Após Edgar pronunciar aquelas palavras e com estas expressar sua decisão de prosseguir com as investigações, paira o silêncio naquela sala por alguns instantes... Laura sente-se estranha diante do que acontecera... no fundo sempre tivera certeza de que a menina não era filha de seu marido e esta descoberta lhe trouxe confirmação e alívio; porém ao observar o semblante do esposo e ver o quanto isso é sofrido para ele, sente seu coração apertar... mas a decisão foi tomada, e sabe que por mais que isso cause sofrimento a Edgar, é o correto a ser feito... pensa um pouco sobre tudo isso e rompe o silêncio que há estas alturas já se faz ensurdecedor...

Laura: Bem... Edgar... já que você decidiu por continuar as investigações... agora temos que pensar em quais serão os próximos passos a serem dados...

Filipa: Tens razão... precisamos saber por onde começar aqui no Rio de Janeiro...

Laura: Edgar... sei que Filipa e Manoela começaram todo este trabalho... mas elas devem ter outras causas em Portugal...

Joaquim: E tem suas famílias... imagino que devem ter deixado maridos e filhos em Portugal...

Edgar: É verdade... minhas caras amigas... agradeço imensamente o serviço de vocês... mas precisam voltar para seus outros afazeres...

Filipa: De forma alguma... agora que começamos... iremos até o final...

Manoela: Exatamente... e quanto às outras causas... não te preocupes... tudo está encaminhado... outro colega vosso, o Dr. Francisco Pereira está a tomar as providências cabíveis para cada um deles...

Filipa: Sim... e quanto a família... nossos parentes sabem que estamos a trabalho aqui e que permaneceremos no Brasil até desvendarmos todo este caso...

Edgar: Muito bem... então... bem-vindas novamente a investigação... a partir daqui quero participar ativamente de tudo...

Joaquim: Sei que minha participação nesta história teve final hoje... mas gostaria de colaborar... afinal como disse, Edgar...este sujeito e Catarina destruíram nossas vidas...

Edgar (irritado): Dr. Castro... só o chamei até aqui por que era parte integrante de tudo isso... mas nossa situação ante os outros acontecimentos não mudou...

Joaquim: Edgar... D. Laura... ainda não sei como me desculpar...posso pedir perdão mil vezes e sei que não serão suficientes para me redimir de toda culpa...e..por isso mesmo.. gostaria que aceitassem minha oferta... quero ajuda-los a desmascarar Catarina e descobrir toda a verdade... me deem a oportunidade de mostrar que não sou o canalha que pensam...Edgar... lembre do quanto éramos amigos... não sei onde estava com a cabeça quando....

Filipa: Por Deus... alguém pode dizer-me o que estão falando aqui?

Joaquim: Filipa... eu mesmo faço questão de te contar tudo... mas em outro momento...é um assunto um tanto complicado e longo...

Edgar: Complicado... longo... e muito difícil de perdoar...

Laura: Dificílimo... mas lhe dou um voto de confiança... espero que esteja sendo sincero...

Edgar: Laura... (recebendo um olhar de desaprovação da esposa e suspirando) Está bem... por onde começar?

Manoela: Bom... precisamos procurar lugares onde ela esteve em 1903... durante a temporada do espetáculo...

Filipa: Sim... talvez poderíamos ter o teatro onde foram realizadas as apresentações como ponto de partida...

Laura: Eu posso levar vocês lá... sei onde fica... e se o zelador for o mesmo não vai ser difícil conseguir informações... podemos ir amanhã à tarde..... depois das cinco

Filipa: Combinado então... e onde nos encontramos? Manoela e eu não conhecemos nada aqui no Rio de Janeiro...

Laura: Eu vou até o hotel onde estão hospedadas...

Edgar: Certo... e depois podemos nos encontrar aqui para definir o que fazer a seguir...

Joaquim: Bem... e eu... o que faço?

Manoela: Por enquanto nada... a partir do que soubermos amanhã... vamos ver no que poderá ajudar...

