Laura

Welcome Home, Daugther*


Sleep don’t visit, so I choke on sun

And the days blur into one.

And the backs of my eyes hum,

With the things I’ve never done.

ANTES,

Acampamento Éden.

Dia número 22... droga, ainda nem fazia um mês e Laura já não estava mais suportando.

— Que droga.

Era mais uma noite sem dormir; mais uma noite com pesadelos.

Saiu da tenda na esperança de tomar um ar fresco quando percebeu que a clareira não estava vazia, o marido de Grace estava sentado sobre a grama observando o céu e... ah não, ele a viu... e estava acenando. Perfeito.

Okay, só seja legal.

Faça-me rir. Logan respondeu em sua cabeça.

— Não consegue dormir? – Ela perguntou, sentando-se ao lado do homem. Não lembrava nem mesmo qual era o nome dele e honestamente? Não se importava.

— Gosto de observar as estrelas. Eu conheço cada uma das constelações. Estou esperando a Megan crescer mais um pouco para poder ensinar a ela.

— O que são constelações?

Ele riu, talvez achasse que ela estivesse brincando. Laura o deixou pensar que sim.

— Então... quando começou?

— Quando começou o que?

— A ansiedade.

— Ansiedade? – Laura franziu o cenho. – Eu não... não tenho ansiedade.

— Oh?

— Não tenho.

Ele não parecia convencido, mas deu de ombros. – Bom, eu tenho.

— É?

— Sim.

— E como é?

— Ah, depende de pessoa pra pessoa. Os sintomas... geralmente são ativados por um momento ou uma palavra chave.

— Um gatilho.

— Isso.

Houve um momento de silêncio.

Eles vão... con-continuar vindo...

— Como é pra você? – Laura perguntou, talvez mais alto que o necessário, mas louca para ocupar sua mente com alguma coisa, qualquer outra coisa.

— Futuro, sempre o futuro... preocupação demais sabe? A impotência, o pânico... a sua mente consegue captar apenas um infinito de nada, o que causa a paralisia, ou um infinito de coisa ruim, o que causa a agitação; o coração acelera e apesar de estar com raiva, talvez muita raiva, isso dá medo também. Muito medo. – Ele contou. – Eu estava em um estado horrível quando encontrei a Grace. Ela me ajudou muito, a ser mais frio, mais centrado... não acho que conseguiria viver sem ela. É muito mais fácil controlar quando se tem alguém, ou algo, para se agarrar.

Laura assentiu, levando a mão para o pescoço. A dogtag de seu pai era o que a ajudava a manter o resto de sua sanidade.

— Ainda acha que não tem?

— Não.

— Claro que não, afinal uma das causas é estresse pós-traumático. – Ele a espiou pelo canto. – Que bom que você não passou por nenhum, não é mesmo?

— Vem cá, e qual o seu nome mesmo?

— Erik, o Vermelho. – se apresentou dando de ombros. – Só Erik.

A mexicana assentiu, fazendo questão de guardar o nome em sua mente dessa vez.

— E você... X-23?

— Não.

— Oh?

Laura.

AGORA,

Instituto Xavier.

Dia número 1... e ainda inacreditável.

Depois de tanto tempo deslumbrada, ela caiu no sono por volta das duas da manhã, os pensamentos calmos e distantes.

Céus, as coisas mudaram muito em algumas horas. Isso era bom, certo?

O quarto que ela dividia com Delilah e Tamara era confortável e simples e, de um modo surpreendente, familiar. Como era possível? Laura pensou ao acordar com leves raios de sol sobre seus olhos, que ultrapassavam a cortina da janela. Não podia acreditar em sua própria sorte. Não importava o que Rictor havia dito, eles não precisavam mais fugir, eles estavam seguros, todos eles-

Nem todos.

— Precisamos tomar banho? – Delilah perguntou quando acordou. – Eu estou tão fresquinha...

— E cheia de remela! – Tamara atirou-lhe um travesseiro.

