Lances da vida

Dura realidade


SOLUÇO

Chego em casa seguindo pela calçada de tijolos que meu pai e eu colocamos a três anos na porta da frente. Minha casa parece tão familiar mas...totalmente estranha para mim. Pintura descascando, calhas caídas e sem plantas na frente da casa. Minha mãe sempre plantava nos verões. Ela costumava dizer que fazia a casa parecer um lar.

Ela estava certa.

Respiro fundo e olho para a porta. Como se volta para a casa depois de fugir? Se eu simplesmente girar a maçaneta e entrar, eles vão me tratar como um invasor? É esquisito bater na porta de onde antes era a sua casa. Eles vão me tratar como um estranho?

Olho para trás, seria melhor dar meia volta e sumir daqui. Ninguém saberia que estive aqui e não precisaria lidar com o drama que está prestes a se formar. Mas seria covarde. Eu não sou covarde, não mais.

Toco a campainha, meus batimentos estão acelerados como se eu tivesse corrido uma maratona. Quem será que vai abrir a porta, como vai me receber. Vão me pôr para correr feito um cachorro. A porta é aberta.

É minha irmã.

Aquela por quem fui para a prisão. O cabelo continua tingido de preto, mas a raiz está desbotada. Suas roupas já não são tão esquisitas como antes de eu ir. Agora ela usa jeans normal pelo menos. Sua maquiagem não está mais carregada e suas unhas não estão pintadas de preto.

– Soluço, você voltou.

– Sim, pelo menos por um tempo.

Quando voltei da prisão ela me deu um abraço apertado, dessa vez não. Definitivamente ela está mantendo distancia.

– Astrid disse que ia te persuadir a voltar, mas não acreditei.

– Bem, acredite... posso entrar?

– Sim. Ela dá passagem para eu passar. - Papai não está.

– Onde ele está?

Ela rói a unha nervosamente. – Foi visitar a mamãe

– Visitar a mamãe? Ela está na reabilitação agora? Parece que é pior do que eu pensava.

– Ela tem estado lá algum tempo.

Suspiro lentamente. – Certo. Mais alguma coisa que preciso saber?

– Como o quê?

– Sei lá Luane. Estou no limite e quero as respostas. Será que ela me daria? – Como papai está lidando com isso? O que está rolando por aqui? Cara, o que estou fazendo. Não posso confronta-la com tão pouco tempo em casa. – Esquece a última pergunta.

Luane abre a boca e depois fecha de novo.

– Trouxe um amigo comigo.

– Quem.

– Jack. Se um cara esquisitão com uma camisa escrito sou seu papai aparecer na porta é ele. Não podia deixar Jack na rua, quando ele não está se comportando feito um idiota não é repulsivo. Ele que insistiu em me dar algumas horas para me refamiliarizar antes de entrar.

Pego minha mochila e corro para as escadas

–Onde você vai?

– Para o meu quarto. Não espero ela responder. Quando entro descubro que transformaram meu quarto em um escritório. Se livraram de tudo que era meu, até os meus troféus, tudo. Não há o menor vestígio de que viveu um adolescente ali.

Em oito meses, toda evidencia da minha vida foi apagada.

Tenho a impressão que foi um erro ter voltado.

ASTRID

Estou animada, minha mãe vai casar. Ele ainda não fez o pedido, mas vai fazê-lo nesse fim de semana. Resolvo escrever a carta que prometi para Vanessa. Vou ao parque e me sento na árvore onde Soluço e eu nos beijamos pela primeira vez. Penso em onde ele possa estar agora e se está bem.

Escrevo sobre a viagem, sobre Tom pedir minha permissão para casar com minha mãe e sobre Soluço. Minha carta que era para ser apenas algumas linhas viraram três páginas.

Quando chego em casa, recebo a ligação de Felipe, nervoso por rever a namorada.

– Bruna aceitou sair comigo amanhã a noite e preciso de você ali para me dar apoio.

– Não vou ser vela Felipe.

– Por favor, Asty.As coisas estão um pouco estranhas e tenho certeza que Bruna vai se dar muito bem contigo. Além do mais o que você tem feito além de ficar mau humorada por causa do Soluço?

– Eu não estou mau humorada.

– O que você fez desde que chegou?

– Desfiz as malas

– E? Qual é, você chegou a uma semana.

– visitei os narcisos.

– Você precisa sair um pouco. Vai, por favor?

– Tá bom. Mas com quem eu iria?

– Deixa isso comigo.

– A não, sinto dor de cabeça chegando.

– Seja aventureira. Amanhã te pego às seis.

Quando vou para o meu quarto encontro um bilhete da minha mãe me avisando que meu pai me pediu para ligar para ele. Amasso o papel, não ligo para o que ele tenha para me dizer. Costumava ligar para ele e ficar implorando por atenção e muitas vezes pedi para ele voltar para casa e ele dizia que seguiu em frente. Estou cheia de dúvidas, o odeio por me abandonar e me excluir da sua nova vida. Mas eu o amo, ele é meu pai.

Pareço uma hipócrita porque peço minha mãe para perdoar o Soluço, mas eu não perdoo meu pai.

Ligo para ele. Estou nervosa. Não sei que grande noticia ele tem para mim.

– Oi querida.

– Oi pai, mamãe falou que queria falar comigo.

– Tenho tentado fazer contato a semanas. Tenho novidades, me divorciei.

Por essa eu não esperava. – Sinto muito

– Está tudo bem. A melhor parte é que estou me mudando para casa de volta.

O quê? Voltar para cá?

– Como assim para morar comigo e a mamãe?

– Sabia que ficaria empolgada.

– Mamãe sabe?

– Claro, bobinha. Ótimas noticias né?

– É

– Tenho que fazer a mudança e ajeitar tudo por aqui. Nos vemos na semana que vem. Tchau.

Minha mãe chega do trabalho e vou falar com ela sobre isso.

– Por que vai deixar o papai voltar?

– Por que ele está se divorciando e quer tentar de novo.

– Mãe, ele nos abandonou sem olhar para trás.

– Ele está olhando para trás agora.

Quero dar ao meu pai uma segunda chance, mas percebo que ele teve diversas chances e nunca se preocupou. Acho que ele só vai fazer uma parada aqui até aparecer coisa melhor e vai tornar a nos abandonar.

– E o Tom?

– Tom é maravilhoso, mas não é seu pai e você sempre quis uma família.

– Tom foi meu pai como o biológico nunca foi. Ele te faz feliz, me faz feliz, ele nos faz felizes.

– Eu terminei com Tom ontem à noite. Contei sobre seu pai voltar.

Quando tudo parecia que estava normal, essas coisas acontecem.

Abraço minha mãe – Eu só quero que seja feliz, mãe.

– Eu quero que seja feliz também.

Estamos chorando e nos abraçando quando a campainha toca. É Tom com um buquê de flores e uma caixinha com o anel na mão.

– Case comigo, Vivian. Por favor diga que ainda não é tarde.