SOLUÇO

Estive esperando um ano por esse momento. Não é todo dia que você tem a oportunidade de sair da cadeia. Claro, no jogo de Monopoly é só rolar o dado três vezes e esperar por um duplo, ou pagar a multa e ser livre. Mas não há jogos aqui no departamento correcional, complexo de menores ou DOC como nós presos chamamos.

Não é tão ruim quanto a divisão de adultos e ainda sim é barra. Vocês estão se perguntando por que fui preso no ano passado. Eu fui condenado por atropelar uma menina com meu carro ao dirigir embriagado. Foi a batida e a fuga do local que deixou o juiz do meu caso mais revoltado comigo.

Ele me deu três meses a mais na pena por isso.

Sigo um guarda até a sala do comitê de revisão para avaliação.

Fui preparado por outros caras do meu bloco. sente-se reto, olhe cheio de remorso, seja educado, e todas essas coisas. Mas para falar a verdade, o quanto posso confiar em caras que não saíram por si mesmos?

Enquanto o guarda abre a porta da sala meus músculos começam a tremer e começo a suar sob o macacão. Talvez eu não esteja tão preparado para isso depois de tudo.

- Por favor, sente-se Soluço, ordena uma mulher de óculos e um olhar severo no rosto.

Encaro sete pessoas do outro lado da mesa, cada uma mais assustadora que a outra de frente para uma cadeira.

Sento-me na mesma.

- Como você sabe, estamos aqui para avaliar a sua capacidade de sair daqui e começar sua vida como um cidadão livre.

-Sim senhora, eu digo - estou pronto para sair.

Um homem que aposto que vai jogar de “tira mau” joga as mãos para o alto.

- Opa, devagar aí rapazinho. Ainda temos algumas perguntas antes de tomar a decisão.

Grandalhão checa meu arquivo, página a página. - Fale-me sobre a noite do acidente.

A noite da minha vida que gostaria de esquecer. Puxei o ar com força , e digo: -Estava bebendo em uma festa, dirigi para casa e no caminho perdi o controle do carro. Quando percebi que atingi alguém, me apavorei e dirigi de volta para a festa.

-Você conhecia a pessoa que atropelou?

As memórias me saltam: - Sim, senhor. Astrid Hofferson... minha vizinha. Não acrescento que era melhor amiga de minha irmã gêmea.

- E você não se preocupou em ver se sua vizinha estava ferida?

Me inquieto. - Acho que não estava pensando direito.

- Você acha? outro membro do comitê me pergunta.

- Se pudesse voltar no tempo, juro que mudaria tudo.

Eles me questionam por mais umas meia hora e apenas respondo. Por que estava bebendo mesmo sendo menor de idade, por que dirigi bêbado, por que fugi do local do acidente. Não sei se estou respondendo certo ou errado, só estou sendo eu mesmo... Soluço Strondus, dezessete anos. Se acreditarem em mim, tenho grandes chances de sair daqui mais cedo. Se não, continuarei nesse inferno por mais seis meses e dormindo com condenados.

- Como podemos confiar que você não se meterá em outra bebedeira? eles me questionam.

Me ajeito na cadeira, olho para eles e digo: -Sem ofensas, mas nunca mais na minha vida quero voltar para cá, cometi um grande erro que me assombra para o resto da vida, só... me deixe ir.

- Soluço, aguarde lá fora enquanto tomamos nossa decisão. A mulher de óculos diz.

Aguardo no corredor. Não sou do tipo que se quebra sob pressão, e esse ano que passei na prisão, definitivamente me conferiu uma resistência extra. Mas esperar enquanto um grupo de pessoas define seu destino é extremamente assustador.

- Fique calmo, diz o guarda que me acompanha. - Se não os convenceu terá outra chance daqui alguns meses.

- Maravilha, digo nem um pouco animado.

Simplesmente estou cansado de tudo isso aqui, estou a ponto de surtar e nem sei se aguentaria mais alguns meses nesse lugar.

A senhora de óculos abre a porta. - Soluço, estamos prontos para você.

Sento-me novamente na cadeira de frente para o grupo. Todos os olhos estão em mim. Grandalhão cruza as mãos sobre a mesa e diz: “Todos nós concordamos que suas ações foram condenáveis”.

Sei disso, claro que sei.

- Mas acreditamos que foi um incidente isolado e que nunca será repetido. Você demonstrou qualidades de liderança positiva com os outros detentos e trabalhou duro em suas tarefas aqui. O comitê decidiu libera-lo e que tenha que concluir sua sentença com sento e cinquenta horas de serviço comunitário.

Entendi direito?

- Liberado? Quando eu saio? Pergunto a eles.

- Você se reunirá com seu conselheiro de transição amanhã de manhã. Ele organizará sua tarefa de serviço comunitário e o relatório de seu progresso para nós.

Outro membro do comitê aponta o dedo para mim e diz: - Se estragar tudo, seu conselheiro de transição pode apresentar uma petição ao juiz para trazê-lo de voltar aqui para cumprir o resto de sua sentença, compreendeu?

-Sim, senhor.

- Reincidentes não tem moleza, vá para casa, cumpra suas obrigações e tenha uma vida honesta.

Volto para minha cela e o único no local é um menino novo. Ele tem doze anos e não para de chorar desde que chegou. Talvez deveria ter pensado duas vezes antes de enterrar uma faca nas costa de uma menina que não aceitou ir ao baile com ele.

- Você não para de chorar?

Depois de um tempo ouço um murmúrio abafado pelo travesseiro: - odeio esse lugar, quero ir para casa.

Me preparo para meu trabalho.

- Sim, eu também, digo. - Mas você está preso aqui, pare de choramingar e aceite o programa.

Ele funga e limpa o nariz com a mão. - Há quanto tempo está aqui?

- Quase um ano.

Ele se joga na cama novamente e desaba a chorar de novo.

Mario, outro companheiro de cela, entra na sala. - Sério, Soluço, se esse garoto não parar de chorar, eu vou matar ele. Não durmo a três noites por causa desse bebê chorão.

- Mario, dê um tempo para ele.

- Você é muito mole, Soluço. Tem que endurecer esses garotos.

- Para serem iguais a você? Me desculpe, mas você dá medo até em serial Killer, eu digo.

Mario é um cara durão, cheio de tatuagens pelo corpo e com um jeito de falar assustador.

- Então, vão te deixar sair?

Sento na cama, - sim, amanhã.

- Seu grande sortudo, quer dizer que amanhã você volta para aquela cidadezinha de nome engraçado. Como é o nome mesmo?

- Berk

- E eu vou ficar aqui com o bebê chorão aqui enquanto você estará em casa.

- Bem, vou te dar o telefone do meu primo Valdo, em Oslo. Se você precisar sair de Berk ele te dará uma mão. Mario diz

- Obrigado, digo.

Mario olha para o garoto chorando e diz: - Até mais tarde, amigo. E deixa a cela.

Toco o menino no ombro e ele se afasta com medo

- Calma, não vou te machucar. Digo a ele.

- Isso é o que todos dizem, sei bem o que acontece na prisão. Ele encosta o traseiro na parede.

- Não se iluda , garoto. Você não faz meu tipo. Gosto de garotas.

- E o das tatuagens?

- Ele também é hétero, relaxa. Você está em um centro juvenil.

Saio dali para minhas atividades, afinal, amanhã estarei em casa.