Naquela sala fria, algemado entre os guardas, Caniço olha acuado para as paredes... O delegado, parado a sua frente, examina o sujeito e sarcasticamente começa com sua arguição...
Praxedes: Então, senhor Sebastião, ou melhor, Caniço... achou que se escondendo em um vilarejo do interior ia conseguir se safar!?...
Caniço: Eu sou inocente doutor!... Fui a Campo Belo visitar minha irmã doente...
Praxedes: Ah sim? Muito conveniente essa doença da sua irmã!... Justo quando foi provocado um incêndio na escola que estão construindo no Morro da Providência em que o senhor é o principal suspeito!...
Caniço: Eu não tenho nada a ver com isso...
Praxede: Isso é o que vamos ver!...Ainda mais em se tratando de um vagabundo como você... Você deixou de ser réu primário tem muito tempo...Tenho certeza que está envolvido até o pescoço... e sei que deve ter um mandante... Um marginal como você não ia fazer isso sem ganhar nada em troca... Vamos... diga... quem foi?
Caniço: Eu não sei de nada, não senhor...
Praxedes: Ah não sabe?.. Pois bem, por enquanto vai para a prisão... mas logo vamos interroga-lo! vamos ver se não sabe de nada depois de passar uma temporada na cadeia a pão e água...E conhecer os métodos que temos para pilantras como você soltarem a língua (falando com os Guardas) Levem-no!
Caniço sai dali sendo empurrado pelos guardas... Grita a plenos pulmões que não fizera nada.... Chega a seu destino... A cela é aberta... Retiram-lhe as algemas e num golpe seco jogam-no para dentro daquele cubículo, onde mais meliantes, cada um com suas culpas, já estão encarcerados há tempos...Levanta-se e, sem olhar para os outros presos, que a esta altura comentam sobre o recém-chegado, encaminha-se até a parede onde, por uma janela com grossas grades de ferro, o sol emite alguma claridade naquele lugar obscuro... Apoia as costas e logo senta-se no chão, pensando em como vai sair dali... Sabe que mais cedo ou mais tarde o delegado vai condena-lo, se não por ter ateado fogo, por outros delitos... Bem sabia que não devia ter-se metido nisto!... Precisa de ajuda... e se for negada... não tem nada a perder...
Enquanto Caniço continua com seus pensamentos, no Morro da Providência, Laura e Sandra andam pelas vielas entrando em alguns barracos. Conversam com a gente simple daquele lugar, intentando a matrícula de crianças que ainda não estão inscritas para as aulas que serão ministradas ali, alcançando seu propósito em algumas daquelas casas e encontrando ainda resistência por parte de alguns pais, que endurecidos pelas mazelas da vida, dizem que a alfabetização não é necessária para seus filhos, já que o destino humilde está traçado desde o berço e dar asas a quem não pode alçar vôos mais altos é perda de tempo. E assim, indo de porta em porta, finalmente chegam a escola.
Sandra: Olha Laura! Como está tudo ficando bonito novamente!... Não pensei que a reconstrução seria tão rápida...
Zé Maria (indo ao encontro das moças): Boa tarde professoras! E então... o que acharam?
Laura: Está andando rápido, Zé! Desse jeito em poucos dias vocês terminam...
Zé Maria: A intenção é essa... Todo o povo do morro se mobilizou...
Laura: Hoje compramos as carteiras... Logo alguns rapazes devem vir entrega-las... Vamos espera-los por aqui...
Zé Maria: Se quiserem posso receber... Vamos até a noitinha por aqui... Quero ver se começamos a lixar a parede da secretaria ainda hoje...
Sandra: Que boa notícia! Quer dizer que logo vamos poder inaugurar...
Zé Maria: Sim... no que depender da gente... vocês inauguram em poucas semanas...
Laura: Bom Zé... já que vai ficar mais tempo por aqui... vou pedir então que receba as coisas que compramos... Pode deixar empilhadas em algum canto... Quando estiver tudo pronto por aqui, a gente organiza... Agora precisamos mesmo ir.... Hoje até que o dia rendeu!... Conseguimos matricular mais crianças... Pena que ainda há gente que não queira...
