Legacy - Interativa

Capítulo 1 - Court


“Esta consciência, que faz de todos nós covardes”

William Shakespeare

Portugal, outono de 1523

–Você está pronta, princesa?

Amelia se sentia completa olhando para o castelo. Ele era de uma arquitetura perfeita, parecendo se elevar conforme a distância, com torres baixas e largas. Mais bonito do que ele em si, era a recepção da corte inteira. Com sorrisos acolhedores e euforia explicita.

–Sim – sussurrou confiante e estendeu a mão para o servo.

Atrás de sua carruagem vinham mais outras, com todos os seus pertences, servos e suas damas de companhia. A primeira que apareceu foi Eve. Uma presilha de pedras empurrava os cabelos loiros para trás e seu rosto, apesar de aparentar cansaço, ainda tinha aqueles traços delicados. Logo atrás dela vinha Naomi. Amelia logo percebeu que ela estava usando o vestido que havia feito pelas próprias mãos para a ocasião. Nos últimos meses todos haviam perdido a moça para as agulhas e os tecidos, mas o resultado era impecável: camadas e camadas de rendas e saia de armação verde água a deixavam ainda mais bonita.

Quando os olhares das três se encontraram, enfim, não evitaram o sorriso. A princesa se adiantou até as damas e, colocando-se ente elas, deu-lhes as mãos.

–Como prometido. Estamos juntas aqui.

–Eu mal posso acreditar – Naomi riu nervosa.

Eve apenas fechou os olhos por um segundo e soltou um suspiro.

–Portugal!

–Portugal – a princesa concordou.

–Precisamos cumprimentar a corte, Melia. Quero conhecer todos.

–Calma – Melia segurou o pulso da amiga. – Espera. Nem todos da corte estão presente.

–Mas quem está ... Ah.

–O príncipe.

Naomi virou-se para Amelia rapidamente e depois de lhe lançar um olhar acusador, sorriu. Tão feliz quanto se alguém tivesse lhe dado um pote de ouro.

–Que olhar foi esse? – pediu.

–Que tipo de olhar?

–Ah meu deus!

–Você está morrendo de vontade de reencontrar Kai

–De conhecer Kai, na verdade. Lembro muito pouco dele e acho que estou nervosa.

Naomi apertou a mão da princesa. Normalmente ninguém que não fosse suficiente próximo a família real poderia ter contato com Amelia, mas a menina havia crescido em meio a corte. Era, inclusive, mais velha que a própria princesa e junto com Eve, o grupo estava formado.

Assim que nasceu, fruto da união de Gregório e Gemma, a princesa havia sido prometida em casamento para o filho mais velho do rei e da rainha de Portugal. Tudo o que ela sabia até seus seis anos e idade era que o nome do tal príncipe era Kai, mas a curiosidade começou a incomodar tanto que era quase doloroso pensar quando iriam se encontrar e, por isso, ela foi enviada para passar uma temporada em Portugal. Apenas alguns meses para conhecer e se familiarizar com toda a cultura portuguesa, principalmente com o futuro marido.

A Amelia de seis anos teve a melhor das primeiras impressões ao conhecer o Kai de oito anos. Na primeira semana ele foi gentil, companheiro e honrou o título que tinha, mas assim que os dias foram passando, os dois perceberam que passar o tempo na companhia um do outro era entediante. Nunca concordavam com as brincadeiras. No dia que ele queria correr, ela queria cavalgar ou vice e versa. Não dava certo. Amelia começou a suspeitar que aquela pose da primeira semana era apenas recomendação dos seus pais e que na verdade Kai era ridículo. Durante sua estada, tiveram bons e maus momentos. Os maus sempre prevalecendo.

Mas a estadia da princesa foi abortada alguns meses antes do que o combinado. A rainha de Portugal avisou-lhe da morte precoce da sua mãe. Aparentemente Gemma estava infectada com uma doença e acabou não resistindo. Amelia seria enviada de volta a Grécia as presas, para conseguir comparecer ao velório e enterro da mãe. Ela nem se despediu de Kai. Simplesmente entrou na primeira carruagem que a arranjaram e em pouco tempo estava de volta ao seu país.

Amelia sabia que teria que voltar para Portugal e ficava se perguntando quando ocorreria isso. Ouvia histórias de que o reinado mudava muito quando o rei perdia sua esposa. E temia por isso. Temia que por algum motivo seu pai achasse que o certo seria adiantar o casamento o quanto antes. Ela não queria casar agora. Na sua cabeça, Kai era um garoto idiota.

Mas não foi isso que aconteceu.

Cinco meses após a morte de Gemma, o rei Gregório se casou de novo. A sua nova companheira era uma moça de um fazendeiro milionário. Muito bonita e jovem. Seu nome era Harriet e foram necessários menos de dois meses para que a nova rainha descobrisse da gravidez e, nove meses mais tarde, nascia Ítalo. Foi a partir do nascimento de seu irmão que surgiu uma espécie de brincadeira que se dizia à Amelia. Sua mãe, Gemma, havia tentado durante anos seguidos dar herdeiros para Gregório. Antes da princesa, ela havia enterrado três meninas que haviam nascido mortas e depois dela, nunca mais conseguira segurar um bebê na barriga. As tentativas eram falhas. Ter uma menina ainda era melhor do que não ter herdeiros, mas mesmo assim era necessário um filho homem para dar mais força a nação e, para o povo, quem havia trazido a sorte ao povo era Melia.

Quando a princesa estava fora do castelo, passando sua temporada em Portugal, a Grécia vivia má fase – o que provavelmente fez a rainha adoecer – e assim que voltou ao lar, milagrosamente tudo havia se resolvido. E os gregos ainda haviam ganhado uma nova rainha tão linda e boa quanto a outra e o tão esperado filho homem. Mas Amelia não dava bola para isso. Amava com todas as forças a madrasta e principalmente o irmão, mas se sua volta de Portugal significava a morte da sua mãe, ela nunca voltaria.

–Amelia? – era a voz de Eve acordando-a de um transe. – Está aí?

–Estou – ela piscou e riu.

–Estava pensando se Kai se tornou um homem bem apessoado?

A princesa sorriu

–Se não o achar tão idiota quando achei da última vez já estarei no lucro.

–Como ele era?

–Bom, ele tinha olhos claros...

–Cabelos cor areia, mais ou menos um e oitenta de altura e lindos, definidos e fortes músculos?

–Ele só tinha oito anos, como é que vou saber se... – Ela olhou na direção em que Eve babava e arregalou os olhos. Kai? Aquele era o príncipe? – É ele – afirmou.

Naomi deu espaço para sua princesa passar na frente e entrelaçou seu braço no de Eve. Sorrindo de orelha a orelha.

–Estou muito surpresa.

–Melia também, aparentemente – sussurrou Eve.