Last Chance

Meu nome é Jason Todd


THEA QUEEN

Vou ficar na prefeitura e perder toda a diversão da primeira noite do Arqueiro Prodígio nas ruas. E por não conseguir conter meu estado contrariado de espírito com esse fato, Oliver tem um sorriso irritante enquanto assina um monte de papeis em sua mesa. Me obrigo a focar no trabalho e é ainda mais irritante como tenho dificuldade em fazer isso.

—Não podemos acompanhar nem pelos comunicadores? -peço me inclinando em sua direção, Oliver não me olha, é esperto demais para fazer isso quando tem que me dizer não. -Saco.

—Você deixou de ser a Speed. -me lembra com uma satisfação que só um irmão determinado a ser irritante pode ter.

—Claro, claro. -cruzo meus braços e deixo meu corpo tombar na cadeira.

—A ideia é eu ser o prefeito, ele o arqueiro. -a serenidade dele me deixa ainda mais possessa.

—Não quero voltar, só estou morrendo de curiosidade. -assumo. -Eu o vi treinar na última semana, o cara tem um ar psicopata inegável, me lembra o Capuz, sua primeira versão. -Ollie ergue os olhos, com os lábios firmemente franzidos. Não gostou do comentário, mas o que posso fazer contra a verdade?

—Felicity me disse que vai liberar as escutas que o FBI implantou em meu gabinete. -muda de assunto. -Vamos passar a falar sobre problemas da cidade, ou momentos nostálgicos de nossa infância enquanto estivermos por aqui.

—Espero que tudo ocorra bem dessa vez. -olho através dele, para a janela de vidro em suas costas. -Star City precisa do Arqueiro Verde, tanto quanto precisa de Oliver Queen.

—E eu preciso manter vocês a salvo. -acrescenta com os olhos no trabalho, mas sua voz é profunda, cheia de promessas. Dessas que mesmo sabendo que não deveria fazer, Ollie sempre se esforça ao máximo para cumprir.

—Nós podemos nos cuidar. -o asseguro, tentando aliviar um pouco do peso em seus ombros. -Mas Will precisa que se empenhe em fazer todo o circo dar certo. -pondero com meus pensamentos agora em algo muito mais importante, a segurança do meu sobrinho.

FELICITY SMOAK

Eu observo Selina, em uma cadeira ao meu lado na caverna. Seus olhos verdes de gata estavam distantes e cheios de pensamentos ocultos. Seu corpo por outro lado parece ter recuperado o que seu emocional não vai fazer tão cedo. Nissa a trouxe e me disse para não piscar se possível, ou seria o tempo necessário para a mulher desaparecer e eu seria responsável. Claro que a parte da ameaça foi mais por diversão, mas passei a conhecer o Jason o bastante para temer que algo aconteça a sua madrasta, ele gosta bastante de minha inusitada amiga, e mesmo agora que passei a perceber certa doçura em seu jeito turrão, ainda tem o ar psicopata que me dá calafrios.

—Lindona, sabe que não é para levar a Irmã-da-Coisa-Ruim ao pé da letra, não sabe? -as palavras soam divertidas, mas todo o resto é depressivo ao extremo. Os olhos verdes de gato estavam apagados a algumas semanas, desde que bem, desde que aquilo aconteceu.

—Qual a sua história com essa irmã da Nissa? -questiono na tentativa de abordar um assunto seguro, parece funcionar. Um brilho fraco de entusiasmo passa pelo lindo e selvagem rosto de Selina.

—Não conhece a Encarnação do Diabo? -dou uma risada fraca.

—Não! -respondo em meio ao riso. -Mas a forma que fala dela, me faz pensar em meia dúzia de ex namoradas do Oliver. -assumo e a mulher dá de ombros, como se entendesse bem do que estou falando.

