ASTRID

Não aguento mais tanta fisioterapia, sério, os fisioterapeutas sentem prazer em torturar seus pacientes, só pode.

Ruan já me recebe com um sorriso mostrando todos os dentes. –Bom dia Asty, pronta para mais uma sessão?

Na verdade não.

– Acho que sim, digo sem jeito. Sei que o trabalho dele é me ajudar a andar melhor, mas de que adianta se por dentro está tudo ferrado mesmo.

Quando viajar para o Canadá no próximo semestre vou dar trabalho para os funcionários do aeroporto, com tanto parafuso na perna terei que entrar dentro do aparelho de raio x para provar que não carrego uma arma na perna.

Ruan me encaminha até a sala de fisioterapia. Tenho que vir aqui duas vezes por semana a quase um ano e as pessoas ainda me olham fixamente quando ando.

– É verdade que vai nos deixar em Janeiro? Ele me pergunta enquanto faço o exercício.

– Sim. Consegui uma bolsa para ir ao Canadá por um semestre. Digo

– Canadá. Você é uma menina sortuda. Ele diz.

Sortuda? Pessoas de sorte não são atingidas por um carro e tem que fazer fisioterapia dolorosa. Pessoas de sorte não têm os pais divorciados e um pai que só vê uma vez por ano. Pessoas de sorte têm amigos. Pensando bem, sou a pessoa mais azarada do mundo.

– A vermelhidão sumiu? Pergunta Ruan enquanto termina os últimos procedimentos.

– Não sei, digo. – Eu não gosto de olhá-la.

Não suporto a ideia de ver o resultado de inúmeras cirurgias depois de ser atropelada pelo Soluço ao dirigir bêbado.

Pensar nisso me faz mal, tento lutar o máximo contra esses pensamentos que me atormentam.

– A vermelhidão sumirá em alguns meses, tenha paciência. Diz Ruan para me animar, sem muito sucesso.

Depois da fisioterapia vou até a lanchonete Mama Mia, onde minha mãe trabalha. Eu sei que não é grande coisa, mas minha mãe precisou arrumar um emprego depois que meu pai nos deixou a dois anos. Seu chefe, Sr. Reymond, é muito agradável e deu muito apoio quando estive no hospital. Não somos ricas, mas temos o necessário para viver.

Sento-me à mesa enquanto minha mãe vai à cozinha preparar a janta para mim. Levanto os olhos e vejo Merida, Rapunzel e minha prima Amanda entrarem no restaurante. Poxa, elas parecem tão... perfeitas.

Eu costumava ser amiga de Merida e Rapunzel. Luane Strondus e eu costumávamos passar o tempo todo com elas. Nós quatro estávamos na equipe de tênis da escola e éramos inseparáveis desde o primeiro dia de aula de tênis no centro comunitário de Berk quando tínhamos nove anos.

O acidente virou Berk de cabeça para baixo. Quando Soluço me atropelou, ele não só acabou com minha perna, ele também acabou com minha amizade com a sua irmã gêmea , Luane, e a amizade da minha mãe com a Sra. Strondus. Ali agora existe uma barreira invisível onde antes existia a politica de portas abertas.

Amanda costumava me atualizar as fofocas da escola. Agora ela é amiga intima de Merida e Rapunzel, muito estranho afinal antes essas garotas não lhe davam nem as horas.

Eu nunca perguntei a Amanda sobre Luane e ela nunca me deu nenhuma informação. O irmão de Luane foi preso por minha causa e tenho certeza que ela me odeia por isso. Passamos de melhores amigas a completas estranhas da noite para o dia.

Estou nervosa com a volta para a escola Segunda-feira. Eu tive educação em casa desde o acidente e durante a recuperação . Terei que encarar todos da escola de novo e se eu encontrar Luane, como vou agir?

Minha mãe sai da cozinha com meu jantar e avista minha prima e minhas velhas amigas e as chama para se sentarem comigo. Elas se entreolham e dão de ombros.

Para quê fingirem ser minha amigas e serem falsas?

– Oi, digo enquanto elas se sentam.

Minha mãe chega para anotar seus pedidos. – O que acham de experimentarem nossos novos lanches duplos?

Merida faz cara de nojo. – Muito colesterol numa coisa só.

– Colesterol? E o tanto de carboidrato? Completa Rapunzel

– Vamos de salada, e sem molho. Diz Merida.

– Vão beber alguma coisa? Diz minha mãe enquanto anotas os pedidos.

– Três cocas diet.

Amanda tira um espelho da bolsa e começa a mexer nos cabelos. – Preciso cortar o cabelo antes de amanhã.

– Para quê tudo isso, é só uma festa, não um baile presidencial. Diz Rapunzel.

– Que festa? Pergunto e logo me arrependo da minha burrada. Obviamente eu não estava convidada e nem me interessaria mesmo. Mas como perguntei, ficou parecendo que queria.

As três se entreolham, droga por que perguntei.

– A festa de volta às aulas. Diz Merida finalmente. – Na casa do Logan Benny.

Exatamente nesse instante minha mãe chega com as cocas diet e uma fatia de torta para mim. – Oh, uma festa. Asty adoraria ir, não é meu bem?

Encho minha boca de torta para não ter que responder.

– Uh, você pode vir se quiser. Diz minha prima.

É um convite por piedade, claro que eu não vou, mas como contar para minha mãe sem incluir as três nesse assunto?

Noto que estão esperando minha resposta. Olho para minha mãe que parece implorar para que eu aceite. Eu não faria nenhuma questão de ir, mas ela sim. Às vezes sinto que sou um fardo maior do que ela pode carregar.

– Tudo bem, parece ser legal. Não me reconheço ao dizer isso.

– Você pode pegá-la? Mamãe pergunta a minha prima.

– Claro, tia Vivian. Diz Amanda.

– Que horas?

– Por volta das oito

– Demais. Mamãe fala com tamanho entusiasmo.

E agora, como saio dessa sem que minha mãe descubra?

Depois que minha mãe traz as saladas e nos deixa sozinhas, Merida reluz um sorriso malicioso para mim. – Já souberam da novidade? Não estou necessariamente no circulo das fofocas ultimamente.

– Que o Sr. Millor usa peruca? Ouvi isso sobre o diretor da escola a um tempo.

Merida ri. – Isso é noticia velha, estou falando de Soluço Strondus ser liberado amanhã.

O quê?

– A Sra. Strondus ligou para minha mãe hoje e lhe disse. Liberdade antecipada, quero saber se aceitarão ele na escola.

Liberdade antecipada, isso definitivamente ferra com meu plano perfeito de partir para o Canadá antes que ele voltasse.

Começo a ter um mini ataque cardíaco enquanto tento não transparecer isso.

– Asty, você está bem? Amanda pergunta ao notar meu estado.

Não, não está nada bem.