— Ora, é só lavar o rosto!

— Que nem os meninos fazem?

— Os meninos tomaram banho. – Laura disse, sem sair da cama.

— Super audição? – Delilah perguntou e Laura assentiu. – Por que você tem os melhores poderes?

— Acha isso legal? Eu queria poder congelar as pessoas com a minha respiração.

— Acho que você consegue fazer isso com o olhar.

— Bom, eu não sei vocês, mas eu vou. – Tamara as interrompeu, passando com uma toalha em mãos. – Passei muito tempo sem ter o privilégio de um chuveiro.

Delilah rolou os olhos, saindo do quarto de pijamas mesmo. Sozinha no quarto, Laura suspirou, Jackson teria gostado do Instituto... ele sempre foi o mais cuidadoso, tão higiênico, sempre com uma caixa de primeiros socorros por perto-

— e morto com um impacto no pescoço.

Laura fechou os olhos, ignorando a ardência que os perseguia.

Quando finalmente saiu do quarto, Laura deixou-se guiar por suas habilidades, ignorando a bagunça que seus amigos faziam na cozinha e andando pelos corredores a fim. Podia sentir o cheiro de seu pai, ainda era o mesmo cheiro, e se ela se concentrasse bem, poderia ouvir seu coração.

Parada em frente ao que ela supôs ser o quarto dele, Laura respirou fundo e tocou a corrente em seu pescoço, esperando ganhar coragem para bater quando-

— Se perdeu?

Scott Summers.

O líder dos X-men estava falando com ela. Ele era real, assim como Charles, assim como Magneto, assim como seu pai.

— Não.

Respire, Laura.

— Você dormiu bem? – Ele perguntou e ela assentiu. – Suas amigas estão te procurando.

Laura assentiu novamente, voltando a encarar a porta.

— Ei. – Scott estendeu a mão. – Vem, eu te levo pra cozinha.

Ela queria contraria-lo, mas depois da conversa que ela e seu pai tiveram no dia anterior, talvez fosse melhor esperar mais um pouco.

Quando chegaram a cozinha, se assustaram com os garotos brigando sobre um bolo recém-saído do forno.

— O que foi que eu falei?! Está quente! Sirvam um pouco de café que eu esfrio os pedaços.

— Geleia!

— Mas ‘tá tão gostoso assim! – Bobby reclamou, esticando o braço. Siryn o estapeou.

— Quando der dor de barriga, vai reclamar a quem?! A mim?!

— Tempestade, – Scott chamou a única X-man presente. – precisa de ajuda?

— Acredite ou não, Siryn consegue se virar muito bem. – a mulher respondeu com os olhos arregalados.

Laura os deixou na porta, se aproximando da mesa.

— Já que meus poderes são, ahem, – Tomás tossiu, ansioso. – quentes, não acho que vá fazer mal pra mim.

— Fique quietinho aí, mocinho.

— Quero geleia! – Wanda falava insistentemente.

— Agora não. – Siryn falou novamente. – Alguém aí viu a Ariel?

— Ela voltou pro quarto, posso ir busca-la. – Tempestade se ofereceu.

— Geleia, geleia!

— Certo, obrigada- Tomás! Eu já falei que não.

— Delilah, ajuda aqui. – A garota assoprou, e o bolo quente gelou na mesa. – Opa, não tanto né! – Tomás puxou a bandeja.

— Foi mal.

— Geleeeeeeeia!

— Lance, pega a geleia pra ela por favor.

— Toma, – Tamara estendeu para Laura um sanduíche. – Experimenta.

Ela provou, arregalando os olhos com o sabor.

— O que tem aqui?!

— Queijo, presunto, e essa coisinha aqui chamada orégano.

— Como uma coisa tão pequena faz tanta diferença?!

— Não sei, tento descobrir isso desde que conheci você. – Tamara brincou.

— Siryn, onde está a Megan? – Laura ouviu Scott perguntar.

