O sol já vai alto no horizonte daquele dia ameno de outono... Em seu escritório, entre um gole e outro de café enquanto revisa a crítica de arte escrita por um de seus jornalistas, Guerra aguarda por Paulo Lima... Apenas Edgar conversara com ele... e fora tão evasivo quanto ao encontro, que agora está assim... ansioso e com tamanha curiosidade em conhece-lo!... Nisto percebe que Edgar chegara, mas estranha a presença de Laura junto a ele...
Edgar (batendo à porta do escritório e abrindo uma fresta): Bom dia
Guerra: Bom dia... Sempre pontual, Edgar!... Entre... Laura... como vai?
Laura: Bem, obrigada
Guerra: Resolveu também conhecer o Paulo Lima?
Edgar: Na verdade... a Laura já o conhece...
Guerra: Hum... então o único que não o conhece sou eu...
Laura: Guerra... eu trouxe a matéria sobre o desvio de dinheiro público para você...(entregando uma pasta a Guerra)
Guerra: Você? Não entendo...
Laura: Fui eu quem escrevi... O Paulo Lima... sou eu...
Guerra (surpreso e um tanto incrédulo): Laura... mas por que não me disse antes? Seus textos são muito bons...
Edgar: Eu não disse que ele ia reconhecer a qualidade da sua escrita?
Laura: Obrigada Guerra!... Mas... além de reconhecer... você publicaria os textos assinados por Laura Vieira?
Guerra (vendo onde esta conversa pretende chegar): Sentem-se... Veja bem Laura... não é comum que uma mulher escreva sobre questões sociais tão contundentes...
Laura: Sim...mas não sou a primeira...
Guerra: Eu sei... mas é diferente... Os casos que conheço... geralmente são mulheres casadas com escritores... E dizem que estas tem a ajuda dos maridos...
Laura: Está dizendo que acha que foi o Edgar que escreveu os textos?
Edgar: Guerra... não estou te reconhecendo!... Laura tem capacidade de produzir textos muito melhores que os meus!
Laura: Sabe por que escolhi um pseudônimo masculino? Justamente por isso!... Para que lessem meus textos antes de julgar..
Guerra: Eu entendo... o Paulo Lima é um jornalista excelente...
Edgar: A Laura...
Guerra (constrangido): Eu não sei o que dizer... Vocês são meus amigos... Na verdade, seria um risco muito grande para o jornal divulgar agora que o Paulo Lima é uma mulher... Os leitores vão estranhar...
Laura: Mas eles conhecem... gostam dos meus textos...
Guerra: Não Laura... Eles conhecem e gostam dos textos do Paulo Lima!...Laura... pela primeira vez esse jornal começou a dar lucro...
Edgar: Mas e o que isso tem a ver com a Laura assinar as matérias dela?
Guerra: Edgar... quando os leitores souberem que é uma jornalista, invés de um jornalista assinando... isso pode comprometer a credibilidade de matéria por melhor que ela seja...
Laura: E você vai compactuar com isso?... O meu texto é do Paulo Lima... mas se for assinado por um homem tem mais valor? Se for por mim não tem valor algum? O mesmo texto... com a mesma qualidade?
Guerra: Desculpa...Laura... Desculpa... Mas no momento o que posso fazer é continuar a publicar o texto do Paulo Lima... Ainda mais nesse caso... a matéria envolve teu sogro...
Edgar: Essa matéria nem como Paulo Lima iria ser publicada... há outro pseudônimo..
Guerra: Ótimo... mas mesmo assim... reitero o que disse... Pela credibilidade.. só posso publicar se continuar assinando com pseudônimo masculino
Laura: O Paulo Lima não existe... ele morreu!.. Se quiser publicar essa matéria e talvez outras... vai ter de aceitar que sejam assinadas por quem realmente escreveu...por Laura Vieira...
Laura levanta-se e pegando a pasta que entregara retira-se pisando duramente no chão... Edgar levanta-se e olha com reprovação para o editor do Correio da República, seguindo o mesmo rumo da esposa, deixando Guerra consternado diante do acontecido.