Zé Maria: Imagino... Tem pessoas aqui que ainda acham que o tempo que as crianças vão passar na sala de aula é tempo que estão perdendo em trazer dinheiro para casa...
Sandra: Espero que um dia isso mude...
Laura: Se esses pais soubessem que assim estão privando seus filhos de um futuro melhor... que estudar os prepara para enfrentar o mundo...
Zé Maria: Se quiserem, posso tentar conversar também... e a Tia Jurema... O povo do morro ouve muito o que ela diz...
Laura: Se puderem, agradecemos... E por agora vamos Sandra? Com licença..
Chico (entrando apressado na escola): Zé!... Desculpem... Não sabia que estava com as professoras... Boa Tarde
Laura e Sandra: Boa Tarde
Zé Maria: Fala Chico..
Chico: Acabei de chegar do centro... Fui buscar a cal que pediu... e não sabe quem vi sendo conduzido...ou melhor... arrastado... para a delegacia!... O Caniço... pegaram ele!...
Zé Maria: Oras... mais uma boa notícia!...
Sandra: Meu pai deve estar satisfeito... Há dias que estavam em busca desse sujeito... Logo vamos saber quem mandou colocar fogo na nossa escola...
Laura: Sim... logo vamos confirmar isso... E agora vamos...
Laura e Sandra descem o morro em direção ao centro da cidade. Enquanto isto, Edgar, após um dia cansativo na fábrica, deixa Filipa no hotel e segue para sua casa... No caminho pensa em tudo que a moça terá de enfrentar... Pela reação de seu pai e dos funcionários teve uma ideia do que está por vir.... Entra seguindo direto para o escritório... Precisa verificar com Heloisa se há algum recado importante e se as pendências que lhe havia incumbido foram resolvidas satisfatoriamente... Passa pela sala de refeições e percebe sobre os materiais da esposa o envelope dirigido a Paulo Lima já violado... Pensa que vai precisar de toda sua argumentação para convencer Laura sobre o perigo que representa escrever essa matéria... Não se detem a ler, apesar da curiosidade pelo conteúdo... Vai ao escritório e após alguns momentos inteirando-se sobre os assuntos surgidos no dia, dá o expediente por encerrado à Heloisa e sai daquele comodo... Vai ao andar superior e adentra o quarto onde as crianças estão brincando... Passa algum tempo conversando com os pequenos enquanto ajuda Daniel a construir um castelo com peças de madeira e observa Melissa a brincar de chá com suas bonecas....
Edgar: Quer dizer que vocês foram ao parque? E então, brincaram muito?
Daniel: Foi supimpa! A gente brincou bastante...
Melissa: Pena não ter ido com a gente...
Edgar: Oh florzinha... o papai não podia... Mas na próxima vez eu vou...
Matilde (ficando parada junto a soleira da porta): Dr. Vieira... há uma ligação para o senhor...
Edgar: Eu já vou atender... (descendo e dirigindo-se ao telefone): Alô... Edgar Vieira...
Praxedes: Dr. Vieira? Aqui quem fala é o delegado Praxedes... Tenho boas notícias... Finalmente conseguimos capturar o Caniço...
Edgar: Ótimo! Já o interrogaram?
Praxedes: Amanhã... É mais fácil que fale algo depois de passar pelo menos uma noite na cadeia... Tenho certeza que vai acabar confessando sua participação no episódio do incêndio e também quem foi o mentor disto...
Edgar: Assim esperamos... Por favor... mantenha-me informado... Obrigado...
Edgar deixa o aparelho e anda pela sala de estar... O meliante está atrás das grades... Agora é apenas uma questão de tempo para confirmar ou negar de uma vez por todas suas suspeitas sobre o caso... Senta-se em uma das poltronas... Tenta distrair-se com um dos livros que Laura sempre deixa dispersos pela casa... mas não consegue...Pensa em todas as situações que está vivendo... Tem tantos problemas... E estão longe de uma solução...
