Holmes pigarreou bruscamente.

–Watson, Mrs. Sigerson veio fazer uma visita á Mrs. Hudson. Como ela não está, pois foi comprar o jornal para mim, achei que seria de bom senso fazer-lhe os cumprimentos.

Esther estendeu sua mão à Watson, que entretanto, beijou-lhe levemente no rosto.

–Como vai, Watson?

–Bem, minha cara, e você? Parece que sim. Está com o semblante mais saudável a cada dia que se passa... – ele disse, com os olhos brilhando. Holmes não pôde deixar de notar a irradiante paixão e gentileza de Watson e sentir-se incomodado. – Mas então, veio fazer uma visita à Mrs. Hudson...

–Er, sim... Bem...

Holmes interferiu. – Na verdade, meu caro Watson, o motivo da visita de Mrs. Sigerson aqui é puramente de negócios, pelo que ela esteve conversando comigo.

–Negócios? – estranhou Watson, um tanto temorizado que houvesse algum caso envolvendo Esther e que requisitasse os serviços de Holmes. Não depois de tudo que lhe acontecera nos eventos mais recentes. Ela não merecia.

Holmes explicou, entretanto.

–Sim, porque como ela estava me contando agora a pouco, ela está muito interessada em ser a nova inquilina do 221-A.

Tanto Esther quanto Watson ficaram pasmos com o que Holmes dissera.

–Mrs. Hudson decidiu pôr para alugar o 221-A, eu não sei se você está a par disso...

Watson reconheceu. – Sim, e pelo que me lembre, ela estava preocupada em achar um bom inquilino, para justamente não colocar algum inimigo seu debaixo de seu próprio teto...

–De fato, meu caro. Mas eu pensei: por quê não chamarmos alguém de confiança para morar aqui? Então, não me veio nenhum nome mais adequado que não o de Mrs. Sigerson. Ela é uma mulher casada, claro, mas o marido está foragido, você já sabe disso, e certamente manter sua casa será cada vez mais difícil. O aluguel de Mrs. Hudson por aquele apartamento, que é menor que o meu, costuma ser modesto, e creio que é factível para... Você ainda dá aulas, não é?

–N-Não, mas estou procurando por um emprego. – disse Esther, ainda impressionada com o que Holmes estava fazendo e maneira natural que ele conduzia uma mentira.

–Confio que irá achar, e que não tardará.

–Então, Sophie, você deseja mesmo morar aqui, em Baker Street? – Watson parecia contente demais com a notícia. Holmes sabia o porquê disso. Infelizmente, há duas noites passadas, Watson tinha comentado a respeito de seus gastos, ultimamente crescentes – Holmes imaginava os motivos, mas não tinha coragem de saber os detalhes – e do quanto seria bom que voltassem a dividir esse apartamento... Era bem provável que, agora, Watson estaria disposto a se mudar de volta para Baker Street já no dia seguinte.

–Sim, eu... Não pretendo mais morar em minha antiga residência. Agora que Sigerson está fora de casa, sem previsão de voltar devido à toda aquela confusão... Acho que morar aqui estará bom para mim. - ela disse, olhando rapidamente para Holmes, tentando disfarçar a felicidade que a idéia de morar, definitivamente, no mesmo teto que Holmes lhe trazia.

Esther foi convidada a tomar café junto a Holmes e Watson. Quando sentados á mesa, Mrs. Hudson chegou na sala, trazendo o jornal que Holmes lhe pedira. A manchete do caso Norwood estampava a primeira página, mas o nome de Holmes sequer era mencionado.

–Ao menos fez-se justiça.

–Sim, e agora você precisa se restabelecer. Esse caso consumiu seus nervos, embora você jamais admita isso. Deixou-lhe até mesmo mais relaxado que o costume com sua própria aparência: olhe só. Você está cansado, com a barba por fazer e com o cabelo desalinhado.

–Ora Watson, eu compreendo que você aja muitas vezes como um médico para mim, mas não esperava que quisesse fazer as vezes de meu pai também. – resmungou Holmes, que somente naquele instante percebeu que ainda não tinha tomado banho naquela manhã, muito menos se barbeado ou penteado o cabelo.

–Desse jeito Sophie terá uma má impressão sua. – disse Watson, em reprovação, mas Holmes deu de ombros.

–Ela é uma mulher casada, Watson. Não tem que se dar à impressões que não a de seu próprio marido... Não é mesmo, Mrs...?

–Sigerson. Mrs. Sigerson. – disse Esther, um tanto aborrecida.

–Ah, eu sabia que sobrenome era exótico... Escandinavo, não é?

–Norueguês, para ser preciso. – ela disse. Ele está indo longe demais.

–E seu marido, deu notícias?

–Não.

Watson pigarreou, querendo que Holmes não tocasse mais nesse assunto, mas foi Esther que tomou a palavra.

–Não há problema. Eu já superei esse episódio em minha vida.

–Fico feliz em ouvir isso, Sophie. – disse Watson.

Mais tarde, Esther acertou com Mrs. Hudson a respeito do aluguel do 221-A, que era o apartamento abaixo do de Holmes – e em breve, também de Watson. Ali morava um senhor de idade, um contador aposentado, que era um inquilino tranquilo, recém-falecido de um ataque no coração. Devido à fama de Sherlock Holmes, Mrs. Hudson achava dificuldades em alugar o apartamento, que era bem menor que o alugado a Holmes, a alguém de confiança. O lugar era pequeno, mas aconchegante. Tinha apenas um quarto e um cômodo minúsculo, que o inquilino antigo usava como escritório. Esther pretendia dar ao cômodo o mesmo uso.

–Mr. Saint Clair tinha dor na perna, e esse aposento era perfeito para suas condições, pois não precisava de escada. Podemos combinar as refeições para você e seu marido...

–Er, creio que isso não será problema. Sigerson vive viajando pelo mundo, mal fica em casa, e nos últimos tempos será difícil encontra-lo.

–Oh. – foi apenas o que respondeu Mrs. Hudson. – O que ele faz?

–É um explorador. Ganha a vida viajando e escrevendo para jornais e revistas científicas. Já esteve em todos os continentes.

–Uma profissão um tanto peculiar, essa. Acho que vou me especializar em hospedar inquilinos com profissões exóticas... – ela disse, rindo. – Imagine só, Mr. Holmes e seu marido juntos!

Esther riu. Mal sabia a pobre senhoria que, na verdade, os dois estavam juntos o tempo todo, a ponto de serem, simplesmente, a mesma pessoa.

–Sim, seria um encontro muito interessante. E bizarro!

Esther despediu-se de Mrs. Hudson, tendo acertado que, em duas semanas, se mudaria definitivamente para Baker Street.