Laços de Sangue e Fúria

O Primeiro Jantar em Baker Street


Baker Street. Londres, Inglaterra. 30 de Outubro de 1894.

1° Noite

Esther e Mrs. Hudson tinham passado o restante daquela tarde juntas. Passava das seis, denunciava o relógio, quando finalmente as duas terminaram de ajeitar a estante da sala de estar. Embora mais cedo Watson tenha lhe ajudado a ajeitar os móveis mais pesados, a casa implorava por um toque feminino, algo que só a senhoria poderia ser capaz de lhe ajudar de maneira apropriada. Depois de muito esforço juntas, finalmente a sala de estar, o último cômodo a ter um aspecto mais arrumado, estava pronto. Nem parecia ser verdade. Nos últimos dias, Esther se revezava entre sua casa, na Shagford Street, e os aposentos do 221-A, de Baker Street, seu novo lar. Mas agora, sua mudança estava pronta, definitivamente. Não havia mais nada em seu antigo lar.

–Oh, Mrs. Sigerson, eu estão tão feliz por você... – disse Mrs. Hudson. – Espero que você se sinta bem-vinda aqui.

–Eu certamente me sentirei, Mrs. Hudson.

–Eu só espero que meus inquilinos não assustem a senhora. Quero dizer, eu sei que você conhece bem o Dr. Watson... De maneira respeitosa, quero dizer... Mas a minha maior preocupação é o Mr. Holmes. Ele não é um inquilino dos mais fáceis de lidar. Eu espero que ele não te destrate.

Esther percebeu que Mrs. Hudson parecia realmente preocupada. Afinal, aquela seria a primeira vez que uma mulher estaria dividindo quase o mesmo teto, inserida na mesma rotina. Ela temia pela reação de Holmes, que embora tenha dito que não se importava no início, poderia não reagir bem nos dias a seguir.

–Não se preocupe. Tenho certeza de que conquistarei Mr. Holmes.

De novo, pensou Esther.

–Assim espero. Mas receba minhas desculpas antecipadas por qualquer inconveniente de sua parte. – disse a senhoria. – Aliás, eu gostaria de saber como manterá suas refeições...

–Bom, eu não vejo problema em dividi-las com os demais inquilinos.

Mrs. Hudson não parecia muito satisfeita com isto. Queria evitar o máximo de convivência de Sophie com Mr. Holmes. Afinal, não seria bom atiça-lo com a presença feminina, quando boa parte de suas refeições se davam em clima de mau-humor.

–Er... De qualquer modo, eu terei de falar com Mr. Holmes. Sabe, eu tento manter um horário aqui, mas ele nem sempre o acata, pedindo sanduíches no meio da madrugada, depois de dias sem comer... Quanto ao seu?

Esther parecia dar pouca importância. – O horário que lhe for conveniente. Não quero impô-la uma rotina diferente, tente entender.

Mrs. Hudson sorriu. – Oh, que bom que pensas assim. Bem, o jantar será servido em instantes, Mrs. Sigerson. Já avisei ao Mr. Holmes que você irá dividir a mesa com ele e com o Dr. Watson. E seu marido, virá? Posso preparar mais uma refeição?

Marido. Aquela era outra questão delicada. A pobre senhora jamais poderia saber que Mr. John Sigerson, aventureiro errante e marido ausente, estaria sentado, aliás, na mesma mesa. Esther respirou fundo e sorriu.

–Não, ele está em viagem. Creio que em algum lugar no Caribe.

–Oh. – respondeu brevemente Mrs. Hudson. – Meu marido, Ryan, também ficava fora de casa meses a fio. Trabalhava na Marinha. Eu também sentia falta dele, até uma tempestade leva-lo definitivamente de mim. – disse a senhoria, com tristeza. – Bem, não estamos aqui a falar de coisas tristes. Caso precise de alguma coisa, é só me chamar. Primeira porta, no corredor à direita. – disse Mrs. Hudson. – Tenha uma boa noite.

Quando Mrs. Hudson ia fechando a porta, acabou esbarrando no Dr. Watson.

–Oh, mil perdões, Dr. Watson! – ela disse.

–Er, Mrs. Hudson... Diga-me, e Sophie? Ela está bem?

–Sim, está. – disse a senhora, impaciente. – E o senhor, Dr. Watson, deveria se portar com respeito. Ela é uma mulher casada. Acho que chama-la de Mrs. Sigerson já é um bom começo.