Enquanto isto, não muito longe dali, Joaquim anda apressado em direção ao fórum... Logo a audiência de mais um de seus processos irá começar... Concentrado pensa na defesa que terá de fazer e nos fatos que terá de expor... Dobrando a esquina, Albertinho avista o amigo e vem em sua direção para cumprimenta-lo
Albertinho: Bom dia!
Joaquim: Bom dia Alberto! Como vai?
Albertinho: Bem obrigado
Joaquim: Manoela entregou o documento?
Albertinho: Sim... e não sei como agradecer-lhe.... Consegui resolver aquela pendência que te falei há uns dias...
Joaquim: Mas eu sei como! Faz tempo que não jogamos foot-boll...
Albertinho: Claro... podemos jogar sim!... Se não tiver nenhum compromisso... amanhã faremos uma partida lá no clube... sócios contra visitantes...
Joaquim: Quem vai?
Albertinho: Os de sempre...
Joaquim: Bem... então está combinado... amanhã... no Federal Sport Club... (olhando o relógio) Albertinho... desculpa... mas eu estou atrasado... Tenho uma audiência...
Albertinho: Certo! E te espero hoje à noite...
Enquanto isto, longe dali, na tecelagem Vieira, enquanto os teares trabalham em sua força motriz máxima, no escritório, Filipa tenta em vão refazer os cálculos... Aquelas folhas de pagamentos foram vistas e revistas... Somadas e ressomadas... e nada!... O valor é discrepante....
Manoela: Filipa.. não te martirizes assim!...
Filipa: Como não, se não encontro o erro destes números? O valor do pagamento dos funcionários não bate.!.. O valor das folhas deste mês é muito menor que o valor lançado nos meses anteriores... e não houve corte de empregados... pelo contrário..
Manoela: Filipa.... e o que o Fernando e o Sr. Bonifácio retiravam como sócios? Deve haver algum registro disso...
Filipa (pensando um pouco): Tem razão... Lembro-me que o Edgar disse que logo que voltou de Portugal viu que o pai retirava dinheiro da fábrica sem controle algum e que ele estabeleceu registros das retiradas.. uma mensal como uma folha de pagamento... e recibos se fosse necessário mais durante o mês....Vou ter de buscar no arquivo... (indo em direção a porta)
Manoela: Certo... depois preciso de sua ajuda aqui... Tem algo que está me deixando intrigada na relação de despesas...
Filipa sai da sala e anda pelos corredores largos que dão acesso aos outros departamentos da tecelagem, deixando Manoela com suas desconfianças a respeito dos papéis que tem em mãos... Enquanto isto, no bairro de Laranjeiras, o casal Vieira volta para casa...
Laura (entrando): Eu já esperava por isso..
Edgar: Laura... não dava para imaginar que o Guerra reagiria assim... Não faz sentido!... Ele sempre foi progressista....
Laura: No que diz respeito a política... injustiças sociais... mas quando é para mudar algo difícil.. que é a forma de pensar... não é progressista coisa alguma!... Aí.. a cabeça dele é igual a de um senhor de engenho!...
Edgar: Eu estou surpreso... não esperava essa atitude dele..
Laura: Eu não estou surpresa... Estou decepcionada!...
Edgar: Eu imaginava que os pensamentos do Guerra quanto à igualdade valiam também para as mulheres...
Laura: Não valem! Para ele, as mulheres podem escrever sobre religião e culinária... mas sobre o que acontece ao seu redor... não...
Edgar: Está tudo errado...
Laura (alterada): Claro que está! Apesar dessas coisas influírem nas nossas vidas... nós não temos direito de opinar...não podemos escolher... participar... A gente não pode!... Foi o que o Guerra me disse: que eu não posso...
Edgar: Isso vai mudar... tem que mudar...
Laura: Amanhã de manhã vou oferecer essa matéria em outros jornais... Só não faço isso agora por ter de me preparar para ir a escola..
Edgar: Meu amor... te acalma... Lembra que você está grávida....
Laura: Eu sei... mas não tem como ficar tranquila diante de tanto desrespeito!... Não só comigo... mas com todas as mulheres...
Edgar: Meu bem...isso vai se resolver... O Guerra ainda há de pensar...
Laura: Vamos ver... mas enquanto ele não faz nada a respeito... eu vou agir... E por agora... vou ver as crianças... Com licença...
