Na Confeitaria Colonial, o burburinho dos comentários maldosos tecidos pela clientela a respeito da cena que acabara de presenciar se alastra, deixando ainda mais desconfortáveis a todos que, direta ou indiretamente, se viram envolvidos naquele momento insólito. Enquanto Laura, imóvel em meio ao salão, olha fixamente para a porta por onde Edgar deixara o local, a Sra. Freitas, envergonhada diante de tamanho escândalo, sai à francesa. Carlota a muito custo convence Constância a também se retirar, não sem antes a baronesa tentar, sem sucesso, pedir a Laura que a acompanhe até a casa dos Assunção...

Constância: Filha... vamos sair daqui... vamos para casa... é preciso que você se acalme...

Laura: Eu vou sair daqui... mas não vou para sua casa... a senhora esqueceu que não posso entrar lá? Que a senhora me renegou?

Cosntância: Laura... por favor... chega de escândalos...

Carlota: Constância... vamos... já chega de servir de comentário para os outros... as pessoas não param de olhar...

Albertinho: Mãe... vá com a tia Carlota... eu acompanho a Laura...

Constância: Está bem... (encarando Laura)mas você não vai fugir da conversa que precisamos ter... com licença

Filipa: Laura... vamos sair também... é o melhor que podemos fazer... (apoiando os ombros de Laura e a conduzindo para fora da Confeitaria, sendo seguida por Manoela, Albertinho e Joaquim)

Laura: Vamos sim.... Filipa.. eu preciso encontrar o Edgar...

Manoela: Laura... desculpa me meter.. mas... talvez seja melhor não procura-lo agora... ele está de cabeça quente...

Filipa: E você também está nervosa com tudo o que aconteceu... vocês vão acabar por ter outra discussão...

Laura: Mas ele entendeu tudo errado... preciso explicar....

Joaquim: No estado de ânimo que estava, o Edgar não vai querer te ouvir Laura... deixe-o refletir... é capaz dele mesmo vir a te procurar...

Laura: Mesmo assim... não vou conseguir ficar tranquila se não falar com ele... vou até sua casa... espero que tenha ido para lá...

Albertinho: Eu sei que nem adianta te dizer para não fazer alguma coisa... vou contigo até lá...

Laura: Não... eu vou sozinha...

Manoela: Bem... neste caso... não há nada mais que a gente possa fazer a não ser desejar que tudo fique bem...

Filipa: Sim... e se precisar... estaremos no hotel...

Laura: Obrigada... boa noite... (saindo apressada)

Filipa: Bem... Manoela... acho que é hora de irmos...

Joaquim: Eu as acompanho...

Filipa: Pois dispenso sua companhia... vamos Manoela...

Albertinho: Bem... e eu... posso acompanha-las?

Manoela: Não sei se é boa ideia...

Joaquim: Oras... vamos os quatro...e aí me contam se houve algum progresso...

Filipa: É melhor conversarmos sobre isso em outro momento... amanhã procuramos o Edgar e conversamos com ele a respeito... e... já que querem nos acompanhar... vamos...

Enquanto as advogadas e os rapazes tomam a direção do hotel onde as moças estão hospedadas e Laura segue rumo à casa do ex-marido o mais rápido que suas pernas conseguem caminhar, Edgar anda à esmo pelas ruas do centro, sem se importar com a chuva que começa novamente a cair... em sua cabeça, as palavras proferidas por Laura ecoam como estampidos de uma arma cujas balas atingiram sua alma de forma certeira... Está tão distraído em seus pensamentos que não percebe a aproximação de alguém que, ao notar seu semblante entristecido, vem lhe ofertar algo precioso nestes momentos... a amizade..

Guerra: Edgar... o que houve?

Edgar: Guerra... a Laura...

Guerra (apertando o ombro de Edgar, na tentativa de consola-lo): Vem... vamos lá para minha casa... pela sua expressão tenho certeza que precisa de um bom amigo para conversar...

O rapaz, perdido como se sente, acaba por seguir seu amigo até o anexo que Guerra ocupa como residência no Correio da República... Edgar acomoda-se sem muito cuidado no sofá já gasto e com algumas molas soltas enquanto Guerra vai a cozinha em busca de duas xícaras de café... Lá, após algum tempo permanecendo em silêncio, o advogado resolve desabafar e contar ao jornalista tudo o que se passara na Confeitaria Colonial...

Edgar: E é isso Guerra... eu ouvi claramente a Laura dizendo que prefere estar sozinha... acabou... não há mais nada que possa ser dito a não ser isso...

Guerra: Edgar... não tire conclusões precipitadas... você não sabe ao certo como começou isso tudo... só ouviu o final da discussão...