—Thália Al Ghul. -franze os lábios com desgosto ao pronunciar o nome. -Eu tenho certeza que estava no top Five do coisa ruim para gerar o ante Cristo, mas nunca seria capaz de se manter casta. -examina as unhas grandes e impecáveis. -Ela é a mãe do filho mais novo de Bruce, Damian. -mordo os lábios para não sorrir, depois de escutar toda a analogia apocalíptica dela. -Eu sei, eu sei. -deixa escapar um sorriso fraco, que não chega a seus olhos que guardam uma tristeza sufocante. -Damian tem melhorado ultimamente, mas confesso que já cogitei o que está pensando agora.

—Costuma se dar bem com eles? -mudo de posição na cadeira, um pouco mais interessada. Selina me olha, como se não entendesse a quem me referia. -Os filhos de Bruce. -explico. -Sou nova nisso de madrasta e sinceramente, comecei a te ver como uma espécie de mentora.

—Oh Deus! -ela dá risada. -Gata, não faça isso. Não sirvo de exemplo para nada, exceto um modelo acadêmico de como não ser na vida.

—Não posso concordar. -franzo a testa, procuro um pacote de balas que tinha no bolso e a ofereço uma, jogando outra em minha boca. -Qualquer uma que sobrevive a tanta coisa, é sim um exemplo. Mas vai lá, me dê uma luz nisso de ser parte da vida do filho de meu marido. -imploro e a vejo pensando a respeito.

—Não posso dizer que não me dou bem com eles. -respira fundo. -Damian e Tim são mais distantes, ainda assim sempre estariam por perto caso eu precisasse e visse versa.

—São os mais novos? -questiono e ela faz que sim.

—Jason é meu preferido, definitivamente. -sorri com uma expressão sapeca. -É o garoto problema e tem o relacionamento mais dificil com Bruce. Então de alguma forma passei a tomar partido dele antes mesmo de me dar conta disso. -confessa pensativa.

—Ele parece bem protetor com você. -comento e ela assente.

—É assim com todos, mas não curte que a gente repare. -avisa divertida. -Aquele moleque sofreu mais do que alguém deveria, e fico pensando se algum dia vai ser capaz de ter paz, só um pouquinho entende? -a tristeza em seus olhos parece ganhar um novo nível, eles se enchem de lágrimas por tudo o que vem contendo, vasculho minha mente, tentando pensar em algo que as retenha.

—Quanto ao mais velho? -minha pergunta a traz de volta do abismo em que parecia estar pulando de cabeça.

—Dick é fácil. -dá de ombros. -Ele me lembra o garoto maior do seu marido.

—Roy?

—Esse. -confirma. -Ele é calmo, com a cabeça sempre no lugar e leva os outros de forma que vive limpando as merdas que Bruce faz com a cabeça dos irmãos.

—Resumindo, ele é o bom filho. -concluo e ela concorda. -Isso não é nada parecido com o Roy. -confesso com um sorriso afetuoso. -Bom, não com o que ele era quando Oliver começou a treiná-lo. -agora é Selina quem se move interessada. -Ele era bem mais como Jason, cabeça quente e explosivo.

—Vou convencer Bruce a mandar os garotos para uma temporada com seu verdinho, se for esse o caso. -brinca. -Escutei que ele se sacrificou por Oliver. -balanço a cabeça confirmando.

—Roy é incrível. -percebo o quanto minhas palavras vem repletas de orgulho. -Se não tivesse parado, seria melhor que Oliver.

—Esse sentimento. -ela aponta para meu rosto. -É assim que os pequenos morcegos me fazem sentir, não são meus, não me sinto nada como uma mãe para eles. -ela leva as mãos ao ventre e vejo uma lágrima escapar, Selina não se preocupa com ela e entendo que é esse tipo de pessoa, que vai sentir o que quiser, sem esconder ou suprimir para o conforto de ninguém. Admirável. -Mas me importo o suficiente para ser torturada caso isso signifique a segurança de um deles.

—Sinto muito, querida. -sussurro, acariciando sua mão livre e vejo Bruce e Jason entrando com Roy na caverna.

Selina não se importa com eles, não tenta esconder as lágrimas, apenas continua exatamente como estava antes. Bruce nos observa e balanço a cabeça para que saiba que Selina está bem. O namorado, ou ex namorado, não consigo acompanhar o status de relacionamento dos dois, murmura um obrigado sem emitir som. Bruce trajava uma calça militar preta, com uma blusa de gola alta e manga cumprida da mesma cor e para minha surpresa, Roy aderiu o uniforme. Mas claro que ninguém pode ver tanto Batman quanto Arsenal na cidade, então é natural que saiam dessa forma.