–Mrs. Hudson, eu não quero soar ofensivo... É que, bem, são anos de convivência. Creio que ela me concede tal liberdade.

–Sim, mas e o marido dela, também concede?

–Ele não está aqui! – resmungou Watson, ainda enfurecido com a menção de Sigerson na conversa. – Aliás, ele nunca esteve na vida dela!

–Estando ou não, o senhor deveria ser mais cauteloso ainda assim. Nos tempos de meu Ryan, um homem que ousasse me chamar de Martha, ainda que não em sua frente, seria passivo de morte! Se me dá licença, doutor...

Watson deixou sua senhoria passar, ainda descrente com o que escutara. Não sabia se com a irritação dela ou com a descoberta do nome de batismo de Mrs. Hudson.

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Holmes estava deitado ao sofá, pés para cima. Vestia seu robe vermelho e esfarrapado e fumava. O enigma que um cliente lhe enviara já jazia pousado sobre a mesa, resolvido. Tinha sido rápido, nada demais. Era apenas um código utilizado pela esposa dele, que se correspondia com o amante, e não ameaças de um grupo criminoso da Alemanha, ele tinha percebido. Aquele seria uma notícia boa e ruim para se dar, ele pensou.

Sua mente, já sem crimes para solucionar, agora pousava sobre os aposentos da nova inquilina. Era até estranho de se acreditar. Ele era um homem casado. Não havia aliança em sua mão, qualquer coisa que denunciasse isso. Mas ele sabia disso, ninguém mais, e sua vida permanecia a mesma do tempo de solteiro. Quase a mesma. O casamento, mesmo secreto, tinha lhe trago coisas boas. Muitas. Ele acreditava, entretanto, que não tinha conhecido as coisas ruins. Mas agora, que ambos morariam tão próximos, quase debaixo do mesmo teto, o lado negativo do casamento, que só uma convivência poderia proporcionar, era inevitável. Que fosse. Se não fosse pela maldita convivência, certamente sua mulher ainda estaria bem, e a criança teria uns seis meses.

Seis meses. Seu corpo estaria modificado. O bebê já teria forma...

Céus, ele imaginava, o que eu perdi foi tão precioso...

De repente, a porta se abriu. Era Mrs. Hudson, sendo ajudada por Watson. Antes, a senhoria conseguia administrar uma bandeja com dois pratos sozinha, mas não com três.

–Uhum... – pigarreou Mrs. Hudson, diante da maneira despojada que Holmes estava disposto. Ao ver que seu inquilino nada fez, além de soltar uma baforada ao ar, ela pigarreou de novo, mas mais forte.

–Melhor obedecer, meu caro. Mrs. Hudson está em um ataque de nervos com nossa “falta de modos”. – disse Watson, brincando, batendo levemente nos pés de seu amigo, que só então retraíram, colocando-o em uma posição sentada no sofá.

–Apenas não quero que minha nova inquilina pense que está morando com dois selvagens. Combinei o jantar às oito e trinta com Mrs. Sigerson – disse a senhoria, indignada. – E o senhor, Mr. Holmes, poderia se vestir de maneira mais apropriada ao jantar, não custa lembrar...

–Oh, sim. Meu smoking de gala seria apropriado? – disse Holmes.

–No meu tempo, os homens vestiam smoking de gala para jantar, mesmo em suas casas.

–As regras de etiqueta mudaram, Mrs. Hudson. Os homens de hoje só se vestem assim em jantares especiais. Embora meu amigo realmente seja um incivilizado que não segue sequer esta regra. – disse Watson, batendo no ombro de Holmes. – Aliás, Holmes, eu vejo que resolveu seu problema. Hm... “Josh, venha me encontrar na adega, meu marido não estará em casa e você poderá me ter como bem entender”... – disse Watson, olhos azuis arregalados diante do conteúdo ousado da mensagem descriptografada. – Wow! Ora, ora... – exclamou o médico.

Mrs. Hudson, que ainda aprontava os talheres, se indignou.

–Que devassidão! Por favor, não assustem Mrs. Sigerson com tais detalhes sórdidos! – disse a senhoria.

–Ora, e por que não? Se ela irá mesmo compartilhar da mesma refeição conosco a partir de agora, terá de se acostumar com nosso tipo de conversa. – disse Holmes, em protesto, enquanto a senhoria descia, ainda indignada.