— É, faz tempo que não a vejo.

— Achei melhor que ela comesse no quarto, está muito agitado aqui. – a senhora respondeu, fazendo Laura franzir o cenho. – Ela precisa ficar sozinha.

A mexicana assentiu-

— apesar de que se isolar nunca era a melhor opção... uma parte sua pensou, mas talvez ela só estivesse sendo hipócrita. Certo, pai?

Incomodada com o silêncio em sua cabeça, Laura voltou sua atenção para a comida.

— Bom dia! – a voz de Charles escoou na cozinha, Erik ao seu enlaço.

— Oh, bom dia Professor.

Buenos días, abuelo!

— Bom dia, querida.

— Quer café?

— Não, obrigado Siryn, Erik e eu já comemos... Vocês dormiram bem?

— As camas são bem confortáveis, obrigado Professor. – Joey disse e Lance assentiu.

— É, são bem melhores que redes!

— Hey! Eu gostava das redes. – Joey retrucou.

— Elas me deixavam enjoado.

— Lance, você é enjoado.

As crianças riram e Siryn balançou a cabeça.

— Tá bom, chega de bullying.

— Viemos pra avisar que mais tarde vamos fazer uma avaliação.

— Que tipo de avaliação? – Rictor ergueu a cabeça.

— Eu não vou tirar sangue! – Delilah exclamou.

— Não Delilah, é uma avaliação escolar. – Charles explicou.

— Aaah.

— Por falar nisso, Scott, você falou com Jean sobre os livros desse ano?

— Ainda não, mas posso ver isso agora.

— Sim, por favor.

Quando o X-man saiu, Charles tocou o ombro de Laura suavemente.

— Sim?

— Eu pensei em começar com você nas avaliações. – ele disse em um tom baixo, apenas para ela.

— Comigo?

— Sim, depois que Kurt mostrar a casa pra vocês, eu... eu gostaria de conversar com você.

— Hank tem algumas provas que podemos usar, vimos que a marca de Q.I. de vocês é- – Erik desviou os olhos, finalmente percebendo a cena que acontecia atrás de Siryn. – O que ela ‘tá fazendo?

A senhora virou-se, assustando-se ao ver uma Wanda tentando escalar a prateleira.

Menina! — ela a abraçou por trás, colocando-a no chão. – Que furicutico todo é esse, pelo amor de Deus.

— Mas eu como geleia de manhã!

— Hoje não, come outra coisa-

— Deixa comigo, Siryn. – Erik se intrometeu rápido. – Frutas vermelhas não é?

— Sim! É a minha favorita!

— É claro que é.

Laura mastigou seu sanduíche, sendo a única a observar os movimentos do mutante. Erik fez questão de se abaixar e colocar a menina sentada sobre a mesa, abrindo o tão esperado pote de geleia com facilidade, e a fazendo a bater palmas em animação. A luz da manhã fazia os olhos dele brilharem, os sorrisos de ambos tão naturais... familiares até; como era possível? Se conheciam há menos de dois dias e já estavam...

Fitou Charles séria.

— Cadê o meu pai?

— Ele... ainda não acordou, eu acho. – Charles disse, mas Laura sabia. – Não se preocupe, ele vai descer logo.

— Humrum.

Laura duvidava muito.

Do outro lado da mesa, Rictor a encarava. Laura o encarou de volta. Babaca, ela sabia exatamente o que ele estava pensando e não estava gostando nada.

Você sabe que eu estou certo.

Sobre seu pai? Sobre não serem capazes de se encaixar? Sobre viver?!

Experimenta dizer isso em voz alta.

BABACA!

Ele finalmente desviou o olhar e Laura sorriu triunfante.

— Opa! – uma voz elétrica surgiu na cozinha do nada. – O café saiu mais cedo hoje hein? Quanta coisa deliciosa, com licença...

— Peter! – Erik chamou, antes que o rapaz se mandasse correndo novamente. – Vem cá.