Edgar: Meu amigo... eu ouvi o suficiente para entender que a Laura não me quer... que não precisa de mim para nada... ela não quer ficar comigo...não como antes...isso é tudo... E eu... eu pensando que a gente ainda podia... (socando uma das mãos na outra)

Guerra: Edgar... eu sei o quanto isso deve ter te ferido...mas... tenta entender... ela tem passado por tanta coisa... fala com a Laura... conversa com ela... isso deve ter sido um mal-entendido... só isso...

Edgar: Tentar entender é só o que eu tenho feito...Não quero falar com ela... a gente vai acabar se machucando mais...

Guerra: Seja sensato....lembra que a última vez que você ouviu só uma parte do que a Laura estava dizendo, você entendeu que ela tinha se envolvido com outro... e que revelou-se depois que ela estava falando do teu filho...

Edgar: Talvez tenha razão...

Guerra: Claro que tenho razão...ou alguma vez te falei alguma sandice?

Edgar: Alguma? Meu amigo... você é um louco... mas vamos lá... continue

Guerra: Oras... vejo que o Dr. Vieira está voltando a seu humor habitual... Edgar... escuta o que a Laura tem a te dizer... você mesmo disse que ela ficou atônita quando percebeu que você estava lá... fora que...

Edgar: O que?

Guerra: Eu não te disse nada antes... mas.. Edgar... eu ouvi um comentário pela cidade de que a Laura só mantém o emprego no escritório do Freitas por ter se tornado amante dele..

Edgar: Como é que é? Isso é absurdo! Se ela estivesse morando comigo... nada disso estaria acontecendo... ela estaria protegida...

Guerra: Edgar...a Laura jamais aceitaria ser poupada uma situação que ela tem de enfrentar... você sabe que não conseguiria mante-la em uma redoma de vidro... de nada adiantaria...e... até onde me lembro essa personalidade forte da Laura era o que mais te encantava nela...

Edgar: Me encanta...mas isso não muda em nada o que Laura disse...

Guerra: Edgar... deixa de ser turrão!... (enquanto Edgar se levanta) Onde vai?

Edgar: Não sei... preciso tentar separar o coração e o raciocínio um pouco...

Neste ínterim, Laura chegara a casa do ex-marido... bate a porta e é recebida por Matilde

Matilde: Boa noite D. Laura

Laura: Boa Noite Matilde... o Edgar... está no escritório?

Matilde: Não senhora... ele saiu logo à tarde... e até agora não retornou...

Laura: E as crianças?

Matilde: A Melissa já está dormindo... e o Daniel o Dr. Vieira levou para Gertrudes ver...

Laura: Ah sim... eu tinha pedido para ele fazer isso... Matilde... eu vou subir para ver como está a Melissa... caso o Edgar chegue diga que preciso falar com ele...

Matilde: Sim senhora...

Laura vai ao andar superior e entra no quarto onde Melissa serenamente dorme... olha para a menina e pensa em quem poderá ser seu pai... até o momento muito pouco sabem a respeito...há algo tão familiar nela, mas não sabe identificar com quem exatamente ela se parece... enternece-se ao vê-la dormir... aproxima-se, arruma os cobertores e fazendo-lhe um afago na bochecha deixa o aposento....volta para sala e senta-se com o proposito de esperar o retorno de Edgar àquela casa.... mal sabe ela que este está indo em outra direção... rumo ao Cosme Velho...

Na rua do Ouvidor, as advogadas e os rapazes estão em frente ao hotel, onde percebe-se o desconforto que a presença de Joaquim desperta em Filipa...

Filipa: Bem... chegamos... boa noite rapazes...

Joaquim: Mas é tão cedo... poderiam jantar conosco, não Capitão Assunção Filho?

Albertinho: Com absoluta certeza....

Filipa: Não me entenda mal, Albertinho, mas depois de certos acontecimentos eu teria uma indigestão..

Manoela: Agradecemos o convite... mas o dia foi um tanto atribulado...

Albertinho: Realmente... pelo menos o final desta tarde foi bastante movimentado... desculpem-me por te-las levado à Confeitaria...

Manoela: Você não tinha como saber o que estava por vir... não se preocupe... ou melhor... preocupe-se com sua irmã e seu cunhado... sinceramente espero que consigam se entender...

Joaquim: É o que todos esperamos...

Filipa: Engraçado como certas pessoas podem ser tão falsas...

Joaquim: A quem se refere, Dra. Filipa Borges?

Filipa: Prefiro não mencionar... e se me derem licença... me retiro... Boa noite... e foi um prazer conhece-lo Albertinho...

Albertinho: O prazer foi meu...

Manoela: Também vou indo... Boa noite

Albertinho: Boa noite senhorita... espero que possamos nos encontrar mais vezes...

Assim, os rapazes após a entrada das moças no hotel, despedem-se e cada um toma seu rumo...Já na Rua do Catete, Constância e Carlota chegam ao palacete dos Assunção...

