A chuva começa a cair torrencialmente no centro do Rio de Janeiro. Alguns raios riscam o céu, enquanto o som dos trovões ecoa ao longe. Ali na sala de seu amigo Guerra, Edgar olha atônito para a esposa... Por um momento parece que sua voz perdera-se em algum lugar distante.. O único pensamento que lhe toma a mente acaba por ser proferido, demonstrando a tensão que toma conta do jovem advogado...

Edgar (gaguejando): O que? De onde tirou isso?

Laura: Não adianta negar!... Você é o Antonio Ferreira!...

Edgar: Laura!... Não sei do que está falando...

Laura: Sabe sim... e sabe muito bem!... Eu já sei de tudo!...

Edgar: De tudo? De tudo o que?

Laura: Edgar... admite... é teu pseudonimo!.. Eu sei que é!..

Edgar (cruzando os braços e logo descruzando como se tivesse sido derrotado em algum intento): Ai Laura.. tá... tá certo!... É meu pseudônimo... o Antonio Ferreira sou eu...

Laura: Oh meu amor... não disse que tinha segredos seus a desvendar?

Edgar: Ah... então era sobre isso que estava falando...

Laura: Sim... Por que não me contou?

Edgar: Tinha meus motivos... Desde quando sabe?

Laura: Isso não importa...

Edgar: Importa sim!... Quero saber quando e quem te contou...

Laura: E eu quero saber por que tive de saber de outra maneira que não a mais fácil... que seria você me contar...

Edgar: Tá bom Laura... eu vou dizer... Mas primeiro me conta como soube...

Laura: Está bem!... Eu descobri por causa disso. (mostrando uma das pastas) Vi que era um esboço de artigo...escrito a punho... Lembrei na hora de uma matéria do Antonio Ferreira que havia lido há algum tempo... e nunca iria confundir tua letra...

Edgar: Como isso chegou nas tuas mãos? Estava numa caixa...

Laura (depositando as pastas na secretária do editor do jornal): Na última prateleira da estante...Como a minha de materiais da escola... A Heloisa não sabia qual a caixa... e acabou subindo com essa... Não a culpe, por favor!... Sei que não devia ter mexido nisto no momento que vi que não era a minha caixa... mas sabe que tens uma esposa curiosa...

Edgar: Tenho... Uma esposa linda e curiosa!... Seria uma boa investigadora Sra. Vieira!... De nada adiantou eu ter começado a escrever as matérias aqui na redação depois que você voltou para casa... Esqueci de trazer aquela caixa para cá...

Laura: Você é um pouco distraído... mas é um bom investigador!... Um ótimo jornalista investigativo!... Tuas matérias são excelentes, meu amor...

Edgar: Obrigado... Fiquei feliz com tudo que me disse hoje pela manhã... a não ser por um porém...

Laura: Qual?

Edgar: Você estava falando daquele homem... Estava rasgando elogios para outro!... Fiquei com ciúme...

Laura: Mas eu estava falando de você!...

Edgar: Mas eu não sabia!

Laura: Estava te provocando!... Eu sabia que e o Antonio Ferreira que tanto admiro pela coragem de expor situações que merecem ser denunciadas... que expressa opiniões baseadas em argumentos sólidos, usando as palavras certas... que tem textos que não podem deixar de ser publicados e lidos... é você!... O mesmo homem por quem sou completamente apaixonada desde que era quase uma menina... Eu amo você, Edgar Vieira!... A cada dia descubro coisas novas sobre você... Que só me fazem ter mais orgulho e te amar ainda mais... (aproximando-se dele e beijando o marido com paixão)

Edgar: Meu amor.. tão bom ouvir isso de você... (dando um beijo suave na esposa)

Laura: Tem mais uma coisa que preciso te dizer... Hoje pela manhã... quando li o último artigo que escreveu, me senti representada ali... Você retratou de certa forma o que passei...Obrigada por denunciar o que mulheres como eu sofrem a partir do momento que se divorciam...

