Laços de Sangue e Fúria

Maus Ventos de Plymouth


Londres, Inglaterra. 12 de Fevereiro de 1895.

221-B, Baker Street. 09:00 am

(Alguns dias depois)

Watson fumava seu cigarro, preocupado. Olhava para janela, na esperança de que Sophie voltasse. Seu estado de preocupação há alguns dias atrás, devido ao estado de saúde de sua amiga, lhe fizera ter pena dela. Mesmo oferecendo seus serviços médicos, Sophie recusou, disse que a moça tinha assistência, mas que naquele momento precisava de companhia, pois não tinha familiares. Ainda assim, aquela casa ficava tão triste sem ela...

E o que dizer de Holmes? Tinha ido à Plymouth, e não mandara mais notícias. Mycroft dissera o mesmo – embora houvesse algo em seu semblante que lhe aparentava preocupação, mas decerto era por algum problema do governo.

Agora, tudo que ele poderia fazer era se contentar em ficar sozinho.

Seria aquele o prenúncio de mais um dia calmo, com a mesa quase vazia, se não fosse o surgimento repentino, quase amedrontado, de Mrs. Hudson a cessar com aquela aparente calmaria.

Preocupado com seu estado visivelmente alarmado, Watson levantou-se da mesa, aproximando-se dela.

–O que houve, Mrs. Hudson? A senhora parece assustada... – ele perguntou.

–Oh, Dr. Watson... – a voz de Mrs. Hudson estava embargada. – O inspetor Lestrade e mais alguns policiais estão lá embaixo, desejando ver o...

–O seu tempo esgotou, senhora. – irrompeu uma voz, áspera.

Irritado com a intromissão daqueles estranhos, acompanhados de um Lestrade também resignado, mas um tanto encabulado, Watson pôs-se em defesa de sua senhoria.

–Acaso todo o senso de educação se dissipara de seus espíritos apenas porque carregam distintivos, meus senhores? – reclamou Watson, quando sua sala já estava tomada por pelo menos seis pessoas, fora o barulho vindo do lado de baixo, que denunciava que havia mais Yarders à espreita, feito cães de guarda. Parecia que a tropa estava em alvoroço.

–Dr. Watson... – foi a vez de Lestrade dizer. – Perdoe-nos por tal despautério. Simplesmente estamos aqui a cumprir um mandado de busca, contra Mr. Sherlock Holmes.

O inspetor ao lado de Lestrade, que Watson percebera não ser londrino, a julgar por suas vestes mais rurais e sua falta de modo desde a maneira como entrara e também como se portara à Mrs. Hudson, exibiu um papel, como se fosse um troféu.

–A Coroa já expediu um mandado contra Mr. Sherlock Holmes, por tentativa de obstrução da lei britânica. Já sabemos que ele esteve em Plymouth, visando incomodar um dos interessados no processo.

–O quê?!

Lestrade suspirou. – Leonard Morgan, tio do acusador, alegou ter visto Mr. Holmes a incomodar seu pai, Mr. Morgan, com o intuito de força-lo a mudar seu depoimento.

Foi a vez de Watson se indignar. – Meu amigo seria incapaz de ameaçar alguém!

–Nem de realizar falso testemunho em ganho próprio, ao menos assim era o que todos nós pensávamos, não é? – deu de ombros o outro inspetor, com relativo deboche. – O fato é que sua opinião pouco tem de relevante, Mr...

Doutor. – corrigiu Watson. – Chame-me de Dr. Watson. E se desejam saber, meu amigo não está aqui.

Àquela altura da conversa, os guardas da Yard já tinham vasculhado quase todos os aposentos. Um deles parou diante da porta onde Diane Watson permanecia dormindo. Percebeu que a porta não se abria.

–Senhor, esta porta está trancada.

–Pois a abra...

–Não! – interrompeu Watson. – Minha prima, Diane, está aí. Ou os senhores se atreverão a invadir a privacidade de uma senhorita?

Depois de trocar olhares com Lestrade, o inspetor assentiu. – Está bem. Mas chame-a a comparecer a esta sala, para que os guardas façam a devida busca. Nenhum cômodo passará ileso de nossa revista. Constable Elmore, peça que permaneçam em prontidão nos fundos. Garantam que ninguém saia daqui.

–Sim, senhor. – disse o Yarder, saindo do ambiente.

Watson olhou por um momento a Lestrade. Percebeu que, embora o inspetor estivesse cumprindo seu dever, ele não estava nada satisfeito com o andar do processo.

Depois que a revista fora realizada e finalmente todos aqueles homens deixaram o recinto, restaram apenas Diane e seu primo, Dr. Watson.

–Que falta de modos! Eu estava dormindo e tive que aparecer diante de tais estranhos ainda vestindo camisola, enquanto um soldado insolente vasculhava minhas coisas... Como se Mr. Holmes estivesse escondido na minha gaveta de calçolas!

Watson ria da indignação de sua prima.