Carlota: Constância... o que será dessa família... mais um escândalo... a Laura hoje jogou a última pá de cal...

Constância: Carlota... isso logo vai ser esquecido.... aquela mulherzinha embebida em perfume ouviu o que merecia ouvir... não aprovo as atitudes de Laura... mas sei que precisava falar umas boas verdades para a Iolanda...

Carlota: Mas precisava ser bradando tudo aquilo aos quatro ventos? E mais... não consigo tirar da cabeça o rosto do Edgar ao ouvir a Laura...

Constância: Isso também me deixou intrigada! Mais ainda o que ele disse... Carlota... será que eles estavam tentando uma reaproximação?

Carlota: É possível...

Constância: Se for assim... a Laura está pondo tudo a perder... preciso falar com aquela menina... amanhã mesmo vou até a casa dela....

Assunção (entrando): Até a casa de quem?

Carlota: Da Laura...

Assunção: Imagino o porque... já estou sabendo do que se passou na Colonial.. e eu mesmo vou até a casa dela amanhã cedo...

Constância: Vou com você..

Assunção: Não! Eu vou sozinho... se ela está sendo fonte de tanta maledicência é por minha culpa... eu a estimulei a aceitar a oferta de emprego do Freitas... preciso encontrar uma forma de ajuda-la...

Constância: Mesmo assim Assunção... preciso falar com Laura...

Assunção: Constância... não seja enxerida... você sabe que Laura não gosta das suas intromissões... agora com licença...

Assunção deixa Constância e Carlota a conversarem mais algum tempo na sala e sobe para seus aposentos. Neste meio tempo, Edgar, um tanto receoso quanto à resolução tomada, chega à casa onde Laura e seu filho residem... Gertrudes o atende espantada com sua presença ali...

Gertrudes: Boa noite, Dr. Vieira...

Edgar (um tanto desconcertado): Boa noite, Gertrudes... a Laura está?

Gertrudes: Não... pensei que estivesse com o senhor... (sobressaltada) Será que aconteceu algo com minha menina?

Edgar (tentando acalma-la): Não se aflija Gertrudes... não se passou nada de grave com Laura.. imagino que logo deva chegar.... e Daniel...está dormindo?

Gertrudes: Acabou de dormir... mas me deu trabalho... dizia que queria esperar a mamãe e o papai...

Edgar: Eu vou dar uma olhada nele...

Edgar vai pé ante pé até o quarto do filho... olha o menino dormindo e uma lágrima corre por seu rosto... lembra do tom queixoso da criança ao pedir-lhe se não iria morar na casa dele como Melissa... aquilo lhe comprime o peito... a vontade manifesta do filho lhe soa como uma realidade muito distante...reflete amargamente que precisará conversar com calma com Daniel sobre isto... dizer a ele que não vão mais se ver com a mesma frequência, mas que isso não muda em nada o relacionamento deles e que mesmo vendo-se menos, ele sempre estará por perto para o que o filho precisar... acaricia os cabelos do pequeno e sai sorrateiramente do quarto, indo em direção a sala....

Edgar: Gertrudes... eu posso esperar a Laura?

Gertrudes: Fique a vontade senhor... com licença...

Enquanto Edgar espera na casa do Cosme Velho, Laura, em sua antiga residência, está preocupada.. a demora do ex-marido em retornar àquela casa lhe põe nervosa... Matilde tenta acalma-la dizendo que talvez tenha encontrado com o Sr. Guerra e perdido a hora conversando com ele... isso pode realmente ter acontecido, pondera, mas não lhe diminui em nada a tensão... pensa em seu filho, que apesar de estar sob os cuidados de Gertrudes, precisa dela....e, já cansada de esperar, mas ainda apreensiva, resolve ir até o Cosme Velho... aluga um coche e algum tempo está em frente à sua casa... Edgar ouve quando a chave é girada na fechadura da porta de entrada... põe-se de pé... Laura chegara...

Laura: Edgar! Que bom te ver aqui... estava preocupada...

Edgar: Preocupada?

Laura: Claro que sim... estava até agora te esperando...

Edgar: Laura...

Laura (começando a falar): Edgar... sobre o que ouviu...

Edgar: Eu ouvi o que precisava ouvir...

Laura: Eu não estava falando de você...

Edgar: Laura... você disse que prefere ficar sozinha... que não precisa de mim para nada... clamou aos quatro ventos seu orgulho em ser divorciada... pois bem... vou atender seu pedido... a partir de hoje não a procuro mais... o único motivo que ainda nos une de alguma forma é o Daniel...

Laura: Edgar... eu só estava me defendendo.... aquela mulher... ela me insultou... inventou uma história absurda...

Edgar: Eu sei...

Laura: Sabe?