Edgar: Eu presenciei tudo o que te aconteceu... sofri por ver o que estava passando.... enquanto eu... que era o culpado por tudo isso... estava saindo ileso...Isso não é certo! Precisava falar... denunciar esse abuso... O Edgar Vieira pode não ter tomado uma atitude... mas o Antonio Ferreira sim...

Laura: Viva ao Antonio Ferreira então! (dando outro beijo no marido) Bem... agora.. senhor advogado... ou jornalista... já não sei mais... me diga... por que não me contou?

Edgar (suspirando): Eu ia te contar... juro! Mas aí pensava que as matérias que escrevo geralmente tem um cunho investigativo... são denúncias... e muitas envolvem perigo... Tanto que uso pseudônimo para escreve-las... para preservar você... as crianças...Não iria suportar sofrer alguma retaliação por conta do que escrevo que atingisse um de vocês!... Fora que se soubessem que sou eu quem escrevo.. julgariam até que ponto vai a minha imparcialidade... afinal sou filho de um político e genro de outro...

Laura: Tem razão nisso... Sempre pensariam que estaria defendendo os interesses de um ou outro... quando não de ambos...

Edgar: Exato... fora isso... não queria te magoar...

Laura: Me magoar?

Edgar: Sim.. já que estou te contando...vou falar tudo.. Quando estava em Portugal, durante o curso de Direito, comecei a trabalhar em um jornal... e usava esse mesmo pseudônimo para escrever minhas matérias... Foi numa noite em que estava trabalhando para o jornal que conheci Catarina...

Laura: Então foi o Antonio Ferreira que te levou para os braços dela..

Edgar: Não fala assim!... Já te contei como foi isso... e já disse que não teve nenhuma importância para mim! ... (fazendo uma pausa) Laura....ainda tenho mais a falar... Por mais que eu goste da advocacia... o que me move... o que eu tenho paixão por fazer... é isso aqui!... É o jornalismo!.. Na época eu sabia que quando voltasse ao Brasil teria de abandonar essa carreira... Meu pai não aceitaria nunca!... E esse é mais um motivo para continuar a usar o pseudônimo.... Só depois de muito tempo e pela insistência do Guerra voltei a escrever... O meu dilema era esse Laura, não a Catarina... eu queria exercer essa profissão... e para isso teria de permanecer em Portugal... mas ao mesmo tempo... tinha um compromisso contigo..

Laura: E você resolveu que devia honrar seu compromisso...

Edgar: Voltei por que casar com você era muito mais importante para mim do que a profissão que tinha escolhido... Eu posso viver sem o jornalismo... mas não sem você... E falo por conhecimento de causa!... Prefiro esquecer o tempo que fiquei longe de ti...

Laura: Eu já disse hoje que te amo?

Edgar (rindo): Já... Mas eu adoro ouvir... e dizer... eu te amo (sussurrando no ouvido dela)

Edgar afaga o rosto de Laura e aproximando seus lábios aos dela... Trocam um beijo suave... aos poucos aprofundado, aumentando gradativamente as sensações de ambos... As mãos de Edgar deixam o rosto da moça e descem por suas costas, encontrando um a outra num abraço que envolve a cintura da esposa... Enquanto o casal permanece neste clima de enlevo, perto dali, no Bar Guimarães, Celinha sente-se pouco a vontade... Sabe que chamara Carlos para uma conversa no intuito de ajudar sua sobrinha, mas tinha consciência de que precisava realmente de um diálogo sincero com Guerra... Talvez não fosse o melhor lugar, afinal era um bar e àquela hora da noite os únicos clientes que ali estavam eram homens.. Mas certamente era o momento....

Guerra: E então, Celia... o que de tão urgente e particular tinha para me falar?

Celinha: Não sei nem por onde começar... mas... bem... Guerra... é sobre nós dois que quero falar... Sobre a nossa situação...

Guerra: Pensou no que te propus? Celinha... eu juro que assim que a situação financeira do jornal melhorar nós poderemos nos casar... Mas isso vai demorar um tempo...