Neste interim, no Federal Sport Club, Rufino por fim encerra seu expediente... Perto dali, Joaquim observa o senhor saindo das instalações do clube... Espera algum tempo e dirige-se ao portão principal... Percorre os corredores largos da agremiação indo por fim ao almoxarifado, onde o vice-presidente, amigo pessoal de Dr. Freitas e posto a par do assunto espera pelo advogado...
Vice-presidente: Como vai Dr. Castro?...
Joaquim: Como vai, Sr. Rodrigues? Espero não te-lo feito esperar muito... mas precisava me certificar de que Rufino não estaria aqui...
Vice-presidente: Eu compreendo... Venha... Vamos aos arquivos... Vamos procurar o registro do Sr. Rufino como empregado daqui... e ver onde ele trabalhava antes...
Enquanto Joaquim segue aquele senhor e começam a busca pelos documentos, no Bairro de Laranjeiras, Laura chega em sua casa. Abre a porta com delicadeza e deposita a bolsa sobre a mesinha da sala. em seguida vai de encontro ao marido, dando-lhe um beijo leve nos lábios...
Laura: Olá meu amor... E então, como foi?
Edgar: Olá... digamos que o dia foi... cansativo!... Houve de tudo naquela tecelagem... meu pai ofendendo a Filipa... os funcionários desconfiados... enfim... tivemos um primeiro dia bem agitado! Mas a Filipa se manteve firme... E demonstrou muita vontade de aprender... Acredito que fiz a escolha certa...
Laura: Não tenho a menor dúvida disso!...
Edgar: E você? O que me conta de novo?
Laura: Bem... depois que voltei com as crianças do parque, fui com Sandra comprar as carteiras para a escola e fomos até o Morro... Conseguimos convencer mais alguns pais a matricular as crianças!
Edgar: Que bom meu amor!... Vai ver que com o início das atividades, mais pais resistentes vão acabar mudando de ideia...
Laura: Ah meu bem... você precisa ver... a escola está ficando linda!... O Zé Maria disse que estão fazendo um mutirão para a reconstrução... Acha que dentro de poucas semanas tudo estará pronto...
Edgar: Isso é realmente uma boa notícia...
Laura: Sim... Edgar... enquanto estava na escola, fiquei sabendo que o Caniço foi preso..
Edgar: Eu sei... O delegado Praxedes me telefonou avisando... Pretende colher o depoimento do sujeito amanhã... Espero que consigam arrancar a confissão dele... e que ele entregue o mandante...
Laura: Bem... mesmo que isso não aconteça... nada vai estragar meu dia amanhã!... Estou tão contente que pretendo fazer vários planos de aula...
Edgar: É bom te ver empolgada assim...
Laura: Estou... trabalhar... me sentir útil... sempre me deixa muito animada! (fazendo uma pausa pensando em como abordar o assunto que tinha a tratar) Edgar... tem algo mais que me deixou muito feliz hoje, que acho que não vai te deixar muito contente...
Edgar: Eu imagino o que seja...
Laura: Imagina?
Edgar: Sim... o Guerra me falou que ia pedir para o Paulo Lima escrever uma matéria sobre desvio de dinheiro público...
Laura: Sim! Edgar.. é uma oportunidade de ouro!... Ele está me confiando uma denúncia muito importante...
Edgar: Eu sei...
Laura: E eu sei porque está assim... Ele disse que a matéria envolve teu pai...
Edgar: Disse... disse que não era melhor que o Paulo Lima escrevesse... Não por uma questão de imparcialidade... mas para me preservar... e sinceramente agradeço a ele... mas...
Laura: Ia ser algo realmente desconfortável... diria mais... doloroso para você escrever... É teu pai..
Edgar: E teu sogro!... Guerra mandou para você por não saber quem é o Paulo Lima!... Laura... por favor... não escreve!...
Laura: Edgar... não me pede isso... É preciso denunciar o que está acontecendo!...