Joaquim: Tudo bem... saio do escritório e venho para cá...

Filipa: Tudo combinado... então vamos, Manoela? Já se faz tarde...

Edgar: Filipa... antes de ir... tem algo que ainda quero te pedir...

Filipa: Pois não?

Edgar: Onde as cartas que encontraram estavam?

Filipa: Não tínhamos certeza de encontrar alguma coisa que servisse para as investigações quando fomos ao apartamento de Catarina... afinal depois dela outras pessoas passaram por ele.. mas resolvemos arriscar...

Manoela: Quando estavamos vasculhando o local eu acabei por tropeçar em um taco solto no assoalho...estava mais alto que o resto do parquet... então resolvi retirar a peça... e esse envelope estava embaixo... quando abrimos vimos as cartas...

Filipa: E resolvemos traze-las para entregar...

Laura: Não sei como agradecer vocês... não sabem como esperei por essas cartas...

Filipa (sorrindo): Não precisa... confirmar que entrega-las iria aliviar teu coração já nos basta... e agora realmente precisamos ir...

Edgar : Eu levo vocês até o hotel...

Joaquim: Pode deixar... eu estou de automóvel...as deixo no hotel..

Filipa: Não é necessário...nós tomamos um coche...

Joaquim (tentando se justificar): Filipa... não me tome a mal... estou apenas querendo ser cortês convosco... como tu mesma disseste... já é tarde... é mais seguro que leve vocês...(fitando Filipa quase lhe suplicando com o olhar)

Filipa (pensando um pouco, sendo meio relutante a ideia): Está bem... aceitamos a vossa oferta... Boa noite

Laura: Acompanho vocês até a porta...

Enquanto Laura leva as moças e Joaquim até a porta, Edgar sobe e observa as crianças dormindo.... Dá um beijo na testa de cada um e sai do quarto em direção ao seu... senta-se pesadamente na poltrona em frente a cama e tenta assimilar tudo o que se passara momentos antes na sala... ali... sozinho... sente-se a vontade para que suas emoções aflorem... as lágrimas contidas pela presença de seus colegas agora correm sem cerimônia pelo rosto do advogado... chora copiosamente, sem perceber que Laura, ao aproximar-se do quarto e vê-lo assim, para em frente a porta e observa-o... Não sabe exatamente o que fazer... o que dizer... mas precisa oferecer consolo a Edgar...

Laura: Oi... posso entrar?

Edgar (limpando os olhos congestionados): Entra...

Laura (entrando, sentando-se na guarda da poltrona): Oh meu amor... chora... vai te fazer bem... (afagando os cabelos do marido)

Edgar: Ah Laura... não sei nem o que te dizer...não sei por onde começar...

Laura: Edgar... se você não quer falar... não precisa... assim como não precisa continuar com a investigação...

Edgar: Por mais doloroso que seja... preciso tanto da investigação... quanto da conversa... Laura... por que eu não te ouvi? Como eu pude ser tão ingênuo e acreditar no que aquela mulher escreveu... acreditar em todo o teatro que ela armou...

Laura (saindo da guarda do sofá e sentando na cama,de frente para ele): Eu também não sei... não sei que poder é esse que ela tinha para não te fazer raciocinar... na época.. por mais que qualquer um tentasse te dizer alguma coisa...

Edgar: Eu sempre soube com quem tinha me envolvido... sabia que Catarina não era santa... muito pelo contrário... e mesmo assim... só conseguia pensar que tinha uma criança do outro lado do oceano que era minha filha.. estava doente..e precisava de mim...como nunca duvidei disso?

Laura: Edgar...

Edgar: Me deixa falar... por favor... me precipitei... não averiguei nada... tomei todas decisões sozinho... Laura... eu fiz tudo... absolutamente tudo... errado...

Laura: Nisso eu concordo... nós éramos um casal... a criança era sua... mas as decisões interferiam na minha vida...