Celinha: Eu sei... e é isso que me incomoda... essa espera!... Guerra... já não sou mais uma mocinha para ficar tanto tempo esperando para formar uma família!...

Guerra: Meu amor... eu só te peço um pouco de paciência,...

Celinha: Paciência... Para quem já esperou tanto... não custa esperar um pouco mais!.... É o que faço... passo a vida a esperar!

Guerra: Prometo que não será tanto assim...

Nisto Jonas avista o editor do jornal onde trabalha ali no bar... Estava indo em direção ao Correio da República, mas ao perceber a presença de Guerra naquele estabelecimento detém-se... Entra afoito e vai em direção ao jornalista... Seus grandes olhos negros estão ainda mais arregalados do que o costume...

Jonas: Boa noite D. Celinha!... Guerra... aconteceu algo muito sério... mas não podemos falar aqui!... Soube de uma fonte segura... mas o assunto ainda é sigiloso... Estava indo te procurar... Me acompanha por favor!...

Guerra: Jonas... eu estou acompanhado!... Não posso ir agora...

Jonas: Só uns momentos!... Preciso te contar o que descobri...

Celinha: Vai Guerra!... Eu espero você aqui...

Enquanto Guerra sai com Jonas, ficando na calçada em frente àquele local, a alguns quarteirões dali, Filipa e Joaquim conversam efusivamente... Estão no saguão do hotel que se tornara residência provisória da moça...

Joaquim: Que bom que aceitaste jantar comigo...

Filipa: Eu que agradeço por me fazer companhia!... Bom que tenha pensando em jantar aqui...

Joaquim: O que foi? Estás aborrecida?

Filipa: Não... Estou começando a preocupar-me!...Está ficando tarde... e Manoela ainda não retornou...Ainda mais com este tempo...

Joaquim: Não te preocupes!.. Logo devemos ter notícias dela.... Ela foi à casa dos Assunção pelo que me disseste...

Filipa: Sim... e estava tão nervosa com isto!... Espero que tudo tenha corrido bem...

Joaquim: Tudo deve ter dado certo!... Falando em dar certo... consegui ganho de causa daquele processo que te contei... Agora posso voltar a me dedicar a investigação... Quero ver se vou ao clube logo para saber informações do tal Rufino...

Filipa: Que bom Joaquim!... Precisamos dar andamento a isto!... O Edgar não nos cobra... mas me sinto mal por não lhe trazer nenhuma novidade sobre o assunto...

Joaquim: Logo vamos dar-lhe algum parecer sobre o caso... Bem... agora que jantamos... acho que devo ir...

Recepcionista (indo ao encontro de Filipa): Senhorita Borges... a Senhorita Medeiros lhe mandou um recado...

Filipa: Pois não?

Recepcionista: Pediu para avisa-la que o mau tempo onde está a impediu de retornar e que irá pernoitar na casa da Sra. Assunção.

Filipa: Obrigada...

Joaquim: Viu? Não há com que se preocupar... Manoela está segura...

Filipa: Não tenho tanta certeza disso...

Joaquim: Ela está na casa da possível sogra... Nada lhe vai acontecer...

Filipa: Tens razão... E Manoela não é uma menininha ingênua... sabe muito bem cuidar-se!...

Joaquim: Certamente... como você... Por sinal... já que Manoela não está.... e ainda não é tão tarde assim... poderíamos dar um passeio...

Filipa: Um passeio? Mas está chovendo!

Joaquim: Estou de automóvel meu amor!... Podemos dar uma volta pelas ruas aqui da capital.. e assim conversamos um pouco mais... e podemos...

Filipa: Joaquim...

Joaquim: O que tem de mal namorar um pouquinho, minha doce Filipa? (roubando um beijinho da moça)

Filipa (sorrindo): Está bem... mas só uma volta...

Mesmo diante da chuva, o casal embarca no automóvel do advogado que começa a andar lentamente pelas ruas do centro da capital fluminense. Já em Botafogo, a chuva começa a estiar... Após um lauto jantar oferecido pela Baronesa da Boa Vista, Manoela e Albertinho juntamente com a senhora anfitriã encontram-se na sala de estar conversando enquanto degustam um cálice de licor...

