Lances da vida

Festa de fraternidade


SOLUÇO

Bocão me seguiu para fora da suíte. Ele puxou meu ombro me forçando a ficar de frente para ele.

– Escute aqui, não pode fugir toda vez que as coisas ficam difíceis.

– Claro que posso.

– Você está querendo ir para a cadeia?

– Está me ameaçando?

– Não me provoque. Colabore Soluço. Eu já tenho que lidar com Elsa e Jack e só isso já é suficiente para eu ter um ataque cardíaco.

Suspiro profundamente. – Me deixe um pouco sozinho.

– ficar sozinho não é bom.

– Para mim é. Eu não posso ver Astrid e Felipe entrarem em uma relação na minha frente. Eu pirei ao vê-lo correr para consolá-la quando ela saiu da sala. – Eu entendo que não posso fugir desse programa e não tentarei. Mas por favor, me dá só uma noite livre de participar disso tudo?

Ele dá um passo para trás. – Tudo bem

Agora não entendi, esse homem que sempre me perturbou, me encheu e não era nunca bonzinho comigo, cedeu? – Isso significa o que penso?

– Sim. Eu deixo você em paz só hoje. Vou levar o pessoal para jantar com um grupo de jovens do local e depois vamos ao cinema.

Uma noite sem precisar fingir nada, sem precisar partilhar minha história com outros. Me sinto livre. – Obrigado.

– Certo, ok. Mas a partir de amanhã você vai colocar um sorriso nesse rosto e participar junto com outros como deve ser.

– Tudo bem.

Agora mais leve volto para dentro da suíte com Bocão, gostaria de me desculpar com Astrid. Sabia que o comentário sobre o gazebo a magoaria. Aquela noite foi maravilhosa, nos beijamos como nunca. Só que terminou comigo tentando levantar a saia dela para ver suas cicatrizes. Ela não confiou em mim e depois disso foi só desastres.

Dou uma olhada no quarto das meninas, não queria a Astrid zangada comigo. Vejo ela e Felipe conversando intimamente. Droga.

Vou para o quarto e vejo Jack só de cuecas e com um mini ventilador. – Sabe que as meninas podem te ver assim.

– Não me importo, estou com calor. Meus sacos estão pegando fogo. Desse jeito não poderei ter filhos.

– Que ótimo. Você nem deveria ter permissão para procriar de qualquer forma.

Foi bom eu ter conseguido permissão para ficar e não ser obrigado a ir jantar com o pessoal. A visão do Jack abanando suas nozes tirou meu apetite. E ver Astrid e Felipe juntos só piorou tudo.

– Só para você saber, trouxe muitas camisinhas. Estão no bolso do meu casaco. Jack fala

– Para quê?

– Bem, se você não sabe para que serve eu que não vou te ensinar.

– Eu sei para que serve, bestão. Eu só acho que você não vai pegar nenhuma bunda nessa viagem.

– Meu menino está sempre em ação.

– Ah, claro. Sua mão direita já está cansada.

– Eu sou canhoto. Tento não me estremecer com isso.

Tomo meu banho e me visto com meu jeans e uma camiseta. Não posso me desculpar com Astrid porque ela não desgruda de Felipe. Eu preciso aceitar, ela merece um cara como ele. Ele é decente e sei que não faria mal a ela como eu. E ela é uma garota incrível.

Preciso esquecê-la. Isso só serve para me torturar.

Depois que todos saem para jantar e fazer sei lá o que mais Bocão programou eu saio também. Estava quente e eu precisava de ar. Ando pelo campus pensando em como fui parar ali e no que vou fazer quando o programa acabar. Não tenho nenhum futuro.

Vejo um grupo de estudantes jogando, o zagueiro era muito ruim e a bola vem em minha direção e a pego.

– Boa pegada. Quer jogar um pouco?

– Claro.

Jogamos até escurecer e ouço eles comentarem que estão atrasados para uma festa.

– Qual seu nome? O zagueiro me pergunta.

– Soluço.

– Sou Denis. Meus amigos e eu estamos dando uma festinha na fraternidade. Quer vir conosco?

– Pode ser.

Seguimos por duas quadras e chegamos a uma casa enorme e vejo que a festinha era na verdade festão. Denis me passa um copo. – Então, Soluço. Você é calouro? Nunca te vi por aqui.

– Não sou estudante. Dou um gole do copo. Cerveja geladinha. Acho que Bocão tinha uma regrinha sobre não consumir álcool, mas dane-se. O gosto é bom e só de pensar que isso tem o poder de me fazer esquecer Astrid com Felipe me faz cair ainda mais de cabeça. – Estou em um dormitório no campus por causa de um estúpido programa.