Edgar: Antes de vir para cá... encontrei o Guerra e ele me contou...

Laura: Então você sabe porque eu falei tudo isso... eu só quero ser respeitada...pelo que eu sou...

Edgar (tentando aparentar uma tranquilidade que não tem): Você falou aquelas coisas por acreditar nelas...

Laura: Claro que acredito... mas não tem nada haver com a gente... eu não sou esse tipo de mulher... que precisa inventar que o marido tem amantes...ou sabe mais o que... para poder chamar a atenção dos outros... sei que você não se faria de cego e surdo mantendo um casamento só por comodidade ou por aparência... isso passa longe da relação que temos...

Edgar: E será que a gente está perto de que tipo de relação? Eu juro que já tentei entender... por favor... me diz...

Laura: Edgar... eu sei onde você quer chegar... e vou te reiterar isso...eu nunca disse que não ia voltar para casa... só quero que você entenda que eu mudei... que durante estes anos eu trabalhei... me sustentei sozinha..

Edgar: E eu compreendo... Laura... eu sei que você quer trabalhar... ser independente... ter vida própria... e eu nunca me opus a isso... até mesmo quando eu não concordo com o que está fazendo... eu respeito...(com os olhos marejados)

Laura: Mas eu sei que você nunca aceitaria que eu te ajudasse nas despesas, por exemplo...

Edgar: Laura...você sabe que não seria necessário... sabe... um dia ouvir alguém dizer que para um relacionamento dar certo é preciso que cada um ceda um pouco com relação a suas divergências em relação aos pensamentos e atitudes do outro... eu tenho feito isso... sempre quis que funcionasse... e você... alguma vez fez algo com essa intenção?

Laura: Edgar...o que está acontecendo... não estou gostando do rumo que isso está tomando...

Edgar: Laura... eu pensei quando reatamos, que assim que o Daniel soubesse quem eu realmente era... vocês voltariam para casa... que a gente ia viver como uma família... sabe... hoje... eu tive a certeza de que eu não sou mais importante para você...

Laura: Edgar... não fala assim... eu te adoro.... te amo...

Edgar: Você disse publicamente e com orgulho que é uma mulher divorciada...divorciada de mim... e que é assim que você quer continuar...

Laura: Não! Amor... eu quero ficar com você... Só não quero ser desrespeitada por ser divorciada...

Edgar: Laura... sou eu que quero você...

Laura: Como assim?

Edgar: Eu quero dizer que se você tivesse me dito que queria que eu viesse morar contigo eu teria vindo correndo... para ficar com você...

Laura: Edgar... eu estou com você...

Edgar: Não Laura... dessa forma... não está... eu cansei... não consigo mais continuar com essa relação, que nem sei exatamente como chamar... eu queria uma relação por inteiro... mas já que você não quer... (indo em direção à porta)

Laura: Edgar...

Edgar: Eu combino com a Gertrudes quando posso vir ver o meu filho... a minha relação com ele vai permanecer a mesma... (abrindo a porta e saindo)

Laura (correndo em direção a porta e indo até a varanda): Edgar...

Edgar segue sem olhar para trás... aos poucos perde-se pela escuridão daquela noite chuvosa... Sua resolução estava tomada... por mais que isto lhe doesse... tinha plena certeza de que era a atitude correta a tomar...

Na casa do Cosme Velho, Laura senta-se no sofá com as mãos espalmadas em seu rosto...sente em seus lábios o gosto salgado de uma lágrima furtiva... por mais que tente não consegue compreender como as coisas chegaram a este ponto...

Gertrudes, que a tudo acabara ouvindo na cozinha onde estava, entra na sala a fim do oferecer conforto a sua menina...

Laura: Gertrudes...

Gertrudes: Ai menina... eu ouvi... desculpa... mas eu ouvi...

Laura: Ele não quer mais...

Gertrudes: Laura... eu não acredito nisso... e não entendo como vocês estavam tão bem e agora estão assim...

Laura: Nem eu entendo... e isso tinha que acontecer agora... justo agora...

Gertrudes: O que tem agora menina?

Laura: Gertrudes... só hoje me dei conta... eu estou grávida...

Gertrudes: Eu já imaginava

Laura: Já?

Gertrudes: Menina.. te conheço tão bem... e como dizem...o diabo sabe mais por ser velho do que por ser diabo... e eu já sou bem velhinha..

Laura: Como eu ia te enganar, né? Gertrudes... o Daniel nasceu longe do pai... não quero que a história se repita...

Gertrudes: Ela não vai se repetir...principalmente por que imagino que dessa vez você não vai esconder isso... você vai ver.... tudo entre vocês vai se resolver...

Laura: Mas ele desistiu...

Gertrudes: Não... Laura... ele não desistiu... apenas está na hora de você ceder...