Manoela: Bem... a chuva estiou!... Talvez seja uma boa oportunidade para ir para o hotel

Constância: Manoela... já conversamos sobre isso... Hoje você dorme aqui... Já está tudo preparado...

Albertinho (rindo): Sim Manoela... e não contrarie a baronesa!... Não sabe que tipo de reprimendas pode sofrer depois!...

Constância: Engraçadinho!... Minha querida.. não leve em consideração as pilherias que meu primogênito faz... Mas deixando as gracinhas de lado... fique!... A chuva pode ter diminuído... mas não sabemos em que situação as ruas dos arredores estão... Não me faça essa desfeita!...

Manoela: Está bem D. Constância... fico... e agradeço a hospitalidade...

Constância (levantando-se): Bem... já está tarde... Vou me recolher.. Fiquem a vontade!... Boa noite

Manoela: Bem.. aproveito e também vou... Boa noite

Albertinho: Boa noite... Vou procurar algo para ler...

Constância e Manoela sobem as escadas que levam ao piso superior da casa dos Assunção e cada uma entrando em um quarto, preparam-se para dormir. Albertinho ainda no piso inferior da residência tenta distrair-se lendo um livro que encontrara jogado na secretaria do pai. Mas o pensamento de que sua namorada dormirá no quarto em frente ao dele não lhe sai da mente... Ao mesmo tempo, na redação do Correio da República, Laura e Edgar continuam com seu enlevo... Até que o rapaz lembra-se do motivo que o fez estar naquele local...

Edgar (falando entre beijos): Acho que a gente pode ir para casa...

Laura: Ótima ideia!... A gente pode continuar a nossa conversa lá...

Edgar: Sim... temos muito a discutir ainda... e um assunto da maior gravidade!...Acho que o tal sujeito não vem mais...

Laura: Que sujeito?

Edgar: O Paulo Lima.. O Guerra disse que o convidou para conhecer a redação e ele tinha aceito... Queria conhecer o Antonio Ferreira... por isso estava aqui... Mas, ou o Guerra me enganou... o que não creio... ou esse senhor desistiu do encontro... o que é uma pena!... Queria conhece-lo!... Ainda estou admirado com a última matéria que escreveu...

Laura: Bem... acho que ocorreu nem uma coisa... nem outra...

Edgar: Como assim?

Laura: O Guerra não te enganou... e o Paulo Lima não desistiu de encontrar o Antonio Ferreira...

Edgar (desconfiado): Laura... o que você está querendo me dizer?

Laura: Como eu disse... eu vim conversar com você... Edgar Vieira... ou Antonio Ferreira...Eu quero te contar algo...ou melhor... te mostrar (pegando a outra pasta que trazia consigo que havia depositado sobre a secretária de Guerra e entregando para Edgar)

Edgar (abrindo a pasta): Bem... é sua letra...

Laura: Em todos os textos...

O rapaz começa a ler os escritos da esposa... À medida que avança em sua leitura seu espanto só aumenta

Edgar: Laura... esses textos... são do Paulo Lima...

Laura: Sim...eu conheço muito bem cada frase...

Edgar: Conhece?

Laura (rindo): Sim...

Edgar: Espera aí...Laura!... Você escreveu esses textos!

Laura: Eu vim te contar... Quando o Guerra enviou o convite para conhecer a redação e conversar com ele... vi a oportunidade de finalmente esclarecer que sabia quem era o Antonio Ferreira, por isso pedi a presença... e revelar que o Paulo Lima... sou eu...

Edgar (rindo): Que maluquice! Por que escolheu um pseudônimo masculino?

Laura: Ah Edgar... você sabe como olham para as coisas que as mulheres escrevem... com desconfiança... má vontade... O Guerra mesmo.. acha que mulher só serve para escrever sobre receita de bolo ou qualquer outro assunto doméstico...

Edgar: Eu sei... Olham com desmerecimento mesmo...