O jovem enrolou-se com os pãezinhos que segurava e se aproximou.

— Diz aí.

— Eu queria que você a conhecesse, esta é a Wanda.

— Oi.

— E aí. – Peter sorriu e apertou os olhos. – Engraçado, você...

— O que?

O velocista franziu o cenho, buscando respostas em um Erik que se mantinha sem expressão.

— Sei lá. – ele riu, balançando a cabeça. – Você... me lembrou... Esquece, nada.

— Sabia que meu irmão era que nem você?

— Oh? Sério? Bonito, velocista e com um cabelo legal?

— É. – Wanda riu.

— Tem certeza? Eu sou produto único, é sério. Tem garotas que morreriam só de me tocar.

Peter. – Erik riu.

— O que? Eu não estou mentindo.

— Que besteira, aqui! Te toquei e nada aconteceu. – Wanda cruzou os braços. Peter riu e parou de repente, arregalados os olhos e paralisando.

— Ah não!

— O que foi? – Erik preocupou-se.

— Ela... ela acordou... o monstro das cosquinhas! Aaaaaargh!

Wanda gritou, gargalhando enquanto Peter a agarrava, os dois dando voltas pela cozinha. O olhar de Erik caiu sobre Laura e ela rolou os olhos; o grande vilão de seus quadrinhos tinha filhos ignorantes, e por causa deles, ele estava derretido como manteiga. Inacreditável.

Tolamente, pensou em Logan a olhando daquela forma só uma vez. Só para ela saber a sensação.

Paciência, Laura.

Algum tempo depois do café da manhã, Noturno apareceu para guia-los pela Mansão. Ele contou como alguns alunos tinham medo de sua aparência e por isso achava que ia ser fácil ensina-los.

— Vocês não me encaram, – ele dizia tímido. – acho que vão conseguir prestar mais atenção no assunto. Vão ser bons alunos, eu sei disso.

— Já vimos coisa muito pior que você, azulão. – Lance falou, fazendo Joey o empurrar. –Hey!

Obrigada, sr. Kurt. – Laura falou. – O sr. sempre foi um dos meus preferidos.

— O meu também! – Gideon sorriu e os três trocaram um high five.

O lugar era realmente como um castelo, como nas histórias que ela encontrou na livraria, mas surpreendentemente moderno.

— Oh, prestem atenção. – o X-man parou, gesticulando – Podem encontrar algumas madeiras ocas pelas paredes na ala leste, são passagens secretas para túneis.

— Túneis? – Rictor perguntou.

— Eles levam para a floresta por trás da Mansão.

— E por que?

— Bom, o Professor não espera que elas sejam usadas, é claro, mas precisamos ter precaução.

Eles continuaram a seguir em frente, mas Rictor parou, olhando para Laura com uma carranca.

— Para de me olhar assim.

— Assim como?

— Como se quisesse arrancar a minha cabeça.

— Desculpe, é que meu rosto funciona assim. – Laura sorriu, dando-lhe às costas e o deixando para trás.

Noturno os levou até os jardins em seguida, e nada podia preparar Laura para uma visão como aquela: árvores por todos os lados, enorme e iluminado e verde; como o vale, e como a própria natureza viva... E o céu, azul e limpo, lindo; como os olhos de Charles Xavier, como esperança.

April teria amado este lugar... Ela teria o chamado de-

Laura respirou o ar puro e sentiu.

Éden.

E era real.

Um som de motor a tirou de seus pensamentos de modo súbito, todos virando a cabeça em direção a pequena estrada de pedras que havia mais à frente. Um ônibus percorria o caminho até as portas da mansão, e mesmo de longe, o veículo parecia quase balançar com a energia animada dos alunos que estavam de volta.

— Acho que deveríamos ir até lá, né. – Gideon falou ao seu lado e Laura piscou.

— O que?

Foi então que percebeu o quão para trás ela já estava. Mesmo hesitantes, seus amigos acompanhavam Kurt ansiosos.