–Eles foram insolentes justamente para nos deixar nervosos, minha prima. Quando em estado de nervos, somos capazes de revelar até o que nem sabemos.

–Bom, uma grande tolice! – a moça se levantou, ajeitando sua camisola, caminhando até seu quarto. – Afinal Mr. Holmes ainda não voltou de lá... Será que ele ainda está lá, em Plymouth?

–Possivelmente, e bem debaixo dos narizes deles, realizando sua investigação independente... Aliás, minha prima, eu espero que esta visita impertinente dos Yarders não tenha tirado o seu bom humor. Afinal, marcamos um passeio no Queen Mary Park.

–Claro que estou bem, meu primo! – exclamou Diane, de felicidade, ainda de dentro do quarto. – Mal posso esperar para conhecer esse lugar. Ouvi dizer que é lindo.

–Deveras o é. É encantador estar lá, sentado à grama, em um piquenique, observando os esquilos pelas árvores. Eu e Mary fazíamos muito este tipo de passeio no verão... Pena que não poderemos fazer um piquenique hoje. Tenho um cliente exatamente na hora do almoço do outro lado da cidade e não posso me atrasar.

–Sim, eu sei. Será apenas um passeio refrescante, mas ainda assim imperdível. – disse Diane, com entusiasmo.

–Tenho certeza de que você gostará.

Cerca de vinte minutos depois, Diane saiu de seu quarto, já vestida adequadamente com um traje para manhãs frescas, em um vestido rosa claro de poucos detalhes, chapéu gracioso e um leque à tiracolo.

–Belo chapéu, Diane. Você está radiante! Pelo visto, tens bom gosto.

–Obrigada. – disse Diane, como sempre, contente por receber elogios.

–E que mal lhe pergunte, minha cara, mas este leque...

Diane pareceu surpresa, ao perceber os olhos de seu primo fitando o leque que estava em sua mão.

–O que tem meu leque, John?

–Bom, confesso que ele é... Radiante. Minha esposa tinha alguns, mas nenhum semelhante a este. Posso pegá-lo?

–Claro. – disse Diane, com estranheza e hesitação.

Watson tomou o leque em uma das mãos. Contava, com diversão, sobre Mary e seu certo exagero com sua coleção de leques, que acabou lhe tornando quase um especialista no assunto. Ele contou do aniversário de casamento, quando deu a Mary um leque trazido do Japão, que lhe custou um salário inteiro de sua pensão, e na expressão de plena felicidade de sua esposa quando recebeu o presente.

–Vejo que este leque é japonês também... Olhe os hologramas...

–Este leque pertencia a minha mãe.

–Um leque tão caro destes?

Diane pareceu nervosa, e muito envergonhada, fazendo Watson se arrepender de tocar no assunto. Certamente tinha tocado em um ponto íntimo.

–Minha mãe tinha uma vida nada ortodoxa antes de conhecer meu pai. Esse leque foi presente de um... Cliente.

–Oh. – soltou Watson. – Mil perdões por trazer-te tal embaraço.

–Não há o que se desculpar, John.Sua curiosidade é perfeitamente natural.

–Mas ainda assim, esse leque parece um tanto pesado... – observou Watson, balançando o leque.

–John... Por favor, ou você irá...

De repente, o leque fechado soltou, inesperadamente, uma lâmina pontiaguda, fazendo Watson soltar uma exclamação de intensa surpresa e choque. O leque acabou por cair ao chão.

–Meu... Deus... – ele disse, pegando o leque em sua mão outra vez. – Mas isto parece mais uma adaga!

Diane observava seu primo com diversão no olhar.

–Minha mãe sempre me dizia que tinha pertencido a uma gueixa. Era uma espécie de prostituta no Japão. Elas eram mulheres fortes, mas muito elegantes, e sabiam se defender. Esse era o tipo de arma que elas utilizavam. Furtiva e eficiente.

–Isso pode matar uma pessoa! – exclamou Watson. – É pontiaguda o bastante para isto. Como tens coragem de usar um item destes sem ter medo de ferir a si mesma, minha prima?

Diane soltou uma risada.

–Essa arma tem um dispositivo que dispara apenas se o leque estiver fechado. Ou seja, jamais a ponta será injetada enquanto eu estiver me abanando.

–Interessante. – disse Watson, fechando o leque. – Você deveria ter mostrado isso a Holmes. Ele ficaria fascinado com isto.

–Tenho certeza de que não faltará oportunidade. Vamos? – disse Diane, estendo seu braço a Johm, que lhe atendeu dando um belo sorriso.

Quando já pertos da porta, Watson inspecionou seus bolsos nervosamente.

–Oh, mas espere! Já ia me esquecendo de minha cigarreira! Aguarde aqui.

Procurando por sua cigarreira em seus aposentos, Watson acabou encontrando, debaixo dela, um estranho bilhete.

PUB DA NIELSEN STREET. 13H. GEOFFREY.

Watson sorriu satisfeito, com o bilhete simplório.

Aquilo só poderia ser obra de Geoffrey Lestrade...