Laura: Por isso escolhi um pseudônimo masculino!... Para que leiam antes de julgar...

Edgar (colocando as mãos de Laura entre as suas): Meu amor... que orgulho de você!... Tuas matérias são excelentes!...E o Guerra precisa saber disso!... Que eles são escritos por uma mulher... Vai ver... ele conhece a qualidade dos textos... Você tem de assinar como Laura Vieira!...

Laura: Eu não sei qual vai ser a reação do Guerra... tanto que pedi para tia Celinha chama-lo para revelar isso só para você, por enquanto.. Mas concordo que está na hora dele saber... O próximo artigo que tiver de entregar... vai ser em mãos!...

Edgar: Eu concordo...

Laura: É? Sabe... também gosto quando concorda comigo.. (rindo e dando outro beijo intenso no marido)

Edgar: Então concorda se formos para casa agora?

Laura: Claro...Ideia perfeita!...

O casal sai tomando o cuidado de atender as recomendações de Guerra quanto a fechar as portas do jornal. Entram no automóvel do advogado e rumam para o Bairro Laranjeiras. Enquanto isto, próximo daquele local, Celinha espera que Guerra retorne a mesa que ocupa no Bar Guimarães... Os clientes do local olham para a jovem senhora com certa insistência, fazendo com que a tia de Laura sinta-se cada vez mais constrangida no lugar... Um dos fregueses, que chegara a pouco e se sentara ao balcão, percebendo que Celinha está sozinha resolve aproximar-se

Freguês: Oras... sozinha em um bar a esta hora só pode estar procurando aventuras...

Celinha: O que?

Freguês: E sei de um lugar para onde posso lhe levar... (puxando o braço de Celinha)

Guerra acaba por ver o que se passa dentro do estabelecimento.. Adentra o recinto furiosamente se dirigindo ao rapaz que importuna sua acompanhante...

Guerra (pegando o rapaz pela gola do paletó): Isso não são modos de tratar uma dama!

Freguês: Mulher sozinha em bar!... Deve estar procurando companhia!...

Guerra: Ela não está sozinha!... Ela é minha noiva... e nós vamos nos casar em breve!...

O jornalista empurra o senhor inconveniente para fora do bar , deixando o mesmo cair numa das poças de água de se formaram com a chuva. Jonas olha para seu chefe com admiração, bem como os outros clientes do local, enquanto Celinha lhe presenteia o mais belo dos sorrisos...

Guerra: Celia... você está bem? Não devia ter te deixado aqui sozinha!... Aquele cafajeste... sujeito mais atrevido... mais...

Celinha: Você me defendeu Carlos!... (fazendo uma pausa) Guerra... aquilo que eu ouvi... que sou sua noiva e vamos nos casar.. Você disse de verdade... ou disse por dizer?

Guerra: Eu disse para ele... e digo para você agora... Chega Celia!.. Chega de indecisão!... Chega de solteirice!...Essa nossa história já tem tanto tempo!... Eu te amo Celia!... Quero me casar com você... e quero isso logo...Aceita?

Celinha (erguendo-se e estabanada derrubando café sobre a mesa): Aceito... aceito meu amor!... (dando a volta na mesa e dando um beijinho em Carlos)

Carlos: As alianças só vou poder comprar aqui há alguns dias...

Celinha: Não há problema!... Estou tão feliz... A gente precisa ver tudo....

Carlos: Eu sei meu bem... Mas já está tarde.. Vamos!... Eu te acompanho até a casa da sua irmã... (oferecendo o braço a tia de Laura) Jonas... conversamos amanhã na redação... Boa noite...

Jonas: Boa noite... e parabéns!

O casal segue pelas ruas em direção a casa de Carlota sob a garoa fina que cai com insistência na capital federal. Estão felizes... Sabem que boa parte da família da noiva não verá com bons olhos a união, mas isto não importa.. Estão juntos para enfrentar tudo o que possa acontecer...

Não muito longe dali, Joaquim volta a estacionar seu automóvel em frente ao hotel onde Filipa encontra-se hospedada... O casal permanece um tempo dentro do veículo, até a moça decidir que já é hora de despedirem-se...

