava lindo. – Uau, cara! Como você tá gato. – Acariciei seu rostinho quando ele sentou na poltrona ao lado. – Vai arrasar os corações das menininhas hoje.

- É, acho que sim. Foi a Marina quem me vestiu.

- Ah. Então esse charme foi todo pensado? Hoje terei uma nora? – Ivan escondeu o rosto vermelho na lateral do meu corpo e eu aproveitei para abraça-lo, fazendo cosquinhas. – Para, mãe! – dizia entre risos. – Você vai amassar minha roupa.

Ele se levantou quando o soltei. Me deu um sorriso leve, ajeitando o cabelo e eu segui seu trajeto até o estúdio a frente. Pegou sua câmera, dada por Verônica no seu aniversário, perambulando pelo espaço. Ele queria seguir a profissão do pai, mas adorava fotografar as coisas.

Me ajeitei no pequeno sofá vinho e me permiti viajar em uma lembrança. Uma vez em que sai com Marina. No começo do nosso namoro.

Lembro de estar em casa me arrumando para o encontro. Ivan estava na casa do pai para passar o final de semana. Estava apressada e seminua. A qualquer instante Marina ia chegar e nem pronta eu estava. Corria de um lado para o outro, escolhendo a melhor roupa ou um par de brincos que combinassem. Olhei centenas de vezes para o meu guarda roupa e não conseguia ter uma luz de inspiração. Peguei meu body azul com desenhos floridos e desisti. – Esse não. – Ao lado dele estava meu vestido preto com bolinhas brancas. Esse vestido me deixava jovial, um dos meus favoritos. Mesmo assim, não o quis. Eu estava aflita. Nada ficava bom. Ou ficava e o nervosismo me dizia que não. Imaginava qual seria a reação de Marina ao me ver com aquelas roupas.

Ela era tão elegante, tão sedutora. Mesmo que ela não quisesse, ela era. Ganhara seu charme de herança e o exalava inconsciente por onde andava. Seu jeito me encantava, fervia minha cabeça. Não queria que ela me visse de qualquer jeito. Queria estar descente, ao menos.

Por outro lado, Marina me amava pelo o que eu era. Qualquer roupa lhe agradaria, eu sei. Ela não ligava para as aparências.

Pensar nela me acalmou, afinal. Tirei o sorriso bobo que se instalara sem permissão em minha boca e joguei meu cabelo para trás. Por um instante perdi o foco.

Enfim decidi por minha calça de oncinha cinza, minha blusa branca com detalhes horizontais com meu cardigã cinza por cima. Borrifei de leve meu perfume, calcei meu lindo scarpin vinho, peguei minha bolsa e me dirigi à sala. Antes que eu chegasse até o sofá, a campainha tocou.

Era Marina.

Uma voz muda dentro de mim me dizia que era ela atrás da porta.

Me virei na direção da porta, um tanto ansiosa. Por que eu estava assim? Só iriamos ao cinema, nada de muito especial. Na verdade, era especial sim. Íamos ao cinema juntas, como namoradas.

Eu tentava recompor minha postura, talvez até minha respiração. Dei um passo à frente e descobri que meu cérebro estava congelado. Ok. Vamos por partes.

Ela já estava aqui. Tentei engolir e arfei no mesmo momento. Me sentia afogar, me sentia uma total idiota!

Tudo bem. Engole. Mais alguns passos. Pego a maçaneta.

Tudo bem – arfa – giro a maçaneta. Confesso que demorei alguns segundos até puxar a porta.

- Oi, Clarinha. – E então eu olhava a imagem da perfeição prostrada a minha frente. Vestida com sua jardineira preta, Marina estava um luxo de mulher.

- Oi. – Consegui dizer. Convidei Marina a entrar e seu perfume me inebriou, me deixando mais tonta do que eu já estava. O perfume amadeirado dela era muito bom, mas não se comparava ao cheiro do seu corpo. Corpo que eu olhava enquanto ela estava de costas para mim, olhando a sala. Fechei a porta e a acompanhei até o sofá.

- Você está pronta? Hoje temos que passar na casa da Branca – Marina revirou os olhos – para resolver alguns detalhes e de lá vamos ao cinema. Tudo bem?

- Claro. Sem problema algum.

- Sabe que eu ainda não vi os filmes que estão em cartaz? Nem os horários! Hoje de manhã foi corrido lá no estúdio.

- Bom, se não tiver nada de interessante a gente vai pra outro lugar.

- Tá aí, ótimo. Qualquer lugar pra mim está bom, desde que você também esteja. – Marina sorriu para mim enquanto eu a olhava com timidez, talvez surpresa, e por apenas um instante eu pensei em todas as outras mulheres para as quais ela tinha sorrido daquele jeito.

Na mesma hora despachei o pensamento da cabeça. Aquele não era qualquer sorriso. Não era o sorriso fatal de Marina. Era um sorriso confidente. Tímido. Era um sorriso reservado apenas pra mim, eu sabia. Vindo do seu íntimo. Do seu amor.

Algo ficou preso na minha garganta. Eu não conseguia fazer nenhuma palavra sair, não encontrava as palavras certas.

Sem que eu percebesse, Marina se aproximou. Seu lindo rosto alvo preenchia a minha visão. Seu cheiro tomou conta de todo o espaço, me fazendo paralisar. Fechei meus olhos por um instante, registrando tudo na minha mente. Cravando profundamente os detalhes. Abri meus olhos e vi o minúsculo sinal que adornava em harmonia sua boca do lado esquerdo. “Ela está realmente aqui”, meu coração me confirmava.

Sua pele era como uma pétala de rosa branca, com um leve rosado nas bochechas. Seu cabelo castanho era um infinito de perdição. Um oceano caramelo assim como seus olhos grandes e expressivos. Voltei para sua boca. Seus lábios, contudo – é, ela estava sem batom. Eram um convite tentador.

Marina acariciou meu rosto e levemente me puxou para mais perto. Nossos olhos fecharam em sincronia e tudo o que veio a seguir fez meu corpo tremer. Nossos lábios se encontraram num doce beijo. Sentia a respiração vacilante de Marina no meu rosto a medida que nos beijávamos. Meus dedos estavam entorpecidos e gelados. Marina despertava em mim coisas antigas e outras que eu nunca havia sentido. Seu toque era suave e único sobre a minha pele. Combinavam com o seu jeito meigo.

Ao passo que nossos lábios se fundiam, segurei sua mão direita quando a tirou do meu rosto e entrelacei nossos dedos. Nosso beijo ganhou mais força e até a minha respiração estava ofegante. Não queria que acabasse nunca, mesmo sentindo pequenos choques pelo corpo.

Ao final do beijo, colamos nossas testas e permaneci com os olhos fechados. Sentia o sorriso de Marina mesmo sem olhá-la. Eu estava me apaixonando cada dia mais. Quem diria, não? Eu que quase desisti da minha felicidade, agora estava vivendo um amor jovem, do qual me deixava sem estruturas.

Marina acariciou meu rosto novamente, levando o seu cheiro até mim mais uma vez. Será que eu nunca iria cansar disso? Nunca. Definitivamente Marina me encantava. Não por sua beleza incomum, mas sim pelo seu jeito meigo e apaixonado.

Sem dizer nada, nos levantamos e seguimos até a porta. Marina e eu fomos até a casa de Branca para uma sessão de tortura infinita, onde definimos o local para o ensaio fotográfico do casal – quero dizer – trio de namorados. Mais tarde, fomos ao cinema assistir a uma comédia romântica nacional. Não sei se o filme era bom, pois só prestei atenção nos lábios de Marina. Essa que, mais tarde, sentiu-se triste por pensar que eu sentia vergonha do nosso relacionamento só porque, inconscientemente soltei sua mão ao ver a mãe de um amigo do Ivan, a Laura. Estranhamente aquela cena me deixou feliz, não por deixa-la triste, mas por deixar claro que eu a amava. Que não tinha vergonha do que os outros pensavam. Ali, eu vi o quanto era corajosa, afinal, nunca me imaginei namorando uma mulher. Ali percebi que não importava quem era o meu par, o que importava era o amor. Só o amor.

Vestida com sua jardineira preta e usando seus óculos de grau, Marina me desvencilhou da lembrança colocando meu cabelo atrás da orelha. Ela estava simples e elegante ao mesmo tempo. – Ainda me pergunto como ela consegue. - Acho até que ela leu os meus pensamentos e colocou aquela roupa para me provocar. Era uma coincidência engraçada. – Vamos, amor? Estamos atrasadas. – Sorri sarcasticamente para ela, como quem diz “eu não avisei?” e me levantei.

Ivan veio ao nosso encontro ficando no meio de nós duas, pegando nossas mãos.

Olhei para os meus dois amores e segui noite a dentro.

Minha pequena família!

Com eles, eu não tinha outras preocupações.