Quando Jason sai vestido como o Arqueiro, até mesmo Selina se senta ereta na cadeira. Com o capuz a mascara e naquela distância, EU, não saberia dizer que não é o Oliver. Jason estava colhendo os frutos de todo o empenho quase obsessivo que teve em seu treinamento. Está parado da forma correta, segurando o arco em sua mão esquerda com seu peso apoiado na outra perna. É perfeito, talvez possa finalmente me permitir ter esperanças.

—Uau! -exclamo e vejo Selina secando suas lágrimas por minha visão periférica, está tão boquiaberta quanto eu.

—Cabeça quente, verde até que te cai bem. -elogia com voz de choro.

—Vou te arrumar uma dessas, com orelhas de gato. -brinca se aproximando de nós e vejo que sua barba está por fazer, como a de Oliver. -Então, esposa do verdadeiro? -abre os braços esperando o veredito.

—Não saberia dizer a diferença. -falo com sinceridade e ele esboça um pequeno sorriso, o primeiro que não me faz querer recuar.

—Se temos o selo Felicity de qualidade, podemos ir. -Roy chama e Jason lança um último olhar para Selina antes de o seguir. Nem mesmo vi quando foi que Bruce saiu.

—Parece que vai dar certo, garota do Arqueiro. -pisca para mim com empatia. -Seu garoto vai ficar seguro.

—Espero que sim... -um novo tipo de apreensão tem me tomado nos últimos meses, sempre que penso em William exposto com pessoas o caçando, algo em minha garganta se fecha e um temor sobre humano me toma.

—Não é um palpite Felicity. -Selina segura meu braço para que a olhe. -Todos estamos motivados em fazer isso, e conheço aqueles caras, podem ser grossos e babacas como ninguém mais no mundo consegue ser, mas se tem uma coisa que eles fazem é executar um plano a perfeição. E ter mais um na manga, caso o primeiro vá pelos ares! -nesse instante, me dou conta de que realmente gosto de Selina Kyle.

JASON

Arqueiros devem ter disciplina e paciência. O primeiro eu tenho, não tem como ter uma vida como a minha sem ser disciplinado, mas quanto a paciência, bom, nem antes de morrer essa palavra constava em meu dicionário, agora é o que faz com que me sinta um completo novato em campo. Mas Dias me deu uma motivação a mais, para que me esforce em busca da tal paciência que Roy vem martelando em minha cabeça. É só pensar em Selina sentada no quarto escuro, sem vontade de fazer nada que meu sangue ferve.

Lanço a primeira flecha que me levaria de um prédio a outro e vejo Roy e Bruce de onde estavam me monitorando, e John Diggle me espera no alto do prédio que pouso, em suas roupas de Espartano, o capacete desse cara também cobre todo seu rosto e por que infernos Thea só implica com o meu? Alias, por que isso me importa? Desculpe, a resposta nem é um mistério. A Arqueira mirim é só chatinha mesmo.

—Está indo bem. -John diz quando paro a seu lado.

—O que temos?

‘Parece que um assaltante tomou uma farmácia nos Glades e tem mantido cinco garotas como refém. A atendente, uma farmacêutica e três clientes.’ Felicity responde pelo comunicador e começo a correr ao lado de John.

Até mesmo a perna com a qual começo a correr eu precisei mudar, Oliver é metódico e chato em seus gestos, e as vezes poderia terminar algo com dois golpes, mas ele de forma irritante prefere minimizar os danos e distribuir sua força para que nada digamos, permanente aconteça com um bandido de rua qualquer. Preocupação essa que até Bruce deixa de lado dependendo do caso.

Meu instinto me manda ir por cima, procurar uma abertura no teto e fazer a entrada clássica de uma cria de morcego. Algo como uma súbita queda de energia e partiria para o combate, liberaria todos minutos depois. Mas o Arqueiro Verde procuraria uma entrada lateral, algo como uma janela, ou no caso dos reféns, uma abordagem silenciosa que os mantivesse em segurança.