Oh.

— Gente nova pra conhecer, vai ser legal.

— É. Legal.

— Vamos? – ele estendeu a mão e Laura sentiu o coração acelerar.

— Eu... eu tenho que fazer uma prova. – a garota disse, lembrando-se. – Charles disse que eu seria a primeira.

— Oh. Certo.

— Certo. – Laura concordou. – Te vejo depois.

Forçando-se a andar, a mexicana ignorou o formigamento em seus pés e tomou a direção contrária, entrando pela parte de trás da Mansão, atravessando a cozinha e indo até o escritório.

Sob o olhar cuidadoso de Charles, ela se esforçou para responder as questões do teste.

— Achei que fosse querer conhecer os outros primeiro.

— O senhor é mais importante.

— Ainda assim, nenhuma criança gosta de provas.

Oh, mas Stephen amava quando as provas eram por escrito, Laura lembrava.

— Algumas que sim.

— Você é uma delas?

— Eu terminei. – ela concluiu, afastando a folha da mesa.

Charles ergueu as sobrancelhas, mas Laura nada disse. Com cuidado, ele começou a analisar suas respostas.

— É a sua matéria preferida?

— Preferida, como assim?

— É que você... gabaritou todas as perguntas, parabéns.

— Hum.

— Então, qual é?

— Qual é o que?

— A sua matéria preferida.

Laura suspirou, por um longo momento o ignorando e fitando o relógio na mesa.

— Isso não é muito justo. – Charles brincou, a fazendo rir porque, realmente, não era.

— Desculpa, vovô.

— Laura, quando quiser falar, eu vou ouvir. Não precisa ser agora.

A mexicana agoniou-se, massageando o pescoço. –É, eu sei, obrigada... é que...

Respirando fundo, ela revelou:

— É difícil conhecer rostos novos quando ainda estou de luto pelos antigos. – Laura disse, escolhendo as palavras com cuidado. – Você sabia que, a mais nova de nós não sobreviveu? O nome dela era Julie, ela foi uma das primeiras a ser atacada. Os soldados a encontraram no rio... ela estava lá para caçar vagalumes.

Perdida em lembranças, Laura continuou:

— Mira costumava levar ela nas costas porque ela cansava rápido... mas até isso não importa mais, porque a Mira morreu também.

— Laura-

— O que eu quero mesmo dizer é que, eu sei que aqui é seguro. Eu confio em você, – ela continuou dizendo. – Mas quando eu vi o ônibus, eu entrei em pânico. Eu não sei como me aproximar das pessoas, toda vez que eu faço isso, elas se machucam.

As sobrancelhas do Professor haviam suavizado e os lábios dele pressionados, havia um leve tremor em seu olho direito, e apesar de ser uma expressão um tanto diferente naquele rosto mais jovem, era uma expressão que ela conhecia bem.

Não tenha pena de mim. – no outro universo, ela respondeu a mesma coisa quando o velho Charles Xavier havia lhe olhada daquela forma.

Não, não pena.

— Hum.

— É que eu... sinto muito pelo modo que vocês viveram, eu sinto mesmo.

Eu sinto ainda mais pelos pobres soldados que se meterem no nosso caminho novamente, Laura quis dizer, mas se conteve. Aquelas palavras eram de Rictor e ela morreria antes de admitir que ele estava certo.

Houve um momento, e ela disse:

— História.

— O que?

— A sua pergunta. Eu... eu gosto de História.

— É mesmo? – seu tom era surpreso.

— Foi estudando História que eu comecei a... raciocinar, eu acho. Falava muito sobre a guerra, e pra quê tanta guerra, afinal? Os cientistas nos entregavam tantos testes de matemática para resolver... química também... era bastante...

— Militar?

— Isso.

O que vai fazer se seu alvo fugir para localidades civis?

Quantos minutos são necessários para sufocar alguém?

Como vai eliminar seus inimigos sem um plano de ataque?!