Edgar: Eu sei.. E não estou dizendo que a denúncia não deve ser feita... Só que você não deve escrever!... E não é nem por ser o meu pai, não... Laura eu temo pelo que pode acontecer.. É perigoso...
Laura: Edgar... meu amor... entende... Eu já decidi!... Vou escrever... você querendo ou não...
Edgar suspira profundamente... Encaminha-se para o andar superior... seguido por Laura... Entra no quarto retirando o paletó
Laura: Edgar... por favor..
Edgar: Não Laura... quem pede por favor... quem pede para entender... sou eu!... Pensa um pouco...se não pensa em você ou em mim... pelo menos pensa nos teus filhos... Não escreve esse artigo!
Laura: Amor... eu já pensei! Eu vou escrever!
Laura fita o esposo, que não diz palavra... Edgar continua retirando suas vestes, sendo observado fixamente pela esposa...
Laura: Você não vai me falar nada?
Edgar (visivelmente irritado): Eu vou tomar um banho... trocar de roupa... comer alguma coisa e dormir... estou cansado... (indo em direção ao quarto de banhos e deixando Laura sozinha tentando entender a atitude do rapaz)
Edgar vai a seu banho, onde tenta em vão relaxar. Já Laura vai ao quarto das crianças... Brinca com os pequenos por uns momentos e ajuda Gertrudes a servir-lhes o jantar... Já no hotel da Rua do Ouvidor, Filipa conta a Manoela como foi seu primeiro dia na fábrica...
Manoela: E então, administradora?
Filipa: Administradora... como é estranho me chamar assim!.. Olha... para um primeiro dia... digamos que já tive fortes emoções...
Manoela: Pois eu quero saber tudo!..
Filipa: Bem... para começar bem o dia... tive um embate com o Sr. Vieira... Manoela... aquele homem é um ser das cavernas! Me disse que meu lugar era cerzindo meias e preparando cozidos...
Manoela: Pelo visto tem a mesma mentalidade que a maior parte dos homens... Mas você já esperava por isso, não?
Filipa: Sim...Mas não baixei a cabeça para ele não... Depois quando fui apresentada aos funcionários... todos me olhavam de cima a baixo... Percebi que todos estavam incrédulos sobre o fato de uma mulher estar gerenciando a fábrica...
Manoela: E aí?
Filipa: Mais uma vez... junto com Edgar tive de usar de todos os meus argumentos para convence-los de que tudo o que farei será o mesmo que qualquer homem que estivesse no mesmo lugar faria... Acho que no final estavam mais tranquilos... Mas notei que lidar com aqueles trabalhadores pode não ser muito fácil... Fora isso, Edgar me apresentou todos os documentos e toda a rotina administrativa... Não é tão complicado... mas ele disse que vai me ajudar nos primeiros dias...
Manoela: Ainda bem... pode não ser complicado... mas precisa ser bem explicado... para não ocorrerem erros... Sabe que ainda mais por sua condição, se houver a menor falha, ninguém vai poupa-la...
Filipa: Sei... e estou animada com esse desafio!... Vai ver!... Vou por aquela tecelagem nos eixos!... Apesar de ser o primeiro dia, e não ter visto detalhadamente tudo, imagino que haja irregularidades... Pelas atitudes do Sr. Bonifácio, que pelo que entendi nem ao menos aceitaria delegar algumas funções, só pode haver coisas escondidas...
Manoela: Vais mexer em um vespeiro...
Filipa: E desde quando tenho medo de vespas? Por sinal... espero que você não tenha adquirido essa fobia!... Acho que vou precisar de sua ajuda... Edgar me autorizou a te contratar... Preciso que me ajude a organizar algumas coisas lá dentro...
Manoela: Oras... sabes que pode contar comigo quando quiser!... Mas agora preciso sair... Albertinho deve estar me esperando... Até mais ver...
Filipa: Até mais ver... Estou tão cansada que hoje a única coisa de que preciso é um bom banho e de minha casa... Boa noite...