A professora sobe e vai ao quarto das crianças, enquanto após pensar algum tempo recostado em uma das poltronas da sala, Edgar vai ao seu escritório resolver alguns de seus assuntos profissionais...

Longe dali, na Rua do Catete, a mansão dos Assunção tem um dia agitado... Constância anda de um lado a outro, tendo Luzia como um cão fiel a seu lado..
Constância: Mande lustrar todos os talheres... Limpe as porcelanas e os cristais... Tudo tem de estar na mais perfeita ordem!...
Luzia: Sim senhora!..
Assunção (descendo): Constância... pare com isso!... É apenas um jantar de noivado... apenas para nossa família...
Constância: Luzia... vá para cozinha... logo passarei as ordens para a cozinheira... (virando-se) Assunção, meu caro... mesmo que seja apenas para nossa família... é o noivado de nosso filho... Do filho de um senador... Deveria ser um jantar para toda sociedade saber que Alberto Assunção Filho subirá brevemente ao altar!
Assunção: Se é filho de um senador ou de um ex-escravo não importa... Sei que a ocasião é importante.. mas não há motivo para tanto alarido... e tanta ostentação...
Constância: Meu amor... por favor... De festas eu entendo... Deixe fazer com que todos tenham a melhor das impressões deste jantar...
Assunção: Está bem... não falo mais... E tenho que dar a mão à palmatória!... Ninguém no Rio de Janeiro organiza festas melhores que as suas!... Vou para o Senado...Espero que este jantar não se estenda por muito tempo... Amanhã acordo cedo... Eu devia estar na fazenda... cuidando da plantação de cana... mas adiei pela ocasião...
Constância: Não fale isso... Que desagradável!... A festa nem começou e você já está reclamando... Francamente Dr. Assunção!...
Assunção: Não estou reclamando... Com licença...
Já na Confeitaria Colonial, Guerra após algum tempo da saída do casal Vieira do Correio da República encontra Celinha... Conversa com a noiva, mas está completamente distraído..
Celinha: E tudo está pronto... Constância me disse que não serão muitas pessoas...mas em se tratando dela... e do noivado do filho... Você não acha? (percebendo que o noivo está com o pensamento distante) Carlos? Carlos... estou falando com você!
Guerra: Ah... sim... desculpe meu amor... o que dizia?
Celinha: Falava da festa de noivado de Albertinho... Está acontecendo alguma coisa?
Guerra: Não... quer dizer... sim... Acho que você pode saber disso...
Celinha: Do que?
Guerra: Hoje conheci o Paulo Lima...
Celinha: O jornalista?
Guerra: Aí que está.. não é o... é a jornalista!... Paulo Lima é o pseudônimo de uma mulher...
Celinha: Uma mulher?
Guerra: E mais... você não imagina quem é a mulher.!.. É sua sobrinha!... A Laura... é o Paulo Lima...
Celinha: Não acredito! Minha Laurinha é quem escreve aqueles artigos maravilhosos!
Guerra: Fale mais baixo! É ela sim... O problema é que agora ela quer assinar as matérias com o nome verdadeiro
Celinha: Isso é incrível! O nome da Laura no jornal... e não por algum escândalo...
Guerra: O problema é esse... Eu não posso usar artigos assinados por uma mulher em assuntos de interesse masculino...
Celinha: Não estou entendendo... Você acha que os assuntos que o Paulo Lima expõe não são também de interesse feminino? Eu li todos os artigos!
Guerra: Não é isso... é que os leitores podem não gostar...
Celinha: Carlos...não estou crendo no que está me dizendo!.. Está sendo preconceituoso... machista... não pensei que fosse assim!... E quer saber o que mais... perdi o apetite... Passar bem (levantando-se)
Guerra: Celia!
Celinha mesmo quase indo ao chão por pisar na barra do vestido sai a passos firmes do local... Não era apenas o fato de ser sua sobrinha... o que lhe incomodava era a discriminação às mulheres... Não acreditava ainda que o noivo tinha a visão de que elas deveriam apenas interessar-se por prendas domésticas... que assuntos relevantes sobre o Brasil e o mundo não podiam ser entendidos, apreciados ou discutidos por mulheres...Muito menos ter a opinião sobre eles escritos por uma... Atravessa a rua e depara-se com uma cena que nunca esperaria ver... Fernando sendo conduzido por dois guardas em direção à delegacia...
