Last Chance

A soma de nossas perdas


SELINA KYLE

Eu tenho odiado a cada dia mais esse apartamento gigantesco. Guardo a chave em minha bolsa depois de destrancar a porta, só então me dando conta que tenho a chave de uma das casas de Bruce Wayne, seria cômico se não estivesse envolto em tantas tragédias. Chuto os sapatos de meus pés por pura rebeldia, é absurdo esse lugar ser tão impecável. No mesmo espirito tiro a jaqueta e a jogo de qualquer jeito pelo chão, o que faz o menor dos sorrisos aparecer em meu rosto, só para ser puxada pela pressão em meu peito que de tão intensa me faz perder o ar.

Me encolho ao lado da porta de meu quarto e abraço meus próprios joelhos. Não tenho ideia se estou chorando, ultimamente isso vem e vai o tempo todo, a ponto que parei de me importar. O sentimento de estar incompleta, sozinha é sufocante, pior do que descobrir que minha melhor amiga, Holly a que está morta, que ela havia me traído e usado mais de uma vez. Sinto que traí essa criança que perdi. Mesmo sem forma, sexo ou tamanho, eu não fui capaz de dar a esse bebê uma chance de tentar.

A porta do meu quarto se abre e vejo Bruce, com as mesmas roupas que usava para bater em pessoas mais cedo, ele tem meu par de sapatos e a jaqueta em mãos. Olha em volta e o vejo prender o ar, estico minha perna um pouco e posso tocá-lo. Todo seu corpo parece relaxa quando me encontra encolhida ali. Sem falar nada guarda minhas coisas em seus devidos lugares, se abaixa e me pega no colo como se eu fosse um bebê. Não me importo, seu corpo é quente e confortável.

Sou colocada na cama, em silencio tira meus jeans, minha camiseta e passa uma blusa larga por minha cabeça. Não sei ao certo o motivo, mas continuo deixando que cuide de mim, deixando que alivie um pouco da solidão que me sufoca. Ele vai em direção ao meu banheiro, escuto o chuveiro se abrir e me ajeito na cama, sentindo minhas pálpebras começarem a pesar. Minutos depois o morcego volta usando uma calça de moletom, ainda em silêncio ele se deita ao meu lado, como tem feito todas essas noites desde que voltamos do hospital, nenhum dos dois quer ficar sozinho, então minto para mim mesma dizendo que está tudo bem fazer isso por agora. Eu me deito sobre seu peito, sinto seu coração acelerado sob minha cabeça, é estranho perceber que tenho esse efeito sobre o inabalável Batman. Seus braços se estreitam a minha volta e fecho meus olhos, deixando o cansaço vencer.

FELICITY SMOAK

O dia já está quase clareando quando chego em meu apartamento. Algo como o peso de dez carros gigantes e cheios de pessoas dentro, parecem ter saído de meus ombros. Quase posso sorrir aliviada outra vez, o garoto do morcego é muito melhor do que nós esperávamos e talvez minha família finalmente fique em segurança.

Me dou conta que estou com a mão sobre a maçaneta da porta do quarto de William, não sei bem como vim parar aqui. Mas já que fiz todo o caminho, a abro lentamente e quase pulo ao encontrar um par de olhos azuis me fitando, William está sentado em sua cama, olhando para a porta, para mim.

—O que faz acordado? -sussurro entrando, ele parece estar exausto, o que me faz pensar como ainda está desperto.

—Não conseguia dormir. -ele se move para o canto e olha para a beirada da cama, como um convite que me faz sorrir. Me sento ao seu lado e Will tomba a cabeça em meu ombro. -Como Jason se saiu? -pergunta em meio a um bocejo.

—Nem mesmo eu poderia dizer que aquele não era seu pai. -vejo um sorriso sonolento em seu rosto, que se torna cada dia menos infantil. -Ficou acordado por isso?

—Isso e por que você ainda estava fora. -dá de ombros e sinto meu peito se aquecer, é bizarro como esse garotinho consegue mover todas as minhas emoções com tamanha maestria.