–Mas há coisas que não cabe a uma senhora de respeito ouvir, Holmes. – alertou Watson, tentando pôr um limite. – Como esse tipo de conteúdo.

Holmes resmungou qualquer coisa, enquanto reabastecia seu cachimbo.

–Você não vai jantar?

Holmes negativou, e antes que Watson pudesse repreendê-lo, ele o mandou parar com um aceno. O médico pigarreou, enquanto se sentava à mesa, aguardando ansiosamente pela subida de Esther.

São sete e trinta e quatro da noite e o jantar começa às oito e trinta. Por que não vai fazer algo mais útil ao invés de sentar-se como um adolescente apaixonado esperando pela amada? – resmungou internamente Holmes, ao observar seu amigo sentado. Algo precisava ser feito. – Watson, meu caro, se me permite observar...

–Hm?

–Eu posso sentir de longe o cheiro de éter que impregna a sua camisa. Não creio que seria do agrado de Mrs. Sigerson... – disse o detetive, dando uma baforada.

Watson cheirou as mangas da camisa. – Eu tive de fazer um curativo no último paciente e derramei um pouco na manga... Acho que é melhor trocar de camisa... – disse o doutor, levantando-se com pressa.

–Camisa? Pelo tempo que está vestindo essa roupa, eu creio que...

–Então um banho será definitivo! – disse Watson, do lado de dentro de seu quarto.

Holmes sorriu satisfeito, enquanto ouvia o som da torneira da banheira, ao fundo, vindo do quarto, além de Watson cantarolando uma ópera qualquer, de maneira desafinada, como ele sempre fazia ao banho.

Às sete e quarenta, Esther subiu. Pareceu surpresa em encontrar Holmes sozinho, de pé sobre a sala, vestindo seu robe e de cachimbo na mão. Ela sorriu com a visão casual do detetive, que sempre pareceu tão arrumado em seu impecável terno negro. Às vezes, ela tinha a impressão de que ele dormia daquela maneira.

–Então, é assim que janta toda a noite? – ela perguntou.

–Usualmente. E você? Sempre tem de se vestir de maneira tão aprumada? Sentirei-me ofendido assim, Mrs. Sigerson... – ele disse, com sarcasmo. Depois, disse com um cochicho. – Se não fosse para manter a aparência, eu seria capaz de me meter em uma casaca.

–Você sempre odiou casacas. – disse Esther. – Valeria o sacrifício? – ela perguntou, em cochicho, olhando fixamente para aqueles olhos cinzentos irresistíveis.

–Valeria. – respondeu Holmes, a apenas centímetros de distância.

Isso está se mostrando melhor do que eu pensei.

Holmes aumentou a distância entre ambos, repentinamente.

–Watson. Terminou de se banhar. – ele explicou-se. Esther riu.

–Parece que sem concluir o Barbeiro de Sevilha...

–É uma das preferidas dele para o banho. – disse Holmes, com um sorriso irônico. – Mas sente-se, Mrs. Sigerson. – ele disse, já em seu tom normal de voz, audível o bastante e com certa frieza.

–Obrigado, Mr. Holmes. O senhor irá jantar? – perguntou Esther, tentando parecer uma mulher nervosa fazendo pergunta idiotas, e rindo por dentro de sua encenação, enquanto Holmes se sentava.

–Sim, mas não acredito que meu jantar esteja neste prato.

–Oh não? E onde ele está? – Esther perguntou, enquanto, por baixo da toalha da mesa, seu pé acariciava, provocadamente, a perna de Holmes, que tremeu bruscamente em surpresa, achando graça e tentando manter o tom de voz frio, embora seu interior estivesse pegando fogo com a provocação de sua esposa.

–No-No meu cachimbo. – ele disse. – Espero que não se sinta ofendida pela minha abstenção à esta refeição.

–De maneira alguma, Mr. Holmes. Sinta-se livre para agir como bem entender. Eu é que desejo não ser um entrave à sua rotina. – ela dizia, com um sorriso irônico, enquanto sua perna avançava para cada vez mais acima do joelho de Holmes.

Maldita mesa pequena... Porquê nossas pernas tem de ficar tão próximas... Acho que terei de comprar outra mesa aqui, ou então, não vou permanecer resistindo se Esther me provocar em todos os jantares – porque com certeza ela fará isso...