—Vamos por trás. -digo a John Diggle que assente como se eu tivesse dado a resposta certa para um teste de geometria.

Respiro fundo, não tenho tanta segurança com o arco ainda, mas estamos na rua, preciso ser perfeito. Encaixo a flecha com precisão e miro no muro do prédio onde a farmácia fica. O Arco exige muita força braçal, depois de acabar esse serviço, vou adotá-lo como parte do meu treino, muito mais eficiente e divertido do que o supino.

—Muito bom. -Espartano elogia quando acerto o muro, a corda me puxa de imediato, me içando para o alto do outro prédio, ele surge ao meu lado, usando uma pistola com o gancho, como as que eu costumo usar. Já sinto falta de não ter que pensar tanto em campo.

‘Duas entradas.’ Felicity é tão eficiente como Babs ou Alfred costumam ser. ‘Vão encontrar a dos fundos na esquerda, e tem uma lateral que vai dar no armazém, tem quatro homens o saqueando nesse instante, enquanto oito estão espalhados na farmácia e cinco na entrada.’

‘Lidamos com os da entrada.’ Bruce diz pelo comunicador.

‘Ótimo.’ Novamente a voz de Felicity. ‘Nissa está a caminho, ela vai ajudar a evacuar os arredores e lidar com o veículo de fuga dos idiotas aí.’ Continua. ‘Não queremos ninguém na linha de fogo, ou aparecendo para comprar uma aspirina no último instante.’

—Vou por trás, Espartano lida com os capangas no armazém. -minha voz sai modificada pelo modulador, John assente e sai em seguida. Novamente estou mirando uma corda para me descer do prédio.

‘Muito bom, Cabeça Quente!’ é a voz sempre sugestiva de Selina, que está um pouco mais animada do que antes, o que é bom. ‘Só mantém em mente que não deve romper nenhum ligamento importante dos caras maus.’

—Assim acaba com toda a minha diversão. -debocho cheio de sarcasmo e escuto seu riso afinado em resposta. -Sentinela, pode me dar um apagão?

‘Pode?’ Bruce soa incrédulo, como se estivesse falando apenas pelo choque de me ouvir soando tão formal.

Estudei a comunicação entre Oliver e Felicity em campo, não a chamaria de Honey, querida, amor, bom deu para entender. Mas a questão é que ou eles são explosivos, excessivamente educados ou possuem uma dinâmica onde parecem estar ligados por instinto, Sentinela é uma arma no arsenal do Arqueiro Verde, como qualquer uma de suas flechas, ou até mais importante do que elas, para que uma missão tenha sucesso. Depois de ouvir todas aquelas gravações enquanto treinava com o arco, entendi que elas possuíam uma espécie de ritmo que o guiava, e infelizmente também entendo agora mais do que queria do relacionamento dos dois, como dão indiretas sutis quando querem se alfinetar, ou não tão sutis no caso de Felicity Smoak.

‘Ele nunca é educado, não se engane!’ Selina avisa e reviro meus olhos. Sou bom em meu trabalho, é o que queria responder, mas prefiro deixar passar.

Estava dentro, uma porta da parte de vendas da farmácia, mas o que vejo me faz parar. Uma garota morena de cabelos cacheados, usando um boné para trás se movia silenciosamente na escuridão, por trás de um homem que mantinha uma menina que deve ter no máximo seus treze anos sob a mira de uma arma. Ela tapa sua boca e o desarma com um movimento rápido, dou a volta e imobilizo outros dois que estavam espalhados pela loja, três, faltam cinco. Encontro outro pressionando uma adolescente contra uma prateleira, ela se debatia como conseguia, mas o homem era muito maior e mais forte.

Esse é o tipo de coisa que faz meu sangue ferver. Jason Todd arrancaria cada um dos dentes de sua boca, e incapacitaria ao menos uma de suas mãos para aprender a não as enfiar onde não devem. Mas o que Oliver Queen faria? Sei que o Arqueiro é muito violento em alguns casos e até mortal em outros, mas o que faria nesse tipo de situação? Muitas pessoas, pondero. Por mais que quisesse acabar com o verme, tem vidas em jogo.