Enquanto Filipa prepara-se para dormir e Manoela sai ao encontro de seu futuro noivo, na casa da rua do Catete, Carlos Guerra é recebido pelo casal anfitrião, sua noiva e por Carlota. Após algum tempo de conversa sem importância, finalmente chegam ao assunto que reuniu a todos naquela sala...
Guerra: Bem... como todos aqui sabem... eu sou jornalista e tenho meu proprio periódico... Sei que muitas vezes minha opinião desagrada... Por certo alguma vez o Senador Assunção já deve ter-se sentido ofendido...
Assunção: Isso não vem ao caso agora, não estamos falando de política... mas sim de família...
Guerra: O que escrevo é expressão de meus valores...e destes não abro mão jamais...
Constância: Muito bem!... Nisto somos parecidos...
Guerra: O que gostaria de dizer aqui é que a única opinião que me importa nesta sala é a de Celia...
Celia: A minha?
Guerra: Sim... e neste momento proponho que nossos encontros sejam às claras... Mais que isto... peço a Srta que aceite ser minha noiva...
Celinha: Concordo... quer dizer... aceito...
Carlota: Mas isso é absurdo! Eu não admito! Eu prometi aos nossos pais que iria cuidar dessa criatura...
Constância: Não seja ridícula Carlota! A Celinha é uma mulher adulta! Conforme-se!
Assunção: Exatamente! E quanto ao senhor... tem toda a minha aprovação... Desde que mantenha o respeito por minha cunhada... Celinha... pelo que vejo as intenções deste senhor são sérias...Não há por que me opor...
Constância: Faço questão de oferecer um jantar de noivado...
Guerra: A senhora me perdoe... mas declino da oferta...
Assunção: Meu caro... também não gosto de festas... mas concordo que devemos celebrar esse noivado... Faço questão de um jantar...
Constância: Claro.. a sociedade carioca precisa saber que uma das filhas da familia Bragança vai se casar!...
Assunção: Não Constância!... Vamos fazer um jantar apenas para nossa família e amigos mais chegados... Aceitem!...É um gesto singelo pelo nosso contentamento pela união de vocês..
Guerra: Bem... em sendo assim... não me oponho...
Celinha: E eu estou muito feliz... obrigada..
A conversa entre os convivas daquela casa segue... Após acertarem os detalhes do jantar, Celinha e Guerra saem para um passeio, e Dr. Assunção vai para o escritório terminar a dissertação de um de seus projetos junto ao Senado. Dessa forma, as irmãs da noiva finalmente ficam sozinhas a sorver seu chá
Carlota: Constância... não tenho nem um nome para dar ao que se passou nesta sala... como pôde apoiar isso?
Constância: E você acha mesmo que estou aprovando o noivado desse sujeitinho asqueroso com nossa irmã? Carlota... não seja ingênua! Não se preocupe... esse noivado não vai vingar!... Celinha é tão destrambelhada que logo ela mesma vai por esse noivado a perder com uma pataquada qualquer..
Carlota: Mas isso seria um escândalo...
Constância: Minha cara... depois de tantos escândalos nesta família... um a mais ou a menos... não fará a menor diferença!.. E enquanto esse romance seguir, a nossa influenciável irmã nos servirá para neutralizar a opinião deste jornaleco...
Carlota: Constância... o Guerra acabou de dizer que...
Constância: Entre dizer e fazer há uma grande diferença... e agora... esse senhor passa a ser desta família... não terá coragem de nos atacar!... Nunca o fez... mas é bom nos prevernirmos...
A conversa entre as duas irmãs segue com o escárnio e petulância peculiares às duas damas que comportam-se condizentemente com a nobreza de um título que não mais existe. Enquanto isto, na casa do bairro de Laranjeiras, já reina o silêncio. Deitados lado a lado, Edgar procura continuar com a leitura que iniciara no final da tarde. Laura arruma os travesseiros de forma a ficar confortável... Vira-se para o marido... sorri sedutoramente e logo começa a roçar levemente o ombro do advogado... Edgar finge não perceber as intenções da esposa... Segue com sua leitura...
