Lances da vida

Narcisos e gazebos


SOLUÇO

Minhas pernas fraquejaram. A última pessoa que eu esperava encontrar na casa da senhora Reymond era Astrid usando um vestido ridículo e gigantesco.

Tentei segurar seu braço quando ela se desequilibrou, mas foi tarde. Já no chão ela recusou minha mão estendida.

– O que você faz aqui?

– O que você faz aqui? Eu rebato

– Trabalho aqui depois da escola. Ela fala fingindo que está tudo bem ficar no chão.

Guardo a identidade do departamento de justiça no bolso de trás da calça e verifico o endereço. – Aqui é a casa da senhora Reymond? Ela me olhava com ódio. – Olha, também me surpreendi com você aqui. Eu disse. – O gerente da loja me mandou aqui.

Ver a forma como ela se levanta com dor, é doloroso de se ver. A luta dela para se firmar está fazendo mal ao meu estômago. Por que indiretamente eu fiz isso com ela. – Sinto muito.

– Diga ao juiz.

– Eu disse. Fui sincero. Não que tenha adiantado, o juiz estava disposto a me usar como exemplo para todos os que bebem e saem dirigindo. – O que quer de mim, Astrid?

– Quero que saia.

– Não posso.

Uma senhora aparece. – Você deve ser do departamento de serviço comunitário.

– Sim, senhora. Mostro a ela minha identidade do departamento de justiça. É uma exigência, devo mostra-la antes de entrar na casa. – Entre, essa é minha acompanhante Astrid Hofferson. Astrid esse é... qual seu nome?

– Soluço

A senhora diz para Astrid. – Soluço vai nos ajudar. Mostre a ele o que estamos fazendo e explique tudo direitinho que eu vou buscar uns biscoitos.

Coloquei minha mochila no chão e quando a senhora estava fora de vista. – Outra situação embaraçosa, né?

– Eu queria que você nunca tivesse voltado.

Fiquei tentado a enfrentar a ira de Bocão por abandonar o serviço comunitário, mas me contive.

– Não vou a lugar algum antes de terminar o serviço aqui.

Ela subiu silenciosamente e eu a segui. Astrid apontou uma caixa – Isso é para jogar fora, eu trago as caixas aqui e você as pega. – Ok.

Quando desci para jogar as caixas no lixo a senhora me entregou um prato de biscoitos. – Tome, leve para vocês dois dividirem.

Entrei no sótão e ela atirou uma caixa na minha direção e eu desviei. Sabia que era intencional.

Astrid acha que é a única vitima nessa confusão toda. Mas eu preciso me controlar. Não importa o que aconteça, não posso deixa-la entrar debaixo da minha pele e descobrir a verdade.

– Olha Astrid, foi um acidente. Se eu pudesse voltar no tempo eu voltaria, mas não posso.

– Por que suas desculpas parecem tão vazias?

Segui trabalhando até terminar. Astrid saiu primeiro e eu fui levar a folha de conclusão para a senhora assinar. – Obrigado por deixar eu trabalhar aqui.

– Meu falecido marido achava importante ajudar os menos afortunados. Se fosse falar do sistema de justiça juvenil ficaríamos aqui por semanas. Você trabalhou bem.

Dei um sorriso agradecido.

Ela começou a preencher a folha e de repente parou. – Aqui diz que você tem experiência com construção. Posso ter um trabalho para você, se souber fazer.

– Qual trabalho?

– O quanto é bom com as mãos?

– Melhor que a maioria. Falei e ri.

Ela apontou para uma pilha de madeira. – Você acha que pode construir um gazebo com essa madeira velha? Você sabe o que é um gazebo?

Sim, eu sei o que é um gazebo. Construi-lo levaria no mínimo algumas semanas. Tempo suficiente para completar meu serviço comunitário com ele. No que eu estou pensando? Não posso trabalhar com Astrid.

Bem, na verdade eu não vou trabalhar com ela. Eu vou trabalhar de um lado e ela do outro. Eu disse rapidamente. – Eu posso fazer. Preciso ser honesto com ela e dizer que sou um condenado. – Senhora, tenho que ser honesto...

O telefone tocou e antes de se retirar ela disse. – Apenas volte amanhã e continuaremos nossa conversa.

Corro atrás do ônibus, Asty está sentada na frente e eu me dirijo ao fundo. A viagem de quinze minutos pareceu uma hora. No nosso ponto éramos os únicos. Descemos e deixei ela ir na frente.

Minha irmã ficou boquiaberta ao ver nós dois subindo a rua juntos. – Você e Asty chegando juntos?

– Apenas pegamos o mesmo ônibus. Não precisa ficar toda exaltada.

– Não precisa ficar exaltada com o quê? Minha mãe aparece na sala.

– Nada.

Fui até minha irmã e disse com os dentes cerrados – Então não faça tempestade em copo d’água.

Ela bateu a porta de seu quarto com força.

ASTRID

Na segunda vou pegar o ônibus para a casa da senhora Reymond, e encontro Soluço sentado no fundo.

Espero que ele não esteja indo para a casa da senhora Reymond de novo. Semana passada já foi ruim o bastante. Se tiver que trabalhar com ele de novo eu desisto.