Passo meu braço por seus ombros e acaricio seus cabelos até sentir sua respiração ficar mais lenta e ritmada. Ajeito William em sua cama, dando graças a Deus por ser fim de semana e não precisar o tirar dali em poucas horas. -Sinto muito, Will. -murmuro baixinho ajeitando sua coberta. -Por tirar seu sono, mas confesso que é bom te ver adormecer. -me dou conta que estou falando sozinha, balanço a cabeça e saio silenciosamente do quarto.

No meu quarto vejo Oliver deitado no que deve ser seu milésimo sono, vou direto para o banheiro e tomo uma chuveirada rápida. Visto calças largas e uma blusa de algodão confortável. Quando me deito Oliver se move como um imã e me aperta em seus braços, a melhor parte do meu dia, com toda certeza. Faz todo o resto valer a pena quando passo pela porta desse apartamento e encontro os meus garotos.

—Chegou tarde. -ele murmura, parecendo nem mesmo estar sonolento.

—Não sabia que estava acordado. -sussurro de volta me virando para ficar de frente para ele que tem um sorriso sereno em seu rosto.

—Acho que devo ter cochilado, mas acordei a uma hora, quase saí para te buscar. -confessa franzindo a testa como quem se desculpa. -Velhos hábitos.

—Está tudo bem. -sorrio tocando seu rosto. -Will estava acordado, sabia? -Oliver dá de ombros.

—Você estava fora, Felicity e eu aqui no outro quarto. -puxa o ar, se virando de barriga para cima e encara o teto. -Deve ser tão novo para ele, quanto é para nós dois.

—Precisamos pensar em algo para o deixar mais tranquilo. -pondero preocupada e escuto um riso fraco vindo do meu marido. -O que foi?

—Não sei quando aconteceu, Sra. Queen. -Oliver avança sobre mim em um movimento tão rápido quanto um de seus ataques, para um braço de cada lado do meu corpo e me encara com seus olhos azuis queimando. -Mas você no meio de toda essa confusão que temos enfrentado, acabou virando a mãe daquele carinha. Vocês dois mudaram sem darem conta disso. -havia um brilho orgulhoso em seu rosto e sinto meu coração bater mais rápido, a garganta se fechar um pouco, sim William era meu. Meu menino.

—Não acho que ele vai me chamar assim um dia. -suspiro com um pouco de pesar e Oliver acaricia meu rosto, distribuindo beijos por minha testa, nariz, bochechas e queixo.

—Ele vai sempre sofrer por perder a mãe, meu amor, mas não significa que não te veja como um de seus pais. -aquilo me fazia querer chorar. -Qual o problema? – Oliver percebe e me observa cheio de preocupação.

—Passei todo o meu dia com Selina. – dou de ombros. – Ela e Bruce estão se aguentando por pouco, não sei como alguém pode ter tanto sofrimento dentro de si. – minha voz soa fraquinha. – Mas então eu voltei para casa e fui direto para o quarto do Will e me senti grata. – confesso sentindo uma estranha culpa. – Nosso filho estava acordado Oliver, e eu fiquei feliz por que precisava ouvir a voz dele depois de lidar com o sofrimento de uma mãe que perdeu um filho durante todo o meu dia.

—A forma que diz isso faz parecer que fez algo errado. -ele sorri, mesmo com a tristeza empática em seu rosto, não entendo bem a amizade de Bruce Wayne e Oliver, mas é bem mais profunda do que julguei no início.

—Que espécie de mãe fica feliz pelo filho estar acordado as quatro horas da madrugada? -sussurro olhando para os lados e ele dá risada, um riso real de pura diversão. -O que foi Queen? -fecho a cara o empurrando de cima de mim, Oliver continua rindo sem se importar. -Para! -reclamo e o vejo tentando se conter com esforço.

—Vamos ser péssimos pais. -ele murmura em meio ao riso e acabo me juntando a ele, ao ver que nem posso negar o fato.

BOBY HARPER

Seguro o envelope que parece pesar uma tonelada, enquanto ando em direção ao café que Roy combinou de me encontrar. Não tenho muito tempo, meu turno começa em duas horas, mas não sou idiota de dispensar comida grátis ou a companhia de alguém tão parecido com meu pai, não quando tenho que abrir esse envelope e descobrir se meu sonho se tornaria realidade ou não.