Deus, mulher, pare de me provocar, ou não serei capaz de me conter...

De repente, quando Holmes já se sentia em um estado de plena prostração perante seus próprios instintos masculinos, surgiu Watson, saindo de seu quarto, bastante arrumado e perfumado. Holmes tinha exagerado no cheiro de éter, que não era mais que sutil, mas seu amigo realmente tinha passado dos limites quanto ao uso do sabonete.

–Oh, Sophie! – disse Watson, com o melhor de seus sorrisos. – É um prazer ter sua presença no jantar. – disse o doutor, que diante da dama já em pé, pegou em sua mão e a beijou-lhe. – Vejo que meu amigo Holmes lhe bem recebeu. Por favor, sente-se. Er... É impressão minha, Holmes, ou seu semblante está um pouco... Corado?

Holmes, que ainda se encontrava com o sangue de seu organismo direcionado para áreas completamente impróprias de seu corpo, pigarreou. – Ah, é que... Eu acendi a lareira e o fogo me fez sentir calor.

Watson parecia não se lembrar que Mrs. Hudson tinha acendido a lareira. – Ora, meu caro, você não é tão bom nisto quanto Mrs. Hudson... Não precisava.

–Não queria incomodá-la. Ainda mais porque ela deve estar com as costas sensíveis, depois de toda a arrumação excessiva com a qual estava envolvida esta tarde.

Oh, mas é claro. Estava demorando para vir suas alfinetadas à estadia de Sophie, lamentou Watson, que lançou um olhar complacente sobre ela, que parecia não se importar, muito pelo contrário.

–Não menos do que ela será submetida amanhã, tendo em vista a bagunça de seus aposentos. – disse Esther, rebatendo.

Por dentro, Watson estava surpreso, e preferiu não fazer qualquer observação, pois a moça estava certa. A sala estava mesmo uma bagunça. Havia jornais e livros espalhados, algo que não acontecia com tanta frequência – pelo menos na sala – quando ele morava ali. Mas agora, que ele também iria morar em Baker Street, havia esperanças de que isso cessaria.

Holmes se roeu por dentro, e deixou escapar em seu semblante certa raiva com o comentário mordaz de Esther, mas se conteve.

–Bem, senhores. Creio que é hora de jantarmos, antes que esfrie. – disse Watson, abrindo uma das tampas da panela e se servindo.

Implicações à parte, o jantar continuou, aparentemente civilizado.

O clima poderia ser desconfortável, mas Holmes e Esther já estavam acostumados a se tratarem formalmente, quando havia mais alguém além dos dois entre quatro paredes, algo decorrente desde os tempos em que ela namorava seu melhor amigo, Watson. As circunstâncias acabaram por ensiná-los a esconder seus próprios sentimentos, embora tal tarefa sempre parecesse difícil. No entanto, lá estavam os dois, sentados um de frente ao outro, conversando sobre as recentes mudanças à Baker Street, tanto de Watson quanto de Esther como se a ocasião não fosse um bom subterfúgio para mantê-los juntos, mesmo em um casamento secreto.

–O que achou da sentença do Coronel Moran, Holmes?

–Soube pelos jornais. Prisão com trabalhos forçados em Dartmoor, um dos piores presídios do Império. Acho que fez por merecer, mas ainda assim, esperava outro desfecho. – ele disse, olhando brevemente para Esther.

–E o senhor, Mr. Holmes? Está entretido com algum caso?

Holmes, que estava terminando seu jantar, respondeu-lhe que não.

–Na verdade, só terminando uma pesquisa...

–Para a Universidade de Montpellier, não é? Eu percebi pelo selo da correspondência.

Holmes tremeu brevemente, pois sabia que a correspondência estava no nome de John Sigerson. – Sim, já contribui com uma coisa ou outra naquela universidade.

–É esta a universidade que premia químicos, não?

–Sim, esta mesmo.

–Olha, mas até que seria interessante inscrevê-lo no concurso, não?

Holmes pareceu incomodado com a possibilidade. Afinal, ele já estava concorrendo. Como John Sigerson.

–Watson, eu não estou preocupado com premiações. Faço minhas pesquisas apenas para ocupar-me enquanto casos novos não surgem, sim?

Esther ficou penalizada com Watson. – Ele só estava tentando te ajudar, Mr. Holmes.

