Lances da vida

Estranho no ninho


SOLUÇO

Estou sentado no sofá com Jack do meu lado esperando meu pai chegar. Treinei intensamente o Jack para ele não falar nada sobre o acidente e nem que ele sabe que não fui eu que atropelei Astrid.

– Então Luane. Tem namorado?

Bato no peito de Jack com minha mão. – O quê está fazendo?

Ele me olha como se eu fosse louco. – Só conversando. Alguém aqui precisa quebrar o clima silencioso. Ninguém fala nada.

– Ninguém te disse para não abrir a boca para falar besteira? Digo

– Ok, senhor resmungão.

– Se não tem o que dizer fique quieto.

– Não. Luane se pronuncia

Jack e eu a olhamos

– Eu quis dizer que não tenho namorado.

– Por que não?

Ela dá de ombros

– Ajudaria se sorrisse.

Que isso? – Cala a merda da sua boca. O que você entende de mulher. Você gosta da Elsa e a única coisa que sabe fazer é irrita-la e joga-la no lago. Você não sabe nada de garotas.

– E você? Jack ri. – Tenho só uma palavra para o senhor Resmungão, Astrid.

Luane olha para mim. Aposto que ela pensou o mesmo que eu, nossa pequena trapaça que bagunçou nossas vidas.

Luane se retira da sala.

No momento que ela sai a porta se abre. Levanto rígido, enquanto me viro para ver meu pai entrar.

– Oi, pai.

– Soluço.

Eu não sei como agir. Não sei se dou um abraço, aperto a mão ou não faço nada.

– Sei que devia ligar antes de vir, mas-

– Não soubemos nada de você por meses, Soluço.

– Eu sei, mas não podia ficar aqui do jeito que as coisas estavam.

– Sua mãe está doente, ela está indo e voltando da clinica. Ele fala como se fosse uma doença terminal. É melhor chamar de doente do que admitir que ela está numa clinica de reabilitação.

– Eu sei.

Dei um passo atrás. Já percebi que a recepção não será feliz. Deveria ter percebido quando vi que meu quarto foi transformado em escritório e todo indicio da minha existência foi apagado.

Sua postura é fechada, como se colocasse uma barreira invisível entre nós.

– Nós não sabíamos se estava vivo ou morto. Sua mãe precisou inventar uma história.

Que novidade, histórias eram especialidade de minha mãe. – Qual foi a história?

– Que mandamos você para um colégio interno fora da cidade.

Jack dá uma risada chamando a atenção de meu pai.

– Quem é ele?

– Jack. Jack dá um abraço no meu pai que fica perplexo. – Prazer em conhecê-lo papai, ou devo te chamar de Dr. Strondus ou só doutor. Empurro Jack de perto do meu pai. – Ele é um companheiro. Eu não ia dizer para o meu pai que era um delinquente que pensa que é engraçado e que não tem filtro na boca.

Meu pai vai até o armário guardar sua pasta. – Pode me chamar de Stoico.

– Então toca aqui, Stoico. Ele estende o punho para o meu pai que ignora.

Meu pai não é desse tipo, ele é muito correto e certinho. Tudo muito na linha. A minha presença bagunça com sua rotina estabelecida.

– Vocês pretendem ficar na cidade ou só estão de passagem? Um tipo de pergunta assim se faz a um conhecido, não ao próprio filho.

– Talvez por algumas semanas.

– Em um hotel ou... meu pai perdeu a voz

– Estava pensando em ficar aqui, pai.

– Eu também, Stoico.

– Bem, hum não temos camas suficientes

– Eu durmo no sofá. Eu falo como se implorasse por abrigo na minha própria casa. Isso me dá mal estar.

– E eu fico bem no chão mesmo. Jack anuncia, pelo visto sem o menor problema de mendicância.

– Vou pegar lençóis no armário. Luane se pronuncia.

– Ok, meninos. Só mantenham tudo limpo. Minha esposa não gosta de desordem na casa.

– Tudo bem. Será que preciso lembra-lo que “sua esposa” é a minha mãe e que ela está numa clinica e não aqui?

Jack bate as mãos. – Então, o que temos para o jantar?

– Vamos pedir pizza. Diz meu pai e se dirigi ao seu quarto para trocar de roupa. Luane também vai para seu quarto.

– Sabe, Soluço. Seu pai é estranho. Mas gostei dele.

Durante o jantar, enquanto Jack foi ao banheiro eu pergunto ao meu pai.

– Posso visitar a mamãe?

– Acho melhor não.

– Por que?

– Ela está fragilizada e não aguentaria isso.

– Mas eu sou seu filho.

– Depois que você foi embora, ela disse que você estava morto para ela.

Olho para minha irmã que não esboça nenhuma reação. – Luane.

– Quê?

– Obrigado por nada.

ASTRID

Dou uma espiada em minha mãe. Ela está sentada em sua cama segurando a caixinha com o anel. Ela não disse sim para Tom, mas também não disse não. Ela está confusa.

– Contou para o papai sobre o Tom?

– Liguei para ele ontem.

– E?

– Eu estou confusa. Pedi um tempo para me decidir. Eu achava que sabia o que queria, mas depois de ontem não sei mais o que pensar. Sabe, pensava que se o seu pai voltasse estaríamos completas de novo.

– Também pensei, até chegar o Tom.

– É, mas eu me apaixonei por seu pai primeiro. Eu não sei se darei tudo de mim para o Tom.

– Isso só você pode descobrir. Te apoiarei em qualquer decisão.

– Agora só quero que você se divirta no seu encontro hoje.

– Eu também. Eu não estava ansiosa pelo encontro antes, mas agora que comecei a me preparar estou animada.

Animada não com o “encontro” em si, mas por estar dando o primeiro passo para seguir em frente. Isso requer um grande esforço e é mais difícil do que parece.

Olho o relógio. Cinco e quarenta e cinco. Será que estou realmente pronta para um encontro? Não consigo me imaginar beijando outro homem que não seja Soluço. Eu sei que isso é ridículo, mas é inevitável.

Finalmente chega a hora. A campainha toca e abro a porta. Vejo Felipe com uma garota loira de cabelo curto e repicado e... – Não pode ser. Sorrio para o meu fisioterapeuta Ruan, que estende os braços na minha direção para um abraço. – Não achou que eu ia deixar você partir sem se despedir, né?

– Felipe seu tratante, você tinha planejado tudo.

– Ok, me queime na fogueira por te surpreender, então. Bruna essa é a Astrid, Astrid essa é a Bruna.

Cumprimento Bruna enquanto Felipe cutuca Ruan. – Viu só? Ela está até maquiada para você. Eu nunca a vi maquiada antes.

– Ruan? Minha mãe chega, fingindo que não está espreitando meