Legacy - Interativa

Capítulo 4 - Fire Goddess


CAPÍTULO 4 – Fire Goddess

Amo-me a mim próprio demasiado para poder odiar seja o que for”

Jean-Jacques Rousseau

Kuanna desfrutava de seu café da manhã em tamanha paz interior que nem parecia notar que seu quarto estava naquele vai e vem habitual dos dias de viajem. Seus criados eram muito eficientes e ela nunca precisava repetir uma ordem mais de duas vezes, o que acabava se tornando muito fácil e relaxante, tendo tempo para aproveitar a refeição numa calmaria, saboreando os morangos gordos e mordiscando os pãezinhos de açúcar e canela, sempre tão impecáveis.

Os cozinheiros do palácio de Mônaco tinham mãos de fadas e a princesa se perguntava se os portugueses teriam a astúcia de tentar fazer algo semelhante aos pãezinhos ou se serviriam um vinho melhor do que o que Kuanna bebia diariamente. Imaginava que não. A última vez em que ela fora para Portugal era tão criança que nem tinha lembranças, mas tinha a intuição de que seria um pouco doloroso deixar sua casa – tão linda, luxuosa e confortável – para trás. Ainda que por alguns meses.

–Yvonne, sabe se em Portugal fazem estes pãezinhos? – A Alteza perguntou ao ver a criada que embalava suas joias.

Yvonne se virou. Tinha cabelos ruivos presos em um coque bem apertado, deixando bem a mostra a sua pele olivada e oleosa. Ela não era uma criada antiga e Kuanne não sabia como havia memorizado o seu nome, talvez porque soubesse que era uma das muitas pessoas que haviam sido importadas para Mônaco. Ouvira seu pai comentar que vinham de um lugar bem frio.

–Desculpe Alteza, mas não sei.

–Então mande embalar alguns para a viajem! Diga que os quero bem macios e quente.

–Como quiser, minha princesa.

Com uma reverência perfeita, a criada deixou o quarto com seus passinhos apertados e corridos numa luta contra o tempo. A princesa terminou sua refeição e deu a instrução para buscarem suas vestimentas de viajem. Em pouco tempo, três criadas vieram em sua direção; Uma carregava o vestido roxo cintilante e as outras duas ajudaram-a a se levantar, afastando os lençóis, empurrando a bandeja de bronze para longe e oferecendo-lhe a mão como apoio.

–Vossa Alteza Real deseja trocar-se, portanto...

Kuanne tocou com muita delicadeza o ombro da criada. A mesma se virou depressa para a soberana, com os olhos negros arregalados. A princesa sorriu.

–Deixe-os, querida. Deixe que realizem seus afazeres e nós realizaremos os nossos.

A criada pareceu estranhar a atitude da princesa, mas as outras duas pareciam tão acostumadas que nem deram bola. E sem, questionamento, começaram a despir a princesa, que não parecia nada incomodada com a presença de tantas pessoas – inclusive homens – e nem com as portas do quarto escancaradas. Ela livrou-se rapidamente da camisola longa e viu que alguém a separou numa cesta de roupas sujas. Uma de suas ajudantes enfiou-lhe o corpete tomara que caia e apertou bem as amarras das costas, de forma que seus já belo par de peios, ficasse ainda maior e mais chamativo. Kuanna vestiu a saia de armação e a saia comum por cima e viu seu reflexo de roxo puro no espelho. Irradiava tanto poder e sedução que apagava qualquer outra presença no recinto. Tocou o tecido. Apenas para verificar se era mesmo importado de Roma. Nos últimos tempos exigia os tecidos da capital pois pareciam estar aperfeiçoando as técnicas de costura e produção têxtil. Além de que, muitas peças eram inspiradas na própria princesa e na própria rainha de Mônaco.

–A echarpe branca, por favor.

Assim que acabou de falar, uma criada de cabelos negros saiu como um raio em direção ao armário e voltou poucos segundos depois carregando a echarpe de lã branca com tanto cuidado que parecia segurar o bebê real em seus braços magrelos. A princesa jogou sua echarpe sobre o corpo, tapando boa parte do busto e caindo em um comprimento longo até o fim de sua cintura. Suficientemente bom para ocupar como um capuz durante a viagem e perfeito para não deixá-la com um visual de senhora vencida. Calçou os sapatos de salto preto e pensou sobre o que fazer no cabelo. Geralmente, Alteza dava um jeito de destacar seus cachos negros e consequentemente seu pescoço. Mas hoje estava em dúvida.

–Chapéu pequeno – disse, estalando os lábios – Eles são muito mais bonitos que o ganso vivo que as inglesas carregam sobre as cabeças. Além de ficarem desprezíveis, vão morrer aos vinte anos com dor na lombar.

–Criticando as inglesas novamente?

Kuanne virou-se em direção a voz brincalhona e conhecida e avistou sua mãe. Ela usava um batom forte e vestido de mangas e gola longa. Observava a filha na soleira da porta, rindo.

–A única pessoa que pode usá-los dignamente é você mamãe.

A rainha Bella caminhou até a princesa e envolveu-a em um abraço delicado e quente, como se ela fosse uma pequena menina frágil. O gesto agradável, tão cedo da manhã, foi um convite para começarem o dia bem e Kuanne sentiu-se ainda mais animada.

–Já está pronta, minha luz?

–Quase – ela suspirou e correu o dedo pelos cabelos – A maioria das bagagens já foram despachadas também. E meus irmãos?

–Serafim já está pronto e nos espera, mas parece que Antony e seu pai arrumaram problemas de última hora.

–Como sempre.

A rainha desfilou pelo quarto, observando as pessoas agitadas pararem seu serviço para fazerem uma reverência a Vossa Majestade. Vez ou outra, ela sorria para seus súditos. Por fim, terminou sua rota sentando-se na beirada da cama de Kuanne.

–Não os julgue – riu – Luigi, o seu pai, parece meio preocupado em deixar as coisas de lado por um tempo.

–Aliás, o que ele tanto faz? Quero dizer, não governamos o país. Governamos Mônaco.

–Mônaco é o paraíso do dinheiro, meu diamante. Olhe para as roupas que você usa. Olhe para você mesma. Você é muito preciosa. Exala dinheiro, fama, beleza e sexo.

Kuanne não sentiu-se nem um pouco incomodada com os elogios da mãe. Ao contrário, fez questão de olhar para si mesma através do reflexo no espelho e confirmar tudo o que já sabia ser verdade. Seus olhos expressivos brilhavam de entusiasmo e orgulho.

–Certo. Espero francamente que Portugal nos surpreenda.

A rainha Bella levantou-se.

–Eu também. Querida, aprume-se para logo que agora mesmo irei chamar Antony.

–Logo irei – sorriu.