Atiro uma flecha com sonífero no filho da puta, e me apresso para segurá-lo, impedindo que sua queda provoque barulho. A garota me olha, tremendo tanto que seu corpo parece vibrar. Solto o corpo de seu agressor, colocando seu rosto para baixo e a observo colocando um dedo sobre os lábios. A menina balança a cabeça tremula e se afasta como se precisasse de mais distância daquele cara nojento. Aponto para a lateral e peço para que se abaixe, ela concorda e se encolhe chorando em um canto.

‘Porco desgraçado...’ Selina praguejava e descrevia em detalhes o que faria em meu lugar com o homem, concordo com cada uma das técnicas, mas volto a andar pela escuridão.

‘Jason tem alguém que terminou seu trabalho.’ Felicity murmura um tanto impressionada. ‘Cuidado, está indo em sua...’

Tarde demais, quando atravesso para outra prateleira desvio por pouco de uma garrafa de Coca-Cola que quase acerta meus olhos. A mesma garota que desarmou o bandido que controlava o assalto. Puxo seu pulso e a giro tapando sua boca, a deixando de costas para mim com seu corpo apoiado no meu. Espera, conheço esse cheiro de menta e abacaxi.

—Calma, não sou assaltante. -falo baixo com minha voz modificada pelo modelador, enquanto ela se debatia tentando sair. A garota tateia minha luva e deixa a garrafa de coca cair, como se erguesse a bandeira branca.

‘A saída está limpa.’ Roy diz.

‘Armazém, limpo.’ Acrescenta Diggle.

‘O motorista está no mundo dos sonhos.’ Escuto a voz de Nissa, que parece ter finalmente chegado.

-Sentinela, pode ligar as luzes, parece que tive mais ajuda do que esperava. -falo, enquanto solto a garota e as luzes se acendem.

Quando se vira, ainda com desconfiança no rosto, confirmo que aquela era a prima de Roy, Boby Harper. Usava uma jardineira jeans com só uma alça encaixada, mostrando parte de sua blusa vermelha com a estampa “Quem precisa de príncipes encantados?”, por baixo de um jaleco branco. Seus olhos verdes me scaneavam como se julgassem cada molécula minha, o que me faz esboçar um pequeno sorriso. Pessoas mal-humoradas sempre me divertem, não sei dizer bem o motivo, só sei que é assim.

—Bom trabalho. -digo me afastando, mas ela me puxa para trás pela aljava. -Hey!

—Espera. -diz com a voz mais suave do que esperava, apesar de seu rosto ainda exalar reprovação. Boby examina os dois lados, e se aproxima um pouco mais, evitando olhar meu rosto como uma forma de mostrar que respeitava o fato de manter minha identidade em segredo, isso ou está desesperada. -Esses caras têm roubado todo medicamento que chega nos Glades a meses e ninguém os denúncia. E não são apenas medicamentos, qualquer tipo de suprimento que chega é confiscado em seguida. -conta em voz baixa, revira algo nos bolsos e me estende um papel amassado de aparência velha. Percebo um pequeno machucado se curando no alto de sua cabeça, quase imperceptível por causa do boné.

—Trabalha aqui? -pergunto, conferindo o conteúdo do papel. Era uma lista, com nomes de farmácias e supermercados da região.

—Sou farmacêutica. -dá de ombros. -É temporário.

A porta se abre, Bruce e Roy passam por ela com seus rostos cobertos por tocas de esquie. Mas posso ver o momento em que Harper percebe sua prima, pois seus olhos perdem completamente o foco. Ela não o vê, estava encarando os próprios pés enquanto falava comigo.

—Estão tentando acabar com o Glades. -murmura Boby. -Nunca pensei que ficaria feliz por ver que vigilantes são mais eficientes do que a polícia, mas alguém tem que parar isso e só vocês apareceram. -o mesmo brilho que tomou seu olhar durante o jantar na casa de Roy estava ali novamente, a revolta que não se dá ao trabalho de conter. -Pode dizer ao Arsenal que eu estou grata?