Um diploma técnico me garante um emprego com bom horário e um salário razoável, mas não é nada que mude vidas. Jim Harper o meu pai, foi um cara que ajudava os outros, e May, minha mãe sempre dividia o que tinha. Não importando a quantidade, ela sempre se importou com os que viviam em uma miséria ainda maior do que a nossa. Ser farmacêutica não deixaria nenhum dos dois orgulhosos, tenho certeza disso.

O café no centro é um lugar pomposo demais para meu gosto. Vejo uma mancha na lateral do meu jeans rasgado e só consigo pensar que dei sorte em não usar boné hoje. Não queria todos aqueles grã-finos me encarando como se eu fosse uma mosca em seus bolos pretenciosos e caros. Olho em volta por um momento e vejo Roy inclinado na direção de uma garota bonita, de cabelos curtos. Mas ao lado deles uma figura grande chama minha atenção, o cara que foi a minha casa com Roy.

Jason Toddy, me lembro de seu nome depois de alguns segundos. Não sei se pessoas tão bonitas como ele devem ficar desconfortáveis, bom, nem sei dizer se aquilo em seu rosto era desconforto ou tédio. Jason mexia nos bolsos de sua jaqueta, e retira um canivete bem elaborado, começa a girar o objeto entre os dedos e as pessoas a sua volta dão olhadinhas apreensivas. Esse cara apesar de um gato, tem um ar assassino que não consigo entender. Algo que faz o instinto de sobrevivência dos outros aflorar. Mas essa foi só a primeira impressão, depois de um tempo vi que ele pode ser mal interpretado... Jason abre o canivete e uma senhora na mesa ao lado se encolhe por reflexo. Esquece o que disse, esse garoto é a definição de encrenca.

Tomo o objeto de sua mão quando estou perto dos três, e ele me olha de forma que sou eu quem precisa se controlar para não encolher de medo. -Está assustando os outros. -digo entre dentes e finjo não me afetar pela reprovação em seu rosto. Fecho o canivete o pousando na mesa a sua frente. -Oi. -digo com simpatia para a namorada do meu primo que abre um grande sorriso.

—Boby! -exclama com uma intimidade natural. Roy sorri feliz ao ver que não fico desconfortável por sua proximidade, nem pelo abraço que recebo. Jason remenda Thea sem emitir som, do jeito que irmãos costumam fazer quando querem deixar o outro queimando de ódio. -É bom te ver fora de uma tela de computador! -Thea diz, me indicando a cadeira entre Roy e Jason.

—Oi. -Roy é mais ponderado, mas me dá um beijo no alto de minha cabeça, semicerrando os olhos ao ver algo ali, o que prefere não comentar a respeito.

—Todd. -cumprimento o garoto que move a cabeça como forma de retribuir. -O que foi, é do tipo noturno? -implico, mesmo todo meu corpo me dizendo para não fazer aquilo. Jason me olha de soslaio e quando já começava a estudar minhas rotas de fuga, um sorriso de lado aparece em seu rosto.

—Pode se dizer isso, Harper. -ele comenta e todos sorriem como se houvesse uma piada interna entre eles.

—Então como justifica a chatice noturna? -Thea implica empinando o nariz, os dois se encaram de forma assassina por cerca de três segundos, onde olho para Roy em busca de auxilio, mas ele estava muito mais interessado no cardápio.

—É como a sua, algo que nasceu comigo. -Jason dá a ela um sorriso sarcástico e Thea revira os olhos.

—Eles se odeiam. -murmuro para Roy que concorda com naturalidade, como se aquilo não fosse nada.

—Não nos odiamos. -Thea protesta, mas as palavras saem com esforço.

—Não mente para a garota, Queen. -Jason rebate e o duelo mudo recomeça.

—O que nós fazemos quando eles começarem a se matar? -sussurro para Roy que sorri e dá de ombros, nem um pouco interessado. -Ótimo, vou continuar aqui cronometrando quanto tempo vai levar para que coloquem esse lugar a baixo. -sopro um cacho que caía sobre meus olhos e escuto Thea respirando fundo, enquanto Jason se recostava na cadeira, o ombro largo quase me tocando.