–Eu sou dono de minha vida, Mrs. Sigerson, não preciso que fiquem a me dizer o que fazer todo o tempo. Já basta suas observações médicas, a respeito de meus hábitos de recreação...

Esther arregalou os olhos. Não sabia que ele ainda utilizava drogas, depois de tudo, e tinha vontade de esganá-lo. Mas se controlou como pôde, e apenas se limitou ao papel de mera ouvinte naquela discussão.

–Eu sou seu médico e amigo, Holmes! Não posso assistir passivamente sua destruição gradual apenas em nome de nossa amizade! Afinal, alguém precisa fazer isso por você, já que é um homem solitário!

Esther sentiu uma tristeza bater-lhe com esta observação. Ela estava ali o tempo todo, e impotente, incapaz de ajuda-lo com o vício. Sequer sabia que ele ainda usava drogas. Holmes percebia sua reação nada agradável, e o combate interno para manter as aparências.

–Escute, Watson... Melhor mudarmos de assunto. Isso não é apropriado aos ouvidos de uma dama... – ele disse, olhando para Esther. Watson concordou.

Mais tarde, Watson subiu para os seus aposentos, mais uma vez tentando disfarçar sua dor na perna e cansaço na frente de Esther. Quando sozinhos, Esther disse a Holmes, quase em sussurro.

–Eu quero conversar com você depois, às sós. – ela disse, enfatizando as últimas palavras. Holmes assentiu, despedindo-se dela. Sabia que ela estava furiosa com essa nova informação. Quantas outras ela não receberia, agora que estavam tão próximos?

Começou.

Instantes depois, ele desceu as escadas. Todas as luzes estavam apagadas, e Mrs. Hudson já tinha ido se deitar, acreditando que todos os moradores já estavam recolhidos. Aproveitando-se da escuridão do local e de uma porta propositalmente encostada, ele entrou à casa, nova residência de Esther.

O apartamento era, de fato, bem menor que o seu, e sem comparação ao que ela deixara a duas quadras do seu, mas saber que ela estava praticamente vivendo no mesmo teto era tranquilizador.

Dentro de um quarto – pela primeira vez, aquele que seria o quarto de ambos, secretamente – ela correu para suas mangas e dobrou uma delas. Lá estavam as marcas, recentes, ainda que poucas, das agulhadas. Sem saída, ele confessou que fez uso da droga, enquanto Esther ainda estava traumatizada, mas prometeu que não mais o faria.

–Holmes, isso vai acabar te matando... – disse Esther transparecendo sua preocupação. – Faz idéia do quanto é perigoso? Eu não posso entender por que você usa... Isso...

–O efeito dela é poderoso, Esther. Estimulante, clarificador...

–Você me ama, Holmes?

Ele ergueu-se, rapidamente. Nunca tinha sido perguntado desta maneira, tão direta. Nem mesmo no ápice da paixão, quando estavam juntos, ele tinha dito a ela aquelas três palavras, as três palavras que todas desejavam ouvir. Mas agora, ela o perguntava diretamente. E estranhamente, ele não sabia sequer o que era isso, mas imaginava que fosse o que sentia por Esther.

–Sim. – ele limitou-se a dizer, depois de alguns segundos.

Outra mulher teria ficado furiosa com sua hesitação, mas não Esther. Ela sabia de todo o seu conflito externo a respeito dos sentimentos, das batalhas entre razões e emoções que dominavam seu interior. Não era correto que exigisse demais de um homem que estava se acostumando a aceitar sua natureza mais frágil. Ela balançou a cabeça, satisfeita com a resposta, e continuou.

–E você me ofereceria essa droga?

–Não! – respondeu prontamente. – É claro que não, Esther!

–Está vendo? Costumamos oferecer a quem amamos o que temos de melhor, o que temos de bom. E ao que parece, por sua reação, essa droga está longe disso. Mas ao menos, há algo dentro de você que sabe disso, e isso já é um começo.

Ela ficou na ponta dos pés – como sempre tinha de ficar para estar olhos nos olhos com ele – e o beijou.

–Conheço algo que faz a cocaína parecer sopa de legumes...

Holmes riu com a comparação, sabendo exatamente o que era isso, e onde terminaria.

–Uma droga nova no mercado? – ele perguntou, enquanto beijava seu pescoço.

–Na verdade, tão antiga quanto a própria Humanidade.

Ambos riram, intimamente, enquanto trocavam beijos cada vez mais apaixonados.