—Digo que a farmacêutica está grata? -pergunto começando a me afastar, mas posso ver um sorriso em seu rosto. Seus lábios ficavam em formato de coração quando sorria. Boby dá de ombros.

—Pode dizer assim. -ela concorda e vejo os olhos de Roy se enrugarem nas laterais, como se estivesse sorrindo sob a máscara.

O resto da noite se resume a bandidos de carteiras e traficantes. Mais do mesmo, acabam sendo um bom treino para compor o Arqueiro Verde. Em algum momento perto das três da madrugada, me sento no alto de um prédio com Roy. Bruce sai de campo assim que escuta Selina anunciando que estava voltando com Nissa para o apartamento e Dig aproveita a carona. Restamos nós dois e a voz sonolenta de Felicity.

—Foi muito bom para seu primeiro dia. -Harper fala, olhando para a cidade escura abaixo de nós. -Mas tem que ser mais rápido com o arco, usá-lo como uma arma mesmo enquanto estiver lutando. É uma...

—Extensão do meu corpo. -completo em tom monótono.

—Isso. -ele ajeita a máscara no rosto. -Deve estar sendo uma merda.

—Bom, tem a vida de um garoto em jogo. -dou de ombros e ele concorda. -Mas seu chefe é tão metódico e cheio de manias chatas quanto o meu. -confesso enquanto movo meu polegar sobre o indicador para exemplificar, fazendo Harper dar risada.

‘Hey!’ Felicity protesta nos lembrando de sua presença. ‘Quem era a garota que lutou na farmácia? Algo me diz que já a conhecia.’ Suspiro com pesar ao ver os ombros de Roy penderem, aquela não era minha história para contar.

—Minha prima. -ele diz. -Boby. Ela está morando em minha casa, pode chamar de invasão de propriedade alheia.

‘Ser Badass é de família.’ Brinca Felicity e acho que o sorriso fraco no rosto de Roy é apenas uma espécie de reflexo, algo que faria se a loura pudesse o ver, como uma forma de disfarçar o desconforto.

—Ela deve ter feito a prova para ingressar na polícia. -me recordo. -Ao menos não tem que se preocupar, a garota sabe cuidar de si mesma.

—O resultado sai amanhã, Thea e eu vamos encontrá-la. -se levanta e bate a poeira da calça, vejo um cara correndo com uma bolsa, sendo seguido de perto por um casal. Faço um gesto para que Roy se sente e miro uma flecha, algo que ele me ensinou a algumas semanas, e atinjo o ladrão que cai como batata madura.

—É frustrante que seja tão bom. -confessa dando risada ao ver o casal olhando em volta sem entender. A garota recupera a bolsa e eles saem apressados na direção oposta.

—É frustrante isso ser um arco e não uma arma. -olho o objeto em minha mão.

—Jay? -ergo meus olhos para o ver. -Quer vir amanhã encontrar a Boby?

Minha vontade era dizer, “Não, obrigado”, não quero passar tempo com a namorada irritante dele e menos ainda com a prima esquisita. Mas havia algo em sua expressão corporal, sua voz e a forma irritante em que me olhava. Algo que me lembrou a morte falsa de Grayson, a morte verdadeira da praga do Damian e todas as vezes em que Tim me liga no meio da noite com a voz cansada e contendo apreensão. Roy Harper está com medo de perder a prima mal-humorada. Tenho vontade de sair do meu corpo só para me socar até perder a consciência, ser o cara legal é função do Dick, não minha. Por outro lado, esse cara tem gastado tempo e esforço comigo, o que nos aproximou por mais que nenhum dos dois quisesse isso a princípio. Que inferno!

—É, posso tirar algumas horas de folga. -falo desviando meus olhos para que não visse o esforço que isso me causa.

—Obrigado.

—Que seja. -bufo com raiva de mim mesmo e posso ouvir o riso de Felicity através do comunicador.

‘Isso, foi uma resposta digna do Arqueiro Verde!’