FELICITY SMOAK

A conversa estranha com Jason ainda ecoava em minha mente ao entrar em casa e ver Oliver sentado no sofá com William super desperto, confiro o relógio em meu pulso constatando que já eram quase três horas da manhã, aquilo era insano. Cruzo os braços encarando os dois que abrem sorrisos capazes de conseguir todas as minhas senhas bancárias, tornando minha pose de “adulta responsável” algo bem dificil de se manter.

—Acho que aqui não é seu quarto, e que você não dominou a habilidade de dormir de olhos abertos -digo a William que me olhava como o gato de botas.

—Não estou acordado desde cedo -Will começa a explicar, mudando de posição no sofá para me dar espaço entre ele e o pai. -Tive um pesadelo e encontrei meu pai aqui sentado.

—Estava esperando você -Oliver justifica rapidamente.

—Não sou sua mãe Oliver, não tem que me explicar por que dorme ou não -ficamos em silencio enquanto me dou conta do que acabei de dizer. -Desculpe William! -falo rapidamente, mas para minha surpresa o garoto tinha um pequeno sorriso no rosto.

—Tudo bem, Felicity -responde se recostando no sofá, claramente cansado. -Sempre digo que é minha mãe quando me perguntam quem você é -boceja. -As vezes nem lembro de acrescentar “madrasta”.

De alguma forma ele acaba de resumir toda a estranheza de nossa aproximação sem complicar em nada. Talvez seja isso o que querem dizer quando retratam a pureza infantil. Tenho me sufocado em todos esses novos e intensos sentimentos, mas esse garoto apenas entende afeição como afeição, sem mais explicações necessárias.

—Obrigada por isso -murmuro o acariciando seus cabelos e ele sorri fechando os olhos, não demora muito e William pega no sono. -Oliver, acho que finalmente alguém tomou seu posto como o primeiro no meu coração -sussurro mexendo os lábios sem emitir som para meu marido, que sorria do meu deslumbramento. -Hoje foi um dia daqueles, mas sempre me sinto melhor ao chegar em casa e encontrar vocês. Mal posso me lembrar como conseguia fazer tudo isso antes.

—Sei o que quer dizer -passa o braço por meus ombros me acomodando sobre o seu peito e ficamos observando William dormir ao nosso lado, sem vontade de leva-lo para cama. -Vamos fingir que não temos uma vida dupla por essa noite, que somos pais normais e nossa única preocupação são as notas escolares do Will.

—Então não temos preocupações -digo orgulhosa, e sinto o peito de Oliver tremer com seu riso. -Só por hoje vamos ser normais -concordo suspirando.

—Uma família normal.

Ele murmura me dando um beijo no alto da cabeça. Pensei em contar sobre a conversa com Jason e como o garoto agiu de forma estranha, mas uma família normal não tem esse tipo de preocupação, amanhã nós lidaríamos com isso. Fecho meus olhos em algum momento e quando volto a abrir já havia amanhecido. Continuava recostada em Oliver, que dormia tranquilo, e William havia deitado sua cabeça em meu colo durante a noite, a mão de seu pai estava sobre seus cabelos e se existir um momento perfeito na vida de cada ser humano, aquele era o meu.

“Se algo acontecesse com seu filho, você perderia a vontade de viver?”

Foi a pergunta que Jason me havia feito na noite anterior. Ele parecia perturbado por essa questão. A resposta é sim, sem sombra de dúvidas. Cheguei ao nível que consigo entender as atitudes mais insanas e por vezes irritantes que minha mãe costuma ter. Me sinto grata por cada uma delas, por mais que tenha odiado quando aconteceram. É vida, você ganhou, me tornei oficialmente uma mãe.

—Nós dormimos sentados? -escuto a voz rouca e baixa de Oliver.

—Sim, mas ele não -aponto para meu colo, com um sorriso bobo no rosto. -Desculpe marido, mas se quiser café da manhã terá que cozinhar você mesmo! -decreto me sentindo uma mãe de sitcom, a única resposta de Oliver é dar risada do absurdo que é a ideia de qualquer ser vivo depender da minha comida para sobreviver.

—Não saberia te dizer o quanto eu sou grato por isso -debocha se levantando e caminhando para a cozinha.

—Posso cozinhar, se eu quiser -me defendo indignada. -Posso criar um programa de computador que cozinhe.

—Nisso eu acredito! -ele se vira já na porta e sou obrigada a dar a língua como uma menina birrenta, mas era isso ou jogar meu sapato nele e a segunda opção poderia acordar o William.

Oliver entra na cozinha e continuo sem me mover, a verdade é que não estava realmente desperta. Todos os meus dias vem sendo exaustivos e quando ameacei relaxar outra bomba explode bem na minha cara. Acho que agora só respiro aliviada tarde da noite e pela manhã, o resto é só um misto de apreensão e temor. Sou puxada do meu devaneio com Oliver correndo em nossa direção com o celular em uma mão e os tênis de William na outra, seu rosto estava sem cor e os olhos arregalados de medo.

—Hey cara -se agacha na frente do filho o sacudindo de leve. -Precisa acordar.