— Enfim, – ela balançou a cabeça. Em que turma eu vou ficar?

— Bom... pela sua idade, o certo seria o sexto ano.

— Hum.

— Mas pela nota que você conseguiu, vou ter que te colocar no sétimo... pelo menos, como primeira experiência.

Houveram batidas na porta e Jean e Scott entraram.

— Scott e eu conseguimos mais materiais escolares e roupas. – Jean sorriu orgulhosa. – Oi Laura.

— Oi.

— Scott, e quanto aos cadernos?

— Encontramos uma caixa na biblioteca.

— Que ótimo.

— E em que turma a baixinha vai ficar? – Scott perguntou. – Posso ir separando o material.

— Decidi colocá-la no sétimo ano. Apesar da idade, ela é bem inteligente. – Charles respondeu, seu tom de voz fazendo as bochechas de Laura esquentarem. – Ela me lembra um pouco você, Jean.

— Eu me lembraria se eu fosse tão fofa. – Jean falou. – Quantos anos você tem, querida? Onze?

— Ah, cento e quarenta e dois meses, eu acho...

Jean assentiu, seu sorriso falhando. O trio trocou olhares e Laura franziu o cenho.

— O que?

— Você tem doze anos, querida. – Charles respondeu suave.

— Eu sei...? – ela trocou olhares entre os dois, ainda confusa.

— Tudo bem, enfim, – Scott tossiu. – sobre a aula de astronomia amanhã, Charles eu estava pensando em iniciar outro conteúdo, esses livros novos são muito vagos...

— Você acha?

— Sim...

As vozes dos adultos se tornaram distantes e o olhar de Laura descansou sobre a janela, onde o sol já batia alto no céu.

Ela poderia ouvir sapatos batendo contra os degraus da escada; risadas ecoando pelos corredores, o sotaque espanhol tímido de seus amigos; os zíperes das malas nos quartos, todas as portas abertas...

Menos uma.

Laura fitou o relógio na mesa.

...já passava do meio dia e ele ainda estava trancado, o que estava fazendo afinal? Tricotando? Ou talvez ele tivesse morrido lá dentro... isso sim seria hilário.

Estava tão perdida em pensamentos que só ouviu seu nome ser chamado depois de algumas insistências.

— O que?

— Quero te apresentar pros outros, vamos? – Scott perguntou.

Conte até dez, Laura.

— Ah.

— Você vem?

— Claro, eu só- – Laura se levantou, e parou.

— Laura? – Charles falou, seu tom preocupado.

— Cadê o meu pai?

Tudo pareceu silenciar de repente.

— Ele está me evitando né? – Laura continuou, sem se abalar. – Eu devia saber, ele tentou fazer a mesma coisa antes...

(In)felizmente, as circunstâncias de antes haviam os forçado a dividirem o mesmo espaço por muito tempo. A Mansão era enorme, e os jardins então... Laura se perguntou como faria para se manter perto...

— É difícil pra ele, querida. – Charles tentou, mas Laura deu de ombros, dando-lhe as costas pela primeira vez.

— Que seja.

Quando a garota saiu, eles suspiraram em conjunto.

— Chega. Eu vou acabar com isso e é agora. – Jean se levantou determinada.

— Hey, o que vai fazer? – Scott a segurou.

— Não vou deixar o Logan partir o coração dessa garota.

— ...que é filha dele.

— Scott!

— Olha, estamos fazendo o máximo que podemos, não estamos? As crianças tem o que comer, o que vestir, e nesse exato momento estão fazendo amizades com os outros, se enturmando!

— Laura não está!

— É o primeiro dia dela-

— Muita coisa acontece em primeiros dias, você sabe-

— Jean, eu quero dizer que é normal dela estar nervosa!

— Não é nervosismo Scott, Laura tem traumas! Ela precisa que alguém a escute, que lhe dê conselhos.

— Mas era exatamente isso o que o Professor estava fazendo!

— Ela precisa do pai!