Edgar: Eu quis te poupar...e quando me deparei com a situação da menina em Portugal... só pensei no que seria o melhor para ela... sem levar em consideração mais nada... e nunca me passou pela cabeça que você me pediria o divórcio... sairia de casa... ainda mais grávida..

Laura: Edgar... você deveria saber que eu não ia me resignar com aquilo tudo... eu preferi sair dessa casa... a continuar aqui e com o tempo passar a odiar você...

Edgar: Me odiar?

Laura: Sim... nós dois íamos acabar nos odiando...

Edgar: Laura... eu posso te afirmar isso... eu jamais vou conseguir te odiar.. e eu tentei... muito... Laura... nós pagamos muito caro por um erro meu...eu sofri anos com a tua ausência...e você sofre preconceito pelo divórcio até hoje....

Laura: O preconceito talvez seja o menor dos meus sofrimentos.. virei alvo depois da publicação daquela nota... na verdade a pior parte disso talvez tenha sido ser renegada pela minha mãe... me afastar de tudo e de todos que amava... criar o Daniel sozinha... e sabe, não tinha como não pensar em você quando olhava para nosso filho...sentia tua falta... e ver nosso pequeno crescendo sem te conhecer me doia muito..

Edgar: Isso é o mais irônico, não? Enquanto eu criava e cuidava de uma menina que não é minha filha... não vi meu próprio filho nascer... crescer...nunca vou me perdoar por ter perdido isso.... por mais que agora eu conviva com ele... nunca vou recuperar o tempo que não passei ao lado de vocês dois... tudo por culpa de uma mentira...

Laura (pegando em suas mãos): Meu amor... eu sei que isso tudo é muito doloroso para você... não vou dizer para esquecer... mas tenta pensar no presente.... o passado não volta...e mesmo que a gente descubra toda a verdade... certas coisas a gente não tem como mudar... você pode não ter convivido com o Daniel nos primeiros anos de vida dele... mas vocês estão construindo uma relação linda agora... e a Melissa... bem... ela não é sua filha biológica... é verdade... mas é sua filha de coração... mesmo que a gente descubra o pai dela... a ligação afetiva que vocês tem não vai ser quebrada... (fazendo uma pausa) Edgar... quero também te pedir perdão...

Edgar: Perdão?

Laura: Sim... por ter duvidado de você sobre as cartas...

Edgar (levantando e caminhando pelo quarto): Mais uma armação dela...

Laura: Eu já nem estranho mais... mas confesso que tenho medo do que ainda podemos descobrir...

Edgar: E as cartas? Você leu?

Laura: Ainda não... quero ler com calma... Por agora... que tal irmos dormir? Amanhã vai ser um longo dia...(levantando-se)

Edgar: Vai... mais um dia... e para começar vou ter de contar a Melissa que a partir de agora ela mora aqui...

Laura (enquanto se trocam e dirigem-se para cama): Isso me faz lembrar algo... Edgar... você precisa tratar a mãe da Melissa como se não soubesse de nada... pelo menos por enquanto...

Edgar: Eu sei... não sou muito bom em fingir... mas vou ter de aprender... minha vontade é de dar-lhe uma boa surra, pelo mínimo...

Laura: Amor... você é um cavalheiro.. nunca faria isso a uma mulher... pode deixar... no devido tempo ela vai ter o que merece... e quanto a surra... eu mesma me encarrego de aplica-la...

Edgar (sorrindo): Minha querida briguenta...

Laura: Hum... pelo menos consegui arrancar um sorriso seu...

Edgar: Só você... pelo menos estamos juntos...

Laura: Sim... pense pelo lado bom.. estamos enfrentando tudo isso unidos...e juntos somos muito melhores do que separados (aplicando um beijinho em Edgar)

Edgar: Sem dúvidas... boa noite meu amor (beijando Laura e aconchegando-se a ela na cama)

Enquanto isso, na casa de Catarina, Fernando chega da fábrica e é recebido com certo azedume pela cantora...