Joaquim (falando entre beijos) Filipa... fica mais um pouco, vai..

Filipa: Já está tarde... é melhor eu ir.. (dando mais um beijo no advogado)

Joaquim: Meu amor... a Manoela nem está no hotel... Você vai passar a noite sozinha... podia...

Filipa: Joaquim.. eu não tenho medo de escuro.. de bicho papão..já sou crescidinha, sabe?... Vou ficar bem... não se preocupe!...

Joaquim: É... mas podia liquidar com a minha solidão!... A gente podia fazer companhia um para o outro... Te quero tanto, meu anjo... (beijando Filipa com paixão enquanto desce uma das mãos pelas costas da moça e a outra prende sua nuca emaranhando-se nos cabelos da advogada)

Filipa (soltando-se e tentando recobrar o fôlego): Amor... também te quero muito.. sabes disso!... Mas... não quero fazer algo que possa me arrepender ou que depois passe a te culpar... A gente mal começou a se entender novamente!...

Joaquim (apoiando as mãos no volante): Eu sei... e te entendo...

Filipa: Entende mesmo?

Joaquim: Entendo... E sei esperar... Se quando eramos noivos eu esperei... agora espero novamente... Mas não sei se terei paciência para aguardar muito tempo...

Filipa: Como assim?

Joaquim: A gente ficou longe por tanto tempo...Não quero correr o risco de te perder outra vez...

Filipa: Também não quero passar por isso outra vez...

Joaquim: Então... vamos ficar esperando quanto tempo mais? Eu te amo... Quero passar o resto da minha vida com você!... Vamos voltar de uma vez...

Filipa: Amor... isso já é outra história... que fica para outro dia!...Boa noite Joaquim... (dando um beijo rápido e saindo do carro)

Joaquim: Já que não há outra opção... boa noite Filipa...

Joaquim liga o motor do automóvel e parte assim que vê Filipa entrar no hotel. A jovem vai para seu quarto... Deita-se e sorri ao lembrar-se do advogado... Aos poucos estão voltando a ser o que um dia já foram... não só um casal de namorados... mais do que isto... amigos... companheiros... cúmplices... Aos poucos o que um dia ruiu por uma farsa estava sendo reconstruído...e era preciso ter cuidado uma atitude impensada poderia colocar tudo a perder outra vez ... Fizera o certo!...E com estes pensamentos a moça acaba por adormecer...

Já na Rua do Catete, a casa dos Assunção está no mais absoluto silêncio. A baronesa há algum tempo já dorme. A criadagem já se prepara para o repouso noturno esperando apenas que o filho mais velho daquela residência também vá se recolher. Albertinho por fim resolve ir para seu quarto. Sobe pé ante pé ao segundo piso. Para diante da porta de seu aposento... Antes de virar a maçaneta, um último pensamento lhe passa pela mente. Sem se deixar pensar mais, vira-se para a porta em frente... Respira profundamente e tomando coragem bate a porta do quarto de Manoela...

Manoela (abrindo a porta): Albertinho? O que foi?

Albertinho: Nada meu amor... Só queria te desejar boa noite...

Manoela: Já nos desejamos boa noite... Agora vai... alguém pode nos ver!...

Albertinho: Me deixa entrar só um pouquinho...

Manoela: Você perdeu o juízo, é? Vai... vai para teu quarto...

Albertinho: Só se me der um beijinho...

Manoela: Não!

Albertinho: Só um... de boa noite...

Manoela: Está bem (dando um selinho) Agora vai..

Albertinho: Assim não vale!... Tem que ser assim.. (puxando Manoela para si enquanto a beija com paixão)

Manoela acaba por ceder aos intentos do rapaz... Beija e deixa-se beijar pelo irmão de Laura... Albertinho aos poucos conduz a moça para dentro do quarto e um tanto atrapalhado fecha a porta...Os carinhos entre ambos começam a ficar mais intensos..Os beijos do rapaz descem por seu pescoço enquanto suas mãos desatam a faixa que prende o penhoar de cetim azul claro.... Manoela tenta resistir aos avanços do moço, mas é praticamente inútil!... Até que a porta abre-se de supetão assustando a ambos e deixando a moça completamente enrubescida... Desatinada, Manoela tenta recompor-se como pode e diante de tudo fica totalmente muda...