— Logan não precisa da Laura agora.

— Eu não acredito que estou escutando isso de você!

— Ele está certo, Jean. – Charles os interrompeu, deixando a ruiva boquiaberta.

— Como é?

— Me preocupo com a Laura, me preocupo mesmo, mas Logan... – o telepata suspirou. – você sabe como ele pode ser...

— Ele sempre fugiu dos problemas. – Scott disse, e a mulher retrucou imediatamente:

— Laura não é um problema.

— Não é como Logan a enxerga. – Charles continuou. – E se ele se sentir pressionado a cuidar da Laura agora, ele pode se assustar e aí... aí sim teríamos uma garota de coração partido.

Seus pés marchavam fortemente contra o piso. Seus instintos a guiavam pelos corredores silenciosos, tudo que Laura queria no momento era chegar em seu quarto e se trancar pelo resto da tarde e que se dane o almoço, não era só a comida que a mantinha viva. Afinal, se seu pai conseguia, ela também. Eles tinham o mesmo gene, ele querendo ou não.

Dios mio. – Ela murmurou em frustração. A escada principal estava lotada de rostos desconhecidos. – Ya no sucederá.

Sem hesitar, Laura se afastou da multidão, andando sem rumo pelo corredor.

Já estava bem longe quando sentiu as mãos suarem, o coração batendo forte contra o peito, céus, nem mesmo em batalha a adrenalina era tão grande.

Arfante, Laura fechou a boca e prendeu a respiração. Encostou as costas contra a parede-

E se tivesse a madeira estivesse partida, as pontas contra a sua carne? A dor seria excruciante, talvez pior do que os tiros, talvez-

Laura, então essa é a sensação?

— e escorregando até o chão, ela fechou os olhos.

Tinha muitas pessoas aqui, o jardim era grande, mas o vale também era, a Mansão estava cheia, vozes altas e pessoas demais... eles deviam ficar quietos o que estavam fazendo? Quantos mais pessoas, maior será a dor, eles não querem se proteger Laura, o que você vai fazer vai falar com o Rictor isso não pode acontecer novamente cala a boca garota inútil X-23 ESTOU TE DANDO UMA ORDEM! Pai, por favor, fale comigo.

— Ei garota, respira.

O ar voltou a preencher seus pulmões e Laura piscou, sentindo as lágrimas finalmente descerem por sua bochecha. Sua cabeça parou de girar, mas por um rápido instante, a sombra de Erik Lehnsherr a confundiu.

— ‘Tá comigo? – Erik notou seu olhar e franziu o cenho.

— Sim.

— Que bom.

O mutante sentou-se no chão ao seu lado e eles ficaram em silêncio por um momento.

— Está bem mesmo?

— Eu pensei... pensei que você... – a garota engoliu o choro, trêmula. – Eu pensei que você fosse o meu pai.

Aaah. Bom, não está sendo fácil pra ele.

— Não está sendo fácil pra mim. – ela cuspiu, pois com Erik Lehnsherr ela podia ser rude, ela não precisava ficar escolhendo as palavras como fazia na presença de Charles Xavier. – Quem ele pensa que é? Salvei a vida dele! Olha só o que ganho. Muito bem, Laura! Não pense com o coração da próxima vez.

Erik a ouviu, em silêncio, e passou-se um longo momento antes que ele a respondesse: – Você não é a única com marcas.

— Não tenho marcas. Eu me regenero.

— Ha ha, muito engraçado. – ele rolou os olhos, mas Laura franziu o cenho, ela não estava tentando ser engraçada. – Fisicamente não, mas todos temos marcas... elas moldam a nossa personalidade e a nossa compaixão. A única diferença entre Logan, você e eu... é que a minha não pode se regenerar. – ele terminou com um tom vago, tocando o próprio braço.

Laura ignorou o ato, perguntando:

— E como você faz? Pra esquecer a dor, pra ser normal, como?