Laura: Hum... é tão bom ficar aqui... juntinho com você.... mesmo quando você está zangado comigo...
Edgar: Eu não estou zangado com você... Eu estou possesso com você!
Laura: Amor... tudo vai dar certo... vai ver... Não vai acontecer nada!... Desculpa se te magoa...
Edgar: Laura... você não entende, não é? Não é por se tratar do meu pai...Você vai denunciar gente poderosa... sem escrúpulos... São verdadeiros lobos em pele de cordeiro!... Você vai ter de buscar mais informações... o Guerra me disse... Ele te mandou alguns dados... mas é preciso mais... É muito perigoso!...Você não tem ideia do que esse tipo de gente é capaz!
Laura: Tenho.. mas eu vou estar protegida pelo pseudonimo...
Edgar: Até quando? Que me lembre, você disse que ia falar ao Guerra que é o Paulo Lima quando entregasse a próxima matéria... E que a partir daí iria assinar como Laura Vieira...
Laura: Sim... e pretendo realmente fazer isso...
Edgar: Se te conheço não vai sossegar se o Guerra não te apresentar... Se não disser que o Paulo Lima é você!...Laura... eles vão saber que foi você quem escreveu essa matéria a partir do momento que assinar a outra!... Por favor... pensa nos nossos filhos... temo por você... por eles...Entende que eu estou preocupado com o que pode acontecer contigo?
Laura: Edgar... entende que eu preciso escrever? Que eu preciso provar para o Guerra que sou capaz?
Edgar: Entendo... mas tem momentos em que a gente precisa pesar os riscos e os benefícios!... E por hora... chega!... Eu não quero mais discutir... Pensa um pouco, está bem?... Boa noite... (ajeitando-se na cama)
Laura: Está bem... boa noite (dando um beijo na bochecha do marido, pousando sua mão sobre a dele)
E assim o casal, ainda sem chegar a um entendimento, procura dormir. Já nas dependências do Federal Sport Club, após muito trabalho, Joaquim olha para o vice-presidente... Não entende como é possível tal situação...
Vice-Presidente: Castro... não entendo!... Já reviramos tudo aqui e nada!...
Joaquim: É muito estranho... simplesmente não há resgistros desse senhor como funcionário do clube
Vice-presidente: Preciso entender o que está acontecendo... Como um funcionário de anos não tem registro aqui... nem mesmo folhas de pagamento? Vou ter de conversar com o presidente... essa situação é completamente irregular!...
Joaquim: Realmente... há um mistério aqui!.. Há mais funcionários que não sejam registrados... que recebam seu salário sem folha?
Vice-presidente: Não!... A entidade é uma empresa séria... Tudo é feito de forma legal... Estou tão surpreso quanto você!
Joaquim: Imagino... Bem... já lhe tomei muito tempo... Está tarde... Obrigado pela colaboração...
Vice-presidente: Eu que agradeço!... Só assim pude constatar que há esse problema no clube... Vamos corrigir isso... tenha certeza...
Depois das devidas despedidas, Joaquim sai daquela sociedade recreativa atordoado... Ainda não compreende como um senhor que há tanto tempo trabalha num local que preza por sua transparência administrativa não apresenta nenhum vínculo empregatício... Não sabe ao certo de que forma, mas essa informação ainda pode ser importante para as investigações...
E assim, a madrugada chega com pensamentos assaltando a mente do advogado. Enquanto isto, Laura dorme. Edgar contempla a esposa e reflete sobre o que fazer... Quando finalmente consegue adormecer, tem um sono agitado A noite passa... A manhã do novo dia chega com o sol matizando o céu de várias nuances alaranjadas... O advogado levanta-se cedo... Faz a toilette e desce para a sala de refeições... Laura ao despertar dá por falta do marido... Também arruma-se e vai em direção do andar inferior...
Laura: Bom dia...
Edgar: Bom dia..
Laura: Amor... ainda está zangado?
Edgar: Eu nunca estive zangado.. Estou sim preocupado... E tomei uma decisão
Laura: Você não pode tomar decisões por mim!