—O que aconteceu? -acho que a esse ponto já estou acostumada a situações de fuga, pois já faço a pergunta procurando por minha bolsa e afivelando os sapatos nos pés.

—Vocês precisam sair, tem quatro minutos -diz apressado e William ergue a cabeça sonolento. -Fique com Felicity, me ouviu? -o garoto assente um tanto confuso, meus olhos se encontram com os de Oliver que abraça o filho com força, e se inclina me dando um beijo. -Vai ficar tudo bem-diz com sua testa encostada na minha e balanço a cabeça confirmando e o beijo por uma última vez.

Pego o casaco do William no meio da correria e o vejo enfiando os pés em seus sapatos. Saímos pelos fundos e dou de cara com Nissa e Bruce em suas roupas pretas que tem usado em Star City, eles nos guiam a uma janela nos fundos de um corredor deserto. Rapidamente o vigilante pega William nos braços, o que surpreende o garoto. Nissa passa seu braço por minha cintura e somos os quatro içados em direção a uma espécie de avião negro, que pairava acima do meu prédio.

Quando chegamos a aeronave William estava quase tão verde quanto o uniforme do pai. Ele deixa seu corpo escorrer por uma parede lateral e coloca a cabeça entre as pernas, a fim de parar o enjoo. Nissa me solta e corro até ele, tentando ajudar no que for possível, sua testa estava fria e molhada, sem falar em seu corpo completamente trêmulo.

—Pai, não acha melhor levar os dois para Gotham? -a voz desconhecida me faz olhar em volta.

—Essa é a primeira vez que escuto alguém usar as palavras “melhor” e “Gotham” na mesma frase -outra voz desconhecida diz, com um deboche iminente.

—Não temos uma decisão ainda -Bruce responde.

Um garoto trajando um uniforme verde, vermelho, amarelo e preto estava sentado ao lado de outro que usava as roupas do Batman. Provavelmente Dick Grayson e Damian Wayne. Nissa se senta em uma das poltronas estofadas em nossa volta, mas meus olhos estavam na tecnologia de ponta que usavam para operar o avião. Até me dar conta do que mais importava.

—Oliver precisa de ajuda! -olho para Bruce que tirava a touca de esquie e se abaixava ao meu lado, examinando William.

—Jason, John e Cat estão com ele -diz me olhando com estranha preocupação. -Os dispositivos de som no bunker não eram da ARGUS, Felicity.

—Mas nós...

—Eles estavam investigando o mesmo que nós, mas Lyla garantiu não entrar no Bunker ou implantar nada por lá -engulo em seco, sentindo tudo a minha volta girar por um instante. -Jason foi atrás do Renê ontem, após te deixar em casa e acabou conseguindo as informações que faltavam para entendermos o que está acontecendo -seu olhar se desvia discretamente para William, um sinal claro de que aquela não era uma conversa onde meu enteado deveria participar.

Bruce coloca William em uma poltrona, o garoto parecia não ser capaz de dizer nada no momento. Dick Grayson, com suas roupas de Batman se senta ao lado de William, com Bruce assumindo a direção em seu lugar. Robin o segue e faz um gesto não muito educado com a cabeça, em uma forma de me dizer para tomar seu antigo acento.

—Pode ficar com ele? -questiono o homem vestido de morcego, que retirava a máscara, me dando um sorriso tranquilizador, que por alguma razão me fez confiar nele de imediato, o oposto de minha primeira impressão do Jay.

—Nós vamos ficar bem -responde Grayson, e o outro garoto se senta carrancudo ao lado de Nissa, com os braços cruzados e a expressão do mais puro tédio.

Bom, talvez Richard Grayson seja uma maçã que caiu longe da arvore. Mas não tenho tempo para analisar a falta de animosidade dos morcegos. Vou direto para a cabine do avião e as portas se fecham assim que passo por elas. De uma forma mais educada, Bruce repete o mesmo gesto do filho, me indicando o banco a seu lado e aponta para uma espécie de fones de ouvidos com um microfone na ponta.

—As escutas eram do FBI? -pergunto com a voz tremula, sem conseguir puxar o ar.

—Não -Bruce responde rapidamente e mexe em alguns botões no painel, fazendo uma tela se abrir diante dos meus olhos. -René confessou que tentava contactar a ARGUS para pedir proteção para sua filha -vários documentos cedidos por Lyla aparecem em minha frente.

—Nós pensamos que ele estava... -a culpa me atinge como um soco. -Ah Deus!

—Não lamente ainda, Felicity -avisa. -A proteção que pediu foi por que Dias o obrigou a revelar a identidade do Arqueiro Verde, as escutas eram implantadas por ele, mas por sorte você mudou todo o sistema de segurança do Bunker após descobrir a primeira traição.

—Então ele não sabe sobre Jason estar no lugar do Oliver? -o vejo negando com a cabeça em resposta e solto o ar aliviada. -Parece que já tem um plano.

—Vamos deixa-lo acusar Oliver de ser o Arqueiro, enquanto Jason vai lentamente fazer com que seus argumentos sejam desacreditados.

