Laços de Sangue e Fúria

E A Verdade Te Libertará


–Rasgado?

Holmes estava surpreso, mas não por muito tempo. Quase instantanetamente, voltou a parecer natural. Talvez ele tenha encontrado rapidamente uma teoria que explicasse a estranha ocorrência.

–Isso é coincidência demais... – perguntava-se Richard. – Será que essa Marjorie Eccles nos antecipou?

–Provavelmente. – disse Holmes, pensativo, dando baforadas.

–Como?! – exclamava Esther. – Nenhum estranho adentrou à Baker Street nos últimos tempos!

–Essa mulher já se mostrou preparada e perigosa. – disse Holmes, levando a mão levemente a barriga. – Para uma mulher que invade bancos, invadir Baker Street e levar algumas páginas de papel é trabalho de criança. Além disso, ela pode ter mandado um terceiro qualquer para este serviço. Bom, podemos não ter mais as conexões, mas ao menos sabemos quem é essa mulher.

–E não foi apenas esse o fato estranho do dia. – acrescentou Esther. – Há uma carta endereça a você, Sherlock, e que estava em poder de Diane.

Holmes pareceu surpreso. – Em poder dela?

Esther entregou a carta a Holmes, que não parecia surpreso com seu conteúdo. Pelo contrário, estava muito satisfeito em finalmente obtê-la. Ele abriu o envelope, revelando uma carta de duas páginas e também uma fotografia.

–Essa carta – ele disse – é de um colega que tenho em Chicago, Inspetor Kennway. Ele me ajudou em uns dois casos, e de vez em quando eu lhe envio uma cópia de minhas monografias. E não me surpreenda que essa carta tenha estado nas mãos de Diane, pois ela é o assunto principal dessa correspondência.

Esther estava surpresa. Holmes continuou.

–Watson desconhecia seu próprio tio, Donald Watson, e sabia ainda menos de sua prima. Acabou aceitando essa situação muito fácil, e eu não pude impedir. Mas não iria me acomodar à situação, não mesmo. Por isso, mandei um telegrama à Kennway, pedindo maiores informações a respeito da moça.

Holmes desdobrou o papel e começou a ler o conteúdo da carta em voz alta.

Caro Mr. Holmes

Primeiramente, gostaria de cumprimenta-lo pela sua monografia sobre pegadas. Ajudou-me a resolver um caso complicado em Detroit e que me fez estar a bons olhos na Superintendência, e tenho certeza de que a mesma ainda será de bom uso.

Como solicitado por telegrama, estive fazendo esta investigação paralela a respeito de Diane e Donald Watson. Por sorte, soube que o xerife Armstrong, do condado de Santa Fé, cidadezinha do Texas, estava aqui em Chicago, com o intuito de ir à Boston. Tivemos uma conversa em um bar, e ele me contou sobre a chocante “Chacina do Rancho do Don”, como ficou conhecido o caso envolvendo as pessoas que você me pediu. Depois de três copos de cerveja, o xerife mostrou-se mais “receptivo” a uma conversa.

Ele me disse que no dia 16 de Maio de 1894, um colega de Don Watson, dono do Rancho do Don, passara ali em frente e notara o local mais quieto que o normal. Ele decidira adentrar ao rancho. O que encontrou foi um cenário devastador: muitos corpos. Todos foram abatidos a tiros. Alguns já estavam sendo devorados por coyotes e outros animais. A julgar por seu estado, deveriam ter sido mortos no dia anterior, embora nossa perícia não seja tão aplicada para precisar o horário. Dentro da casa, foi encontrado o corpo de Donald Watson, morto com um tiro no abdômen. Sua filha, Diane Watson, estava morta nos fundos da casa, com três tiros pelas costas. Mais à frente, estavam os empregados do local. Percebeu-se que houve resistência, pois parte dos empregados andava armado, mas não foram capazes de se defender. Todos do Rancho foram mortos. Nem mesmo mulheres e crianças foram poupadas.

Foram usados dois calibres diferentes: um deles, pertencente à espingardas sniper, e outro, de revólver, o que leva a crer que, no mínimo, duas pessoas realizaram o ataque.