O rapaz segue altivo e mudo pelas ruas do centro... Chega ao destino... Adentra a construção e é conduzido até a sala do delegado, onde Praxedes, sentado a sua secretária, já o aguardava junto ao escrivão de polícia...
Praxedes: Que bom que não precisamos usar de força para traze-lo até aqui...
Fernando: O que querem de mim? Aviso que sei meus direitos... e que se quiser posso permanecer calado e apenas falar em juízo
Praxedes: São apenas alguns esclarecimentos... Sente-se
Fernando: Vamos com isto... Senhor Delegado... o que quer saber?
Praxedes: Bem, Sr. Vieira.. em primeiro lugar... de onde conhece Sebastião Alves?
Fernando: Sebastião Alves? Desculpe.. mas não conheço ninguém com este nome...
Praxedes: Ah sim... o senhor deve conhece-lo como Caniço... Volto a perguntar... de onde conhece o Caniço?
Fernando: Eu não tenho relação com este tipo de gente...
Praxedes: Como sabe que espécie de individuo é se não tem relação com o meliante?
Fernando: Pela fama na cidade... Caniço é um larápio segundo me consta...
Praxedes: Pois este larápio lhe acusa de ter intermediado a contratação de um serviço prestado para a então sua noiva, Catarina Ribeiro, Sr. Fernando... E temos depoimentos de que o senhor estava presente no encontro do meliante com a foragida
Fernando: Sr. Delegado... mesmo que eu tenha passado o contato de Caniço para Catarina... isto não quer dizer que esteja envolvido...
Praxedes: Então o senhor confirma...
Fernando: Confirmo que realmente conheço o meliante... e que, a pedido de Catarina, o levei a seu encontro... nada mais que isso...
Praxedes: Tem certeza?... O depoimento que tenho é de que o senhor participou de toda a negociação... Sabia perfeitamente que o meliante foi contratado para dar fim à escola localizada no Morro da Providência, escola esta pertencente a uma sociedade em que sua cunhada faz parte...
Fernando: Não tenho nada a declarar a respeito...
Praxedes: E não só dar fim a construção... Dar cabo da vida de D. Laura Vieira... e de seu sobrinho... O senhor sabe que pode ser enquadrado como cúmplice...
Fernando: Não... nunca concordaria com algo assim!... Sr. Delegado... eu apresentei sim Caniço a Catarina... Sabia dos planos dela em incendiar a escola... mas não sabia que sua intenção era por meio deste incêndio provocar a morte de Laura e de Daniel... Posso ter minhas diferenças com meu irmão... mas não a ponto de querer matar duas pessoas inocentes...
Praxedes: E o que motivou sua noiva a praticar tal ato?
Fernando: Despeito... Ciúme... não sei ao certo... Só posso dizer que isso tem fundo passional...Ela vê em Laura uma ameaça a seus planos... Sempre soube disso... Sempre pensei que seus planos incluíam apenas o dinheiro de meu irmão... mas com o ocorrido percebi que não era só isso... E me afastei...
Praxedes: E onde está sua noiva agora?
Fernando: Como lhe disse... me afastei... Não tenho ideia de onde está...
Praxedes: Sr. Fernando... com o que acaba de depor, o senhor responderá por incêndio de patrimônio de particular e tentativa de homicídio...
Fernando: Mas não fui eu quem mandou fazer isso!...
Praxedes: Mas sabia das intenções do mandante e nada fez para impedir... O senhor é cúmplice!... (olhando para o policial ao lado) Guarda.... mostre para o Sr. Fernando a cela
Fernando: Cela? Espere... o senhor me disse que eram apenas esclarecimentos...
Praxedes: Depois do que falou... Acha mesmo que o senhor poderia sair daqui como entrou?
Fernando: Eu tenho direito a um advogado!
Praxedes: Tem.. o senhor pode chama-lo.. Mas vai para a cela enquanto espera...