Edgar: Escuta antes, por favor...
Laura: Está bem... fala...
Edgar: Você vai escrever essa matéria... sei que é importante para você...
Laura: Sabia que entenderia...
Edgr: Com algumas condições: primeira... quem vai procurar mais informações sou eu.... Tenho contatos no senado... Com o tempo você também terá os seus... mas no momento... isso fica por minha conta...
Laura: Mas aí a matéria será sua...
Edgar: Não... pois quem vai dissertar sobre a denúncia vai ser você!
Laura: Certo...
Edgar: E segunda... e mais importante... vou te propor algo... Escreva com outro pseudonimo!... Crie outro nome... como uma forma de precaução... Assim, mesmo com a revelação de que você é o Paulo Lima vai estar protegida no caso dessa matéria em particular
Laura: Amor.. mas assim um desconhecido será responsável por uma denúncia seríssima...
Edgar: Sim... como o Antonio Ferreira no momento que escreveu a primeira vez sobre a Revolta da Chibata... e o Paulo Lima... quando mandou o artigo defendendo o espetáculo da Isabel... Matérias importantes... escritas por desconhecidos... Só que neste caso... o jornalista criado terá vida curta... Será usado somente neste artigo... A menos que um dia seja necessário novamente... E então, o que me diz?
Laura: Você é incrível Edgar Vieira!... Pensou em tudo... Eu te amo!
Edgar (sério): Eu também... Isso é um sim?
Laura : Sim
Edgar (levantando): Ótimo... Então estamos conversados... e agora preciso ir... Tenho que ajudar a Filipa na tecelagem...
Laura (levantando e ficando parada perto da cadeira): Será que mesmo eu concordando com você não ganho um mísero beijinho?
Edgar (envolvendo a cintura da esposa): Só um beijinho? Certeza?
Laura: Sim.. só um... assim (dando um selinho no marido)
Edgar: Hum... pensei que queria um assim (beijando Laura levemente a aprofundando e aumentando a intensidade aos poucos)
Laura (sorrindo): É... melhorou...
Edgar: Ah... é assim? Está bem... se não está bom... não beijo mais...
Laura: Não...está bom sim... (devolvendo uma série de beijinhos) Não consigo ficar sem seus beijos...
Edgar: E eu não consigo ficar sem você (dando um novo beijo) Bom dia
Laura: Bom dia
Assim que a professora vê o marido fechar a porta e sair em direção a tecelagem, onde outro dia atribulado espera pelo advogado, Laura também começa a realizar as tarefas que programou para seu dia. Neste interím, na casa da Rua dos Ipês, Catarina está na sala de refeições esperando o desjejum com certa impaciência...Folheia uma revista... Até que a empregada surge finalmente trazendo um bule com café e pronta para servir a cantora lírica....
Catarina: Já não era sem tempo! Pela demora achei que tinha ido colher os grãos para fazer o café...
Empregada: Desculpe senhora!... A lavadeira me distraiu quando veio entregar as roupas... me contou que prenderam um sujeito que tinha fugido de onde ela mora...
Catarina: Assuntos de lavadeiras não me interessam!...
Empregada: Isso não tornará a se repetir...
Catarina: Pode se retirar!... (fazendo uma pausa) Espere... onde mesmo a lavadeira mora?
Empregada: No morro da Providência... Parece que o tal fugitivo colocou fogo numa escola...
Catarina (nervosa): E você fica perdendo tempo com um assunto sem importância nenhuma! Saia daqui sua incompetente... e da próxima vez lhe ponho no olho da rua!
Assim que a empregada sai, a cantora lírica poe-se de pé e agitada anda pela sala... Caniço fora preso!... Logo o mulato vai acabar entregando o serviço!... Precisa antecipar seus planos... Não haverá tempo para esperar o próximo navio para a Europa... Precisa partir do Rio de Janeiro... Sobe para seu quarto e enquanto prepara uma pequena valise, pensa em como e para onde fugir...mas antes... tem algo a fazer...