—Vou fingir que te suporto, por Boby. -a namorada do meu primo me dirige um sorriso de desculpas.

—Foi mal Bobs, mas não vou te fazer nenhuma promessa vazia. -Jason fala dando de ombros, com seus olhos furiosos deixando o rosto de Thea.

—Bobs? -questiono fazendo careta, começo a revirar a minha mente a procura do momento em que dei intimidade a esse arruaceiro, não encontro nada.

—Quer me dar um apelido? -sugere, mas não parece interessado no assunto, sou apenas um meio para vencer seu tédio constante.

—Posso ajudar? -Thea se anima e recebe mais um dos olhares mortais do cara, ela nem se move, bom para ela. Me dou conta que estremeci e nem era o alvo de sua fúria.

—Vocês. -Roy chama a atenção dos dois que para minha surpresa cessam a briga. -Estamos aqui para apoiar a Boby, é um dia importante. Seria legal se cooperassem.

Roy se parece com meu pai, principalmente nas raras ocasiões em que age como um adulto. Ele pega o envelope em minha mão, precisando usar de certa força para tirá-lo de mim, não percebi, mas fechei os dedos ao redor do papel com tanta firmeza que agora o envelope estava amassado e meio húmido. Roy o coloca sobre a mesa e passa a mão desamassando como pode, então se vira para me olhar.

—Quer abrir, ou eu faço?

—Faz você. -respondo fechando os olhos com força e agarro o braço do garoto ao meu lado por impulso, graças a Deus, Jason não se move ou morreria de vergonha. Não sei quanto tempo se passou, até que a voz desanimada de Roy ganha a minha atenção. Merda.

—Você está dentro. -diz me deixando confusa, seu rosto desanimado e a voz pesarosa não era o certo.

—O que? -engulo em seco e vejo Jason pegando o papel sobre a mesa para ler o resultado.

—Uma CDF, média perfeita. -fala com animação. -Conseguiu Bobs, está dentro! -ele e Thea comemoram, até mesmo esquecem de seus problemas, dando um Hi Five. Mas Roy me olha com tristeza e temor.

—Vou ficar bem. -garanto colocando minha mão sobre a dele, que força um sorriso em resposta.

—Você é a garota mais honesta que conheço, e conseguiu um passe de entrada para um lugar onde a corrupção é sua única garantia de vida. -a forma que me olha faz com que me sinta dentro de um caixão. Jason pigarreia.

—Olha cara, acho que não foi por isso que viemos aqui. -diz com uma animação forçada em sua voz, então me dá tapinhas nas costas com um sorrio que parece o provocar dor. -Parabéns Bobs.

—Isso de Bobs, parece marca de sanduiche. -reclamo, tentando não sorrir em resposta ao grande e luminoso sorriso que aparece em seu rosto. Deus realmente estava inspirado ao fazer esse ser.

—Prefere Roberta? -implica, e estremeço ao escutar meu nome completo.

—Vai ser Policial Harper agora. -Roy se levanta com um sorriso sem vida e me puxa junto, me dando um abraço apertado. -Só me procura se precisar de um reforço confiável. -sussurra em meu ouvido antes de se afastar. -Prometa que vai fazer isso, Boby.

—Ajuda do Arsenal, ou do Arqueiro Verde? -me inclino sussurrando para ele que franze o nariz.

—Ajuda e ponto, não importa de quem. -responde mal humorado voltando a se sentar. -Não sei por que viemos a esse café, tudo parece custar metade de um mês trabalhado. -resmunga estudando o cardápio e vejo Thea revirar os olhos.

—É o único lugar perto de Star, mas fora dela ao mesmo tempo, onde um homem morto pode ser visto a luz do dia. -responde tomando o cardápio das mãos do namorado e faz sinal para um garçom. -Eu convidei, eu pago.

—Não. -a voz grave de Jason soa firme. -Faço questão de pagar essa. Para comemorar o emprego novo da Bobs.

—Boby! -corrijo. -É Boby! -ninguém na mesa liga para minha revolta.

—Claro, claro. -dá de ombros. -Bobs. -vou matar essa peste!