O guarda volta a algemar o irmão de Edgar e aos empurrões o conduz ao cárcere... Ao ser jogado para dentro, depois de ter suas mãos soltas, olha ao redor e vê vários homens que o encaram... Segura-se nas barras de ferro apoiando as têmporas... Pensa no que está se passando...Talvez não devesse ter deposto e falado apenas em juízo... Mas o que estava feito, estava feito....Devia ter pensado nas consequências do ato de Catarina... Ela sempre conseguira persuadi-lo a agir motivado pela inveja que sempre sentira por Edgar... E agora, teria de arcar por algo que nunca teve a intenção de fazer...
O tempo passa...A tarde inicia-se com sol forte... No morro da Providência as crianças começam a chegar na escola acompanhadas por seus pais... À medida que entram são recebidas por Laura e logo vão tomando assento naquela sala ampla e decorada com cartazes de alfabetização... A algazarra e as risadas infantis ecoam pelo prédio... O horário de início da aula chega... Laura dirige-se ao quadro negro e começa a escrever...
Laura (virando-se): Eu vou contar uma história... mas antes eu quero saber de vocês... o que vocês mais gostam de fazer?
As crianças começam a se manifestar.. Um diz que gosta de soltar pipa... outro que gosta de bolinhas de gude... as meninas de brincadeiras de roda...
Laura: Bem... hoje vocês vão começar a conhecer algo novo... que eu espero que gostem tanto quanto gostam de suas brincadeiras preferidas!... A partir de hoje... a professora Sandra e eu vamos começar a ensinar vocês a escrever, fazer contas.... e ler... E com a leitura vocês podem sonhar... viajar.. soltar a imaginação... E eu quero que isso seja divertido... tanto quanto jogar cinco marias ou soltar pipa...
Laura com isto inicia sua história, ganhando ainda nas primeiras palavras toda a atenção de seus alunos... Já na tecelagem, Filipa e Manoela voltam aos seus papéis, a tarde passa, mas finalmente parte dos problemas são solucionados...
Filipa: Manoela... parabéns!
Manoela: O que foi?
Filipa: Tinha razão... o valor corresponde ao que o Sr. Bonifácio retirou no mês passado...
Manoela: Menos mal...
Filipa: Mas é estranho... Apesar de ser uma retirada expressiva... foi menor que as retiradas anteriores... Olha só (mostrando os papéis para a amiga)
Manoela: E essas retiradas fora de época.... O que tanto o Sr. Bonifácio faz com todo esse dinheiro? E que pelo jeito não faz mais... Esse mês não houve retirada alguma...
Filipa: Será por que agora quem controla o dinheiro sou eu?
Manoela: Se ele precisasse ele teria retirado de qualquer forma... Ele é um dos sócios, proprietário.. Pode dispor dos lucros da fábrica sempre que quiser...
Filipa: Tem razão
Manoela: Bem.. e o que me diz disso aqui? Nas despesas sempre há uma máquina com defeito... Olha isto!... Há consertos de tear todos os meses... e num valor alto... Não sei quanto custa para consertar.. mas enfim...
Filipa: É realmente estranho... até por que, segundo me consta, todo o maquinário foi trocado há menos de um ano!... Estamos pagando um empréstimo ao banco justamente por isso.. Desde quando constam esses consertos no livro?
Manoela: Durante todo esse ano.... e no anterior... preciso ver como estava antes...
Filipa: Concordo... mas vejamos isso amanhã... Agora vamos... Tens que te preparar para tua festa de noivado... Bem da verdade... nem sei por que vieste trabalhar hoje...
Manoela: Vim para me distrair... Se tivesse ficado no hotel... a estas horas já não teria mais unhas... Antes de irmos prefiro buscar os livros no arquivo e deixa-los aqui... Não sei por que... mas acho que iremos encontrar algo muito errado neles...
Filipa: Também tenho essa impressão... Te ajudo a traze-los...
As moças vão até o arquivo e logo voltam com os livros, deixando o local em seguida... Enquanto isto, Laura e Melissa chegam a sua residência após um dia proveitoso mas cansativo...
Laura: E então, mocinha? O que achou?
Melissa: Achei supimpa tia Laura!.. Não vejo a hora de amanhã ir de novo...
Laura: Que bom, meu anjo... Agora sobe... A Gertrudes deve estar com o Daniel... Logo eu subo e ajudo vocês dois com o banho...