Fernando: Olá meu rouxinol

Catarina: Olá.

Fernando: O que houve? Algo ruim?

Catarina: Péssimo... Fernando... Péssimo... O Edgar veio esta manhã me comunicar que a Melissa agora mora com ele... e que ele vai determinar quando eu posso ou não ver minha filha... isso tudo é culpa daquela professorinha... mas ela me paga...

Fernando: Catarina... não sei por que se incomoda com isso.. se a menina não está aqui... isso lhe deixa livre para trilhar sua carreira...

Catarina: Sim... mas ele me tirou a menina pelo que aconteceu no teatro...

Fernando: E o que pretende fazer?

Catarina: Ainda não sei...

Fernando: Bem...conte comigo! Afinal vamos nos casar...por sinal... já está tudo acertado para a recepção de noivado... será sábado... mandei fechar a Confeitaria Colonial...

Catarina: E vamos convidar a todos...

Fernando: Lógico... incluindo Edgar e meu pai...

Catarina: Isso... Quero que brindem com a gente pelo nosso futuro (rindo) Logo serei a esposa do presidente da Tecelagem Vieira.. e sem Melissa poderei me dedicar somente a minha carreira.. bem.. e a Laura... pois tenho direito a um pouco de diversão...

Já na Rua do Ouvidor, o automóvel de Joaquim chega ao destino... após um percurso silencioso, Manoela e Filipa estão em frente ao hotel onde estão hospedadas...

Filipa: É aqui.. obrigada pela carona..

Manoela: Foi um prazer conhece-lo... Boa noite (descendo do carro)

Filipa(fazendo menção de desembarcar): Boa noite

Joaquim: Boa noite ... Filipa... por favor... preciso falar com você...

Manoela: Eu vou para o quarto... está um pouco frio aqui fora... com licença...

Filipa: Manoela... espera-me... vou-me contigo...

Joaquim: Filipa... só uma conversa...

Filipa: Tudo bem... uma conversa... mas acho que nem o local.. nem o horário são apropriados...

Joaquim: Concordo... podemos conversar amanhã? Eu lhe procuro pela manhã aqui no hotel..

Filipa: Certo... amanhã.....Boa noite (tentando descer)

Joaquim: Filipa...

Filipa: O que Joaquim?

Joaquim: Obrigado... e... apesar de surpreso... estou muito feliz por te rever...

Filipa: Boa noite Joaquim...

Joaquim: Boa noite...

Filipa desce do carro com o coração sobressaltado... podia esperar encontrar qualquer pessoa neste país... menos Joaquim... e ele está ali... sobe as escadas dirigindo-se ao quarto..

Filipa: Manoela... tu devias ter me esperado!

Manoela: Filipa... eu bem vi que o Dr. Castro e tu precisavam ficar uns momentos sozinhos... resolvi retirar-me... Vai... confessa-me... não esperavas que ele estivesse aqui...

Filipa: Claro que não! Não sabes o susto que levei ao vê-lo na casa do Edgar...

Manoela: Eu percebi... tu ficaste atordoada... não sabias o que dizer... minha amiga... se tu pudesses ver-te naquele momento...

Filipa: Que? Fiz papel ridículo?

Manoela: Não... tanto tu quanto ele.... pareciam ter visto um fantasma ou algo assim...

Filipa: Bem... não deixa de ser... um fantasma do meu passado que resolveu me assombrar justo agora...

Manoela(rindo): Assombrar? Acho que não seria bem este o termo...mas enfim...que belo fantasma arrumaste! Mas... me diga... sobre o que falaram? Pensei que ias demorarte mais...

Filipa: Não conversamos... apenas marcamos uma conversa... ele vem aqui amanhã pela manhã...

Manoela: Bem... então vamos dormir, pois não? Afinal amanhã temos um dia cheio... temos de ir ao teatro com a Laura... e tu tens de estar bem descansada para esta conversa com teu fantasma...

Filipa: Vamos sim...que o dia de amanhã promete muitos acontecimentos...