– Detesto programas estúpidos. Diz Denis

– Oi, Denis. Chega uma garota loira de top apertado e uma saia curta. Acho que essa aí começou a festa bem antes de todos. Quem é esse gato?

Denis chega perto da garota. – Soluço, essa aqui é Brena, nossa vizinha. Brena, dê felicidade ao nosso amigo.

Ela me olha com um olhar devorador e me puxa para onde os outros dançam. – Sabe dançar, Soluço?

Termino meu copo. –Sim.

Vamos até um barril onde enchemos nossos copos e começamos a dançar ao som da música. Só sei de uma coisa, é dessa garota que preciso para esquecer meus problemas.

ASTRID

– Onde está o Soluço? Pergunto Bocão enquanto nos dirigimos ao restaurante. Vamos encontrar alguns adolescentes lá que ouvirão nossas histórias.

– Ele ficou na suíte. Deixei ele relaxar e pensar em como tem se comportado esses dias.

– Ele não quer participar do grupo, né?

– Verdade, mas ele não tem escolha de qualquer jeito. Seu telefone toca. – Ele só precisa controlar suas emoções.

Enquanto Bocão atende o telefone Felipe chega do meu lado.

– Tudo bem?

– Sim, melhor por Soluço não estar aqui.

– Também acho.

– Por que?

– Por que quando ele está perto você fica mal. E eu não gosto de te ver mal.

Abraço ele e seguimos os outros. – Obrigada, você é um bom amigo.

– Não há de quê.

– Soluço não é mal. Digo

– Eu sei. Ele é gente boa. Todos nós erramos e nos afundamos na lama e tentamos resolver as coisas. Só que Soluço parece ter afundado mais do que os outros.

– Você parece que superou bem seus problemas.

– Que nada. Eu finjo bem. Estou feliz de estar aqui, mas confesso que os olhares ontem me incomodaram.

– Eu costumava ficar mal pelos olhares de pena. Hoje quase não ligo para esse fato.

– Astrid, nossa deficiência, diferente dos outros é mais visível e ambos estamos tentando superar relacionamentos passados.

Felipe me puxa para trás e espera os outros estarem bem mais à frente. – Você nos vê como um casal? Ele me pergunta

– Isso é sério?

– Não sei, quem sabe?

Ele se aproxima e me beija. Seu beijo não tem a intensidade dos beijos de Soluço, mas é caloroso, carinhoso, seguro e...

Eu o afasto. – Não.

Felipe fica triste. – Parece que não estamos prontos para seguir em frente.

Meu celular toca. É Luane. Atendo surpresa. – oi Luane, como vai?

– Vou indo. Como está a viagem?

– Estamos na Universidade de Stavanger. Palestramos para alguns jovens e tal. E você o que tem feito?

Ela fica em silencio. Ela anda extremamente silenciosa. Ainda vai precisar se curar de tudo o que aconteceu.

– Quase nada. Ela finalmente responde

Em Berk não tem quase o que se fazer. Alguns jovens fazem planos de sair quando terminarem o colegial, mas na verdade acabam se estabelecendo lá mesmo e criam raízes desistindo dos planos. Até hoje, só conheço duas pessoas que realmente conseguiram sair. Meu pai e Soluço.

Esse pensamento me faz mal. Olho em direção do restaurante e vejo que todos, inclusive Felipe me deixaram para trás.

Decido contar para ela. Não posso desligar o telefone sem deixar Luane saber do irmão.

– Soluço está aqui.

– Quê?

– Ele está na viagem

– Com você?

– Sim

– Como isso aconteceu? Ele está bem? Ela fala de uma forma agitada. – Eu te liguei por que precisava falar do Soluço e não tinha ninguém e pensei em você. Como ele foi parar aí?

– Não sei detalhes.

Decido não falar que meu objetivo é convencê-lo a voltar para Berk. Ela precisa dele, a mãe precisa dele e seu pai também. Eu pensava que precisava também, mas não. Agora eu não posso estar perto dele. Não no estado que ele se encontra.

Luane volta a falar – Achava que essa coisa de percepção extrassensorial entre gêmeos era balela, mas não durmo à dias. Soluço está em perigo ou muito mal. Eu sinto sua dor de forma muito forte como se fosse minha. Que estúpido, não?

– Não, não é estúpido. Eu acho que ela pode estar certa. Sou uma pessoa extra emocional e entendo o que ela está sentindo.

– Por favor Asty, cuida dele para mim. Me promete.

Cuidar dele? Ele é forte suficiente para cuidar de si mesmo. Pode não ser emocionalmente, mas fisicamente sim.

–Tudo bem Luane. Eu cuido. Foi pro ralo minhas intenções de deixar o Soluço e seguir minha vida adiante.