Edgar (vindo do escritório e dando um beijo leve na esposa): Meu amor... como foi?
Laura: Bem! Ah Edgar... não sabe como sentia falta disso!... Ver os olhinhos curiosos das crianças... e a carinha delas a cada nova descoberta... Não há dinheiro no mundo que compense a satisfação de saber que você está ajudando para que elas tenham um futuro melhor...
Edgar: Eu imagino... o que vocês estão fazendo na escola é lindo...
Laura: Lindo mas cansativo!... Não vejo a hora de tomar um banho..
Edgar: Tente relaxar... Lembre que ainda temos de ir à casa do seu pai...
Laura: Sim... O que não faço por Albertinho?... Só por ele eu saio de casa novamente hoje..
Edgar: Se não quiser... podemos ficar em casa... Também não estou muito disposto a sair... Tive um dia cansativo também... Estou montando uma defesa um tanto difícil para um caso... Só me distrai um pouco jogando foot-ball com o Daniel no quintal por um tempo... E olha... lá no jantar vamos encontrar com tua mãe... com meu irmão...
Laura: E com o Guerra... ai Edgar... só de pensar nisto... nas coisas que me disse hoje pela manhã... Mas a gente não pode fazer essa desfeita para o meu irmão e para a Manoela...
Edgar: Tem razão, meu amor... vem... vamos descansar um pouco... Ainda é cedo para sairmos...
O casal sobe as escadas..Dá uma passada rápida pelo quarto onde estão as crianças e observa o entusiamo de Melissa ao contar seu dia na escola para Gertrudes... Daniel, amuado, permanece brincando com seus carrinhos... A professora percebe que o filho não se sente a vontade com aquilo, entra e tenta fazer com que sinta-se melhor..Pede como foi seu dia e brinca um pouco com seu pequeno.. Enquanto isto, Edgar resolve ajudar Melissa com seu banho... Em seguida, Laura passa ordens para Gertrudes banhar também o menino e providenciar o jantar das crianças já que apenas ela e o marido irão ao jantar de noivado... Sai do quarto e logo vai ao seu, recostando-se na cama uns momentos e pensando em uma solução em relação a Daniel ir à escola..

Já no Correio da República, Guerra termina de redigir seu editorial... Pensa no que fazer com relação a Paulo Lima..Laura Vieira... Está tão confuso... Só sabe que dá maneira como aquela conversa fora encerrada pela manhã naquela mesma sala, poderá não só perder um de seus melhores jornalistas, como também a amizade de tantos anos de Edgar.. Quando finalmente toma uma decisão, batem a porta..
Jonas: Guerra! Guerra! Não sabe o que acabo de descobrir.!.
Guerra: Não sei mesmo... diga
Jonas: Fernando Vieira foi preso... Acusado como cúmplice do incêndio lá na escola do Morro da Providência... Precisamos publicar isso!..
Guerra: Eu sei... mas antes disso... preciso conversar com o irmão dele... Se antes tinha motivos para falar com Edgar.. agora tenho mais ainda para procura-lo...
Enquanto Guerra toma seu casaco e sai às pressas em direção ao Bairro de Laranjeiras, na delegacia, Fernando, sentado no chão daquela cela fria dividida com toda espécie de marginais, olha para o nada quando o guarda vem busca-lo, sendo levado novamente até a sala do delegado, onde seu advogado o espera...
Fernando: Já não era sem tempo... Humberto... tire-me daqui!
Humberto: Primeiro... boa tarde... segundo... as coisas não são tão simples assim..
Fernando: Como não? Eu não fiz nada! Só pus Catarina em contato com aquele desgraçado
Humberto: Eu sei... mas da forma como depôs, você tornou-se cúmplice dela... Fernando! Você não devia ter dito nada sem minha presença... ou melhor... devia ter falado apenas em juízo...
Fernando: Agora não tem volta... o que podemos fazer?
Humberto: Eu vou entrar com um pedido de Habeas Corpus para que responda o processo em liberdade... mas pela hora.. só consigo entregar isso no fórum amanhã... Vais ter de passar a noite aqui..
Fernando: O que? Eu não quero ficar mais nem um minuto naquela pocilga!