— Não faço. – ele a encarou e sorriu. – Por isso eu sou o vilão.

Quase contra a sua vontade, ela riu, balançando a cabeça. Conversar com Erik era fácil assim.

— Mas você tenta, não tenta? Esquecer, eu digo.

— É... eu tenho esse jogo na minha cabeça, não tenho certeza quando comecei. – ela apontou para a própria testa. – São passos para seguir.

— Que passos?

— Respirar, esperar e contar.

— Funciona?

— Na maioria das vezes.

— Mas não hoje.

— Não, não hoje. – Laura riu novamente, mordendo o lábio. – Eu poderia culpar a chegada dos alunos... ou a falta do meu pai... mas o problema é mesmo comigo, eu não me preparei pra esse momento. Eu nunca sei me preparar. Talvez se eu tivesse antes, meus amigos que morreram poderiam estar...

A voz dela quebrou e Erik lhe cutucou com o ombro.

— Ei, não é tarde demais pra se preparar, X-23. — ele disse. – Você se foca demais no passado,

Laura...

— Está na hora de olhar para o futuro.

— Mas eu tentei fazer isso uma vez, não deu certo.

— É, você caiu, mas... olha, não tem maneira fácil de dizer isso para uma criança, mesmo que a criança seja você, sem ofensas, – Laura franziu o cenho e ele quase riu. – Você vai cair de novo Laura, e vai doer mais, e o pior é que isso vai acontecer sempre, é a vida. O que você tem que fazer agora é se levantar, e de novo, e de novo, e quantas vezes necessário. Faça o seu jogo mental. Respire fundo, espere com paciência, conte até dez... e se prepare.

— Para o que?

Ele abriu a boca, a garota se inclinou em antecipação e-

— Vai saber quando chegar a hora.

Laura piscou.

— É sério, é?

Erik riu, se levantando e lhe estendendo a mão. – Não posso seduzir uma criança para o lado sombrio, Charles nunca iria me perdoar.

— Não faço ideia do que isso significa.

— Bom... Meu filho Peter vai amar mostrar isso pra você, hoje é noite dos filmes.

— Oh, eu já assisti um! Uma vez. Há muito tempo...

— Ei, ei, – ele a cutucou. – O que eu falei? Nada de se perder no passado novamente.

Laura assentiu, e Erik disse suavemente:

— E mais uma coisa, ele é bem diferente do seu Logan tá?

— Não me diga.

— Não, é sério. Eles podem ser a mesma pessoa, mas não são o mesmo homem.

— Que nem a Wanda? – Laura desafiou, na defensiva.

— Não.

— Hum?

— A Wanda não é um homem.

Mais uma vez, contra a sua vontade, ele conseguiu lhe arrancar um sorriso.

— Mas o que eu quero dizer, é que o primeiro passo é aceitar. A minha Nina, e o seu Logan, estão refletidos na Wanda e no Wolverine. Eles são o nosso milagre, a nossa segunda chance. Está tudo bem aceitar isso.

— Eu aceito isso.

— Aceita mesmo?

— Claro! – Laura exclamou. – Eu entendo o que está acontecendo, eu sei que eles não são a mesma pessoa-

— Homem.

— O que?!

— Eles são a mesma pessoa, mas não o mesmo homem.

Laura rolou os olhos, o que raios ele queria dizer?

— Tanto faz, o papai que está me ignorando!

— Olha, ele não vai conseguir ignorar os sinais por muito tempo tá bom?

— Que sinais?!

Erik suspirou, se agachando na altura dela para olha-la bem nos olhos.

— Os sinais de que, por cima de toda essa ansiedade e por baixo de todo esse impulso animal, há um coração que vai aprender a superar qualquer marca, – Erik disse, tocando a dog tag em seu pescoço. – é esse mesmo coração que há no Wolverine, você tem o sangue dele, o espírito dele,

Você é a filha de seu pai.

Heal the scars from off my back

I don’t need them anymore.

I’ve come home.