Mas se eu desistir não vou para o Canadá, se não for para o Canadá eu não saio de Berk e se eu não sair de Berk o Soluço e os amigos dele estarão na festa de formatura rindo de mim enquanto estarei em casa provando que eles estão certos a meu respeito.

Talvez ele nem esteja indo para lá e estou fazendo drama à toa.

Mas quando vi que ele me seguiu até lá confirmei meu pesadelo.

– Entrem, fiz torta. Você demoraram hoje.

Sentei-me e ela colocou a torta. Soluço se sentou na minha frente.

– Astrid, lembra que me incentivou a construir o gazebo?

– Sim.

– Então, o Soluço vai fazê-lo. Vai levar algumas semanas, mas-

– Como assim? Se ele ficar eu me demito.

Soluço se levantou e foi para a sala, irritado.

– Que história é essa de se demitir?

– Foi ele que fez isso em mim. Disse chorando

– Fez o que menina?

– Eu fui preso por atropela-la ao dirigir bêbado. Soluço reapareceu na porta.

A pedi implorando para que o mandasse embora.

Ela caminhou até ele e disse. – Meu rapaz, desculpe, mas Astrid é minha prioridade. Terei que ligar para o centro comunitário e pedir que entrem em contato com o escritório do seu serviço comunitário.

– Por favor, senhora. Não faça isso. Eu só quero terminar o trabalho e ser livre.

Ela olhou para mim e eu entendi seu olhar. Perdoe.

Eu não consigo perdoar. Se ao menos eu soubesse que ele me atingiu acidentalmente. Não sei até que ponto isso foi acidental. No meu coração eu não acredito que ele fez com a intenção, mas há perguntas sem respostas.

Empurrei Soluço e corri para o sótão. Me isolei ali.

Eu admirava esse homem, eu nunca cheguei aos pés dele. Nada o incomoda, ele é o tipo de cara que consegue tudo o que quer, tudo dá certo para ele. Ele nunca precisou lutar por nada. Talvez lá no fundo eu esteja contente por ele estar em apuros e isso depender de mim, sei que é egoísmo de minha parte pensar assim.

A senhora Reymond veio falar comigo. – Pensei que tinha medo de aranhas?

– E tenho, mas está escuro, não vou vê-las. Ele já foi?

– Não. Temos que conversar.

Sentei em um dos baús.Senhora Reymond começa. – Eu tive uma irmã, Lola. Ela era mais nova que eu e também mais bonita, mais esperta, mais atraente. Eu era a criança gorda e esquisita. Certa vez, nas férias da faculdade eu trouxe um namorado para a casa de praia dos meus pais. Eu tinha emagrecido e ficado confiante.

– Então você superou e se apaixonou?

– Me apaixonei loucamente. Seu nome era Fred. Ele me tratou como se eu fosse a garota mais incrível, até minha irmã chegar na casa no dia seguinte. Peguei eles se beijando no cais na manhã da sua chegada.

–Caramba.

– Eu a odiei e fui embora imediatamente e nunca mais falei com os dois.

– Você nunca mais falou com sua irmã?

– Nunca mais. Nem fui no casamento deles dois anos depois.

– Eles se casaram?

– E tiveram quatro filhos.

– E os filhos?

– Recebi a ligação de um deles dizendo que Lola morreu a alguns anos e Fred está com alzaimer. Sabe qual a pior parte?

Estava fascinada com a história. – O quê?

– Isso você terá que descobrir sozinha.

– Você acha que devo deixar Soluço construir o gazebo, não acha?

– Essa decisão cabe a você. Se você não deixar ele não irá para a prisão, eu não deixarei. Só acho que ele está querendo consertar seus erros, Astrid. Ele está lá em baixo esperando sua resposta.

Desci e o encontrei sentado esperando. – Você pode ficar.

Ele já ia se levantando.

– Espere. Tenho duas condições.

Ele olhou com a sobrancelha levantada.

– Um, você não conta para ninguém que está trabalhando comigo. Dois, não fala comigo, você me ignora, eu te ignoro.

Ele disse. – Negócio fechado. E se dirigiu ao quintal.

Fui até a cozinha e comuniquei minha decisão à senhora Reymond. – Estou orgulhosa de você.

Eu não estou

– Você vai superar. Vamos plantar mais mudas hoje? Peguei um macacão velho na mochila para não ter que usar o terrível mumu.

Passei pelo quintal e ele estava de costas para mim. Sentei e comecei a trabalhar na terra. A senhora colocou uma cadeira perto de mim e sentou.

– Por que não o supervisiona? Apontei para o Soluço que já começava a trabalhar.

– Ele está indo bem. Além do mais eu não entendo de construção de gazebo.

Continuei cavando e plantando as mudas até que a senhora Reymond adormeceu.

Dei uma olhada em Soluço, ele trabalha rápido. Parece que faz gazebos todos os dias. Ele está todo suado. Ele nem se incomodou com a condição de ignorar. Ele me ignora muito bem. Ele não olhou para mim uma vez sequer.

Agora ele parou de martelar, ainda de costas ele grita.

– Vai parar de ficar me olhando?