Dr. Assunção: Mas o que é está acontecendo aqui? Que pouca vergonha é essa?

Albertinho (soltando a moça): Pai?

Dr. Assunção: Alberto Assunção Filho! Pode me explicar o que está fazendo no quarto da sua irmã com uma moça? Ou melhor... não precisa explicar nada... eu mesmo vi!... Não tens vergonha? Achei que os anos de exército tivessem posto um pouco de juízo nesta sua cabeça!... Mas pelo jeito voltaste pior do que foste!...Agora não respeita mais nem a casa de teus pais, seu moleque atrevido!

Albertinho: Eu posso explicar...

Constância (entrando): Mas o que houve aqui? Que gritos são esses? Assunção? Como está aqui?

Assunção: Eu chego em casa após uma viagem cansativa de dias... quase não passo em um atoleiro na rua de cima... e quando chego em minha residência me deparo com isto! Vi a luz no quarto de Laura...

Constância: Albertinho! Convidei sua namorada para pernoitar aqui pelo mau tempo..Manoela... me pareceste uma moça educada... de família... digna de nossa estirpe.. e agora aprontam isto! Como ousam desrespeitar esta casa?

Manoela: D. Constância... não sei nem o que dizer... Me perdoe...

Albertinho: Não culpem a Manoela!... Fui eu quem provoquei tudo isto!...Não devia ter feito! Não há de acontecer mais...

Manoela: Mas isso com certeza!... Nunca mais ponho os pés nesta casa!... Estou morrendo de vergonha...

Dr. Assunção: Não fique dessa maneira, moça.. pelo que vejo não tens tanta culpa do que aconteceu... mas não estou a eximindo completamente, entendeu? Por hora é tarde... Alberto vá para seu quarto e mantenha-se longe deste aposento... estarei de olho em você! Amanhã teremos uma conversa séria... os três! Boa noite

Dr. Assunção sai daquele quarto ainda irritado diante da situação, enquanto Constância aparenta desagrado, mas interiormente está aos risos pelo flagrante que seu marido dera no casal. Albertinho vai para seu aposento consternado pensando em como vai reparar o dano causado à imagem da advogada perante seus pais enquanto Manoela após ficar sozinha naquele cômodo se põe a chorar nervosamente diante do que acontecera... E, mesmo com os ânimos ainda exaltados, aquela casa volta ao silêncio...

Ao mesmo tempo que na casa paterna ocorrera o inusitado, Laura e Edgar chegam a sua residência. Adentram o vestíbulo aos beijos e mesmo com a insistência de Edgar para subirem logo para o quarto do casal, a moça resolve frear os ímpetos do rapaz...

Laura: Amor... calma... A gente tem a noite toda...

Edgar (abraçando a esposa por trás e mordendo sua orelha): Eu sei... mas tenho muito por fazer essa noite... Estou morrendo de saudade de você...

Laura: Edgar... Só que eu tenho ainda curiosidade sobre o Antonio Ferreira...

Edgar: Amanhã te elucido todas as dúvidas...

Laura: Mas não vou conseguir dormir se não souber isso...

Edgar (soltando um pouco a esposa): Está bem... o que quer saber?

Laura: Amor... naquela matéria sobre a Revolta da Chibata... quem foi teu informante? Você a escreveu com tanta verdade que parecia que realmente esteve dentro das instalações e dos navios da Marinha...

Edgar: Bem... tive informantes dentro da Marinha sim... Mas eu realmente fui a ilha das Cobras e estive em uma canhoneira...

Laura: Ah é? Como conseguiu?