Um fato aterrador desse caso foi a matança pura e simples, aparentemente sem motivações. Claro, há pistoleiros por todo o Oeste, e no Texas não é diferente. Foras-da-lei, que caminham por nossas estradas, saqueando bancos e ranchos, matando se necessário, mas costumeiramente levando riquezas. O grande problema é que, neste caso, nada de grande valor foi levado. Don Watson mantinha um cofre, que estava intocado quando encontramos. As jóias e roupas de sua filha, Diane, todas de valor, estavam no mesmo local. Havia também dinheiro em seu escritório. Nada foi levado. A única coisa estranha à vista foi um envelope aberto, porém sem conteúdo, lançado perto de Don Watson. Seu remetente era o Dr. John Watson. Seu pedido neste caso confirma minhas suspeitas de que ambos tenham sido parentes.

O caso tinha estarrecido o xerife, que pareceu disposto a encerrá-lo apenas com a captura dos executores, vivos ou mortos. Não estranhe o termo, Mr. Holmes, mas as coisas funcionam assim aqui na América: quando um homem executa crime tão cruel, ou mesmo os mais “comuns”, uma recompensa lhe é oferecida: maior, se entregue vivo ás autoridades, e menor se entregue seu cadáver.

Suspeitos para o crime já existem.

Um casal de forasteiros esteve no condado de Santa Fé por cerca de três meses. Um deles era um rapaz, de cerca de vinte e cinco a trinta anos, chamado Brian Manson. A mulher dele era estrangeira e se chamava Natasha Manson. Ambos se diziam interessados em comprar alguma propriedade e estavam em vias de fechar negócios com um rancheiro chamado Kleff, vizinho de Don Watson, mas no dia após o crime, o casal foi embora, sem dar explicações. Para a polícia, suas inúmeras visitas e passeios pelas propriedades de Kleff possibilitou que ambos conhecessem bem as cercanias da propriedade de Don Watson. A polícia investigou suas conexões, mas nada encontrou. Suspeita-se que as identidades sejam falsas.

As suspeitas se confirmaram quando encontramos as armas do crime. Uma carabina e um revólver calibre 38, dentro do riacho. Descobrimos, por meio do vendedor de armas no condado vizinho, que Mr. Manson andou comprando munição para estes dois calibres, o que reforçou nossas suspeitas. Também descobrimos, por testemunhas, que Mrs. Manson sabia atirar, tão bem quanto um homem.

Diante do meu interesse no caso, o xerife acabou me cedendo uma pista importante: trata-se de uma cópia de uma fotografia, que ele está utilizando para caçar os assassinos, e também para fazer o retrato-falado deles. Esta é uma fotografia tirada um mês antes do crime, em uma festa organizada na Igreja do condado. Marcadas à caneta, estão Don Watson, ao lado de sua filha, Diane Watson. No canto esquerdo, embora quase não aparentes e marcados à lápis, estão os Manson, suspeitos do assassinato.

Honestamente, Mr. Holmes, não sei se a descoberta desse crime envolvendo os dois nomes que o senhor me pediu tenha te surpreendido. De todo modo, caso tenha alguma pista que possa levar esse casal de criminosos à Justiça, vivos ou mortos, não hesite em me contatar. Se Don e Diane Watson eram mesmo parentes de seu amigo, creio que o bom doutor irá concordar comigo, quanto à importância de sua participação na investigação desse crime, que tanto deixou chocado a todos nós.

Respeitosamente,

Oscar Dunkey Kennway

Inspetor-Detetive

Polícia Metropolitana de Chicago

Quando Holmes terminou de ler e deixou a carta em um canto, encontrou Esther pálida, chocada, enquanto segurava a fotografia mencionada por Kennway.

Diante da falta de palavras dela, Holmes a chamou sutilmente.

–Esther?

Ela parecia em transe, ainda notando a fotografia, até por fim, deixar a foto cair sobre o chão, sendo imediatamente apanhada por Holmes. Seus olhos se voltaram para as figuras marcadas, e para seu estarrecimento, lá estava Diane Watson, marcada na foto, porém em uma perspectiva bem diferente da que esperava.

Na fotografia, havia a palavra "suspeita" sobre sua cabeça.

Demorou-se mais alguns instantes até que Esther falasse, em um tom nefasto.

–Há uma assassina em Baker Street.