—Mas se ele já sabe, por que não vai a público? -isso era a única coisa que me intrigava. -René pode ser a testemunha, um ex parceiro que o reconhece como Arqueiro Verde.

—Ele não quer dizer -a forma com que sou olhada pelo homem ao meu lado me lembra vários casos onde Oliver precisava cuidar de uma das vítimas, e todo o cuidado que precisava ter ao passar cada informação. -Dias quer quebrar o Oliver, ele precisa que seja uma confissão pública. Assim destrói o prefeito e o herói em uma tacada só. Isso seria uma passagem só de ida para a cadeia, talvez pena de morte... -sua voz grave me causa calafrios, preciso conter a vontade de vomitar meu jantar da noite anterior.

—Bruce? -o chamo baixinho. -Por que nos tirou de lá?

—Para dar credibilidade a defesa, Dias estava invadindo o seu apartamento com seus homens, o que nesse caso corresponde a policiais corruptos, não tivemos muito tempo para -ele não termina, não é necessário. Todo o meu corpo parece esfriar de uma única vez, me concentro em minha respiração pelos segundos que seguem.

—Ele nos protegeria acabando com qualquer argumento que o inocente -murmuro e Bruce assente. -Isso precisa acabar, Oliver está deixando esse desgraçado o bater para não dar razão a suas acusações. É tão absurdo que nem sei o que dizer!

—Jason não vai deixar isso durar.

—Eu odeio esse Dias -tem tanto rancor em minha voz, que eu mesma chego a estranhar, mas Bruce parece entender meu sentimento, pois seus dedos seguravam a alavanca com um pouco mais de força do que o necessário.

—Como posso ajudar?

As palavras saem por meus lábios, mas minha mente calculava tudo o que poderia ser feito e nenhum resultado é animador. Olho para fora da cabine de comando e vejo William observando os heróis a sua volta um tanto deslumbrado. O uniforme do Batman era realmente algo que nos deixava entre o impulso de desviar os olhos tremendo e o fascínio pelo mito em torno do herói. Mas mesmo com toda a novidade ao redor sua face infantil era pura tristeza.

—Existe um caminho, mas pode ser muito perigoso -a resposta do homem ao meu lado me traz novamente a superfície.

—Qual dos caminhos não são? -tento não soar tão sarcástica, mas sinceramente meu psicológico está virando sopa dessas bem ralas, nos últimos dias. -Desde que o garoto fique seguro, Oliver e eu faremos qualquer coisa.

—Então nós temos um plano -fala já manobrando a aeronave no ar.

BOBBY HARPER

Quando criança costumava brincar com Roy no quintal minúsculo da casa da nossa avó paterna, nas reuniões de domingo que a família costumava fazer. Não me lembro dos pais do Roy presentes nesses dias, eles costumavam deixar o filho e partir, mas eu era apenas uma garotinha fantasiosa na época e a displicência deles nunca chegou a me chamar a atenção.

Meus pais, Marry e Jin o adoravam, a ponto de me deixar enciumada com frequência. Crianças não se envergonham de seu egoísmo, o sentimento de merecer o mundo é talvez a maior benção e maldição que só uma infância pode conceder. Talvez eu realmente tenha tido muito mais do que a maioria das pessoas com quem ando convivendo, não materialmente, mas posso bater no peito e dizer que quando vivos, meus pais fizeram tudo o que poderiam para me manter segura.

É o que me pego pensando ao ver a esposa do prefeito, uma mulher loura com ar de sabe tudo e dona de uma beleza inegável, passar pelas portas da delegacia. Segurando a mão de um garoto que não deve ter mais do que onze anos, os olhos dos dois estavam perdidos e amedrontados, ando na direção deles antes que qualquer um dos abutres vendidos possa ter a chance de colocar as mãos nas maiores fraquezas do prefeito de Star City.

—Sra. Queen -falo quando estou perto o bastante e posso jurar que ela me pareceu soltar o ar aliviada ao por seus olhos em mim, o que é ridículo, já que nunca nos vimos pessoalmente.

—Bobby Harper? -sussurra meu nome, colocando o garoto entre seus braços, de forma que ficasse no meio de nós duas, como se desejasse que os outros policiais nem mesmo pudessem vê-lo.

—Já nos conhecemos? -questiono intrigada, mas ela apenas nega olhando desconfiada para os lados. -Quer conversar em outro lugar? -sugiro apontando para uma sala no fim do corredor, que costumávamos usar para reuniões de equipe. Ela concorda e seguimos em silencio para o local, mas toda a tensão que os dois emanavam chega a me colocar em alerta com toda a movimentação a nossa volta. -Como posso ajudar? -digo fechando a porta atrás de nós.

—Preciso entrar em contato com o FBI, meu marido está sendo atacado nesse instante -diz em um só folego, então pousa suas mãos nos ombros do garoto enquanto luta para controlar o desespero em sua face. -Por favor, salve a vida dele -suplica desolada.

—Meu pai não pode morrer, por favor o ajude. -os olhos azuis inocentes daquele menino me deixam sem chão. Concordo por impulso, sem saber ao certo como tomar o próximo passo.