Humberto: Sinto muito!... Mas não há mais nada que possa ser feito... Agora deixe-me ir... Vou tentar entrar com o pedido ainda hoje... mas não te prometo conseguir...
Fernando: Faça o impossível se for necessário... mas me tire deste lugar!
A noite cai.. Na casa da Rua do Catete, já há alguma movimentação... Os convidados começam a chegar... A casa, finamente decorada com lindos vasos de gardênias brancas e azuis, peônias e rosas, aos poucos ganha o burburinho dos convivas... Enquanto a noiva, vestida com um lindo vestido de seda rosa bordado, acompanhada por Filipa, espera o momento de descer no quarto que um dia fora de Laura, junto a porta, Constância e Assunção recepcionam os convidados...
Constância: Minhas caras irmãs... entrem... fiquem a vontade...
Carlota: Obrigada
Assunção: E Carlos Guerra, onde está?
Celinha: Ele deve vir logo mais... Acredito que tenha uma notícia de última hora a publicar... O irmão de Edgar foi preso como cúmplice no incêndio que vitimou a Laura...
Assunção: O Fernando? Edgar que me perdoe... mas sempre tive minhas dúvidas quanto a índole do irmão!... E se quase matou minha filha e meu neto... que o peso da lei caia sobre ele...
Constância: Ele tem de mofar na cadeia! Aquele rapaz nunca prestou..
Carlota: D. Margarida deve estar morta de vergonha...
Assunção: E como não ficar vendo o filho meter-se em algo assim... Só peço que não teçam comentários a respeito.. Edgar e Laura devem logo estar aqui... Não quero que nosso genro sinta-se constrangido..
Constância: Pela primeira vez concordo contigo... Ainda bem que este jantar será apenas para nossa família e amigos íntimos... A notícia deve estar correndo por toda a sociedade carioca.... Não teríamos como controlar a sanha das aves de rapina que compõem nossa elite...
A chegada dos convivas permanece na casa dos Assunção... Lá, naquela noite, tudo é alegria... Constância e Assunção são apenas sorrisos pelo noivado do filho com uma moça tão formosa e inteligente...Albertinho circula por entre as pessoas detendo-se um momento e outro a conversar com um parente ou amigo... Filipa tenta conter o nervosismo que toma conta de Manoela desviando sua atenção para outros assuntos...E assim a festa segue... Enquanto isto, na casa dos Vieira, Edgar, elegantemente vestido, de pé em meio a sala aguarda sua esposa... Em pouco tempo, a moça, num vestido azul turquesa com várias incrustações, desce as escadas lentamente...
Edgar: Nossa... Hoje precisarei tomar cuidado... linda como está... todos os olhares daquela festa serão dirigidos a você!... (dando um beijo na mão da moça)
Laura: Obrigada... mas não tenho essa intenção... a noiva hoje é outra... ela deve deter a atenção... inclusive a nossa!... Vamos?
Edgar: Vamos (ouvindo batidas na porta)... Quem será?
Matilde adianta-se e abre a porta conduzindo a visita,um tanto constrangida, a sala...
Guerra: Boa noite
Edgar: Boa noite...
Guerra: Sei que não é hora para visitas... mas preciso conversar com vocês...
Laura: Se for sobre o de hoje pela manhã... e se não houve nenhuma mudança sobre o assunto... não temos nada a tratar...
Guerra: Na verdade... vim trazer-lhes uma notícia... Edgar... Fernando foi preso...vai responder por cumplicidade no incêndio na escola...
Edgar: Eu já esperava por isso... E sei que queres minha opinião sobre publicar isso... Tu sabes minha resposta... é necessário... então que seja feito..
Guerra: Eu sabia... Obrigado
Edgar: Laura... você se importa se não formos no jantar de noivado?
Laura: Você não está pensando em ir à delegacia, está?
Edgar: Pretendo, mas não hoje... Vou a casa de minha mãe... ela deve está desolada...
Guerra: Edgar... se posso te auxiliar nisto... telefone para sua mãe... Ela irá entender que não pode ir até lá agora... Vá amanhã pela manhã...Até por que... em dependendo do resto da conversa que tivermos a partir de agora... ela vai precisar muito mais do teu apoio do que hoje...