Edgar: Me infiltrei... Um cliente meu que é oficial conseguiu um uniforme para mim... Lembra-se de uma noite que não fiquei com vocês quando estavam no Cosme Velho? Na madrugada sai com este meu cliente para investigar e depois escrever a matéria....Satisfeita a curiosidade?

Laura: Em parte... Agora faz sentido...

Edgar: O que?

Laura: Quando fui arrumar as coisas do Daniel no quarto dele, encontrei uma caixa com uma farda de oficial da Marinha em uma das gavetas... Não sabe o quanto pensei sobre o que ela fazia ali...

Edgar: Eu devia te-la devolvido... Para variar esqueci!... Amanhã mesmo entrego para o Villas-Boas...

Laura: Amanhã?

Edgar: É... o que foi?

Laura: Nada... nada não...

Edgar: Fala...

Laura: Ah... é que eu queria te ver usando essa farda... Você deve ter ficado tão bonito...

Edgar: Laura...

Laura: Ah.. veste para mim!... Só um pouquinho...

Edgar: Está bem... Espera aqui!... Vou vestir e volto para você ver...

O advogado sobe até o segundo piso da casa e entrando com cuidado no quarto do filho, abre a gaveta da cômoda e retira a caixa com o uniforme. Vai até seu quarto e começa a trocar suas vestes. Na sala, Laura aguarda impaciente. Passa-se alguns minutos que para uma moça ansiosa mais parecem horas. Já não aguentando mais a espera sobe as escadas em busca de Edgar... Para junto a soleira da porta, observando o marido, que no momento começa a abotoar o uniforme azul marinho...

Laura: Nossa... mas isso não é um capitão... é um oficial-general!... (fechando a porta atrás de si)

Edgar: Laura... eu já ia descer...

Laura (pegando o quepe e colocando na sua cabeça): Quietinho... que quem dá as ordens aqui sou eu!....

Edgar (entrando na brincadeira que Laura começou): Olha... que eu sou um oficial-general!...

Laura: Sim... Mas sou sua almirante!... E ordeno que não saia desta cabine até o alvorecer!... Nossa tripulação está dormindo... e temos um assunto... (dando um beijo leve em Edgar)

Edgar (batendo continência): Sim senhora! Um assunto...deve ser importantíssimo!... (envolvendo a cintura da moça)

Laura: Sim... meu oficial... muito sigiloso!... Precisamos planejar estratégias para nossa próxima missão (dando um beijo intenso no marido)

Edgar: Certo... acho que podemos atacar nosso inimigo assim... dessa forma... (puxando a moça mais para si e beijando seu pescoço)

Laura: É uma boa tática!... Podemos utilizar também este contra golpe (mordendo o lóbulo da orelha do rapaz, o que faz percorrer um arrepio pelo corpo do advogado)

Edgar: Acho que isto é um golpe já esperado... Precisamos estudar novas formas de ataque!... (retirando o paletó enquanto Laura afrouxa a gravata e retira a peça também)

Laura: Concordo oficial!... Acho que podemos discutir melhor em outro âmbito dessa cabine... (andando abraçada a Edgar em direção a cama)

Edgar (derrubando com cuidado a esposa na cama): Com esse golpe a almirante irá derrotar seus inimigos...

Laura: Sim...vejo que tem bons estratagemas, oficial Vieira!... Agora venha me ensinar qual sua melhor estratégia de Guerra...

Edgar: Acho que tenho muito a mostrar-lhe... minha almirante...(indo de encontro a Laura e beijando-a com ardor)

Aos poucos aquele quarto ganha os contornos da batalha travada pelos amantes. Peças de roupa vão sendo lançadas ao chão, expondo os corpos para todas as sensações que cada toque desperta... Rindo a cada nova aventura particular daquela brincadeira tão íntima, amam-se até a união completa de corpos e mentes e a plenitude de um e outro. Já saciados, sem palavras mais, as bocas se procuram para um último beijo, que decreta o início de uma madrugada em que o sono será tranquilo. Dormem aconchegados, desfrutando do senso de proteção que um passa ao outro. Ali não há lugar para as preocupações e contendas do dia que está por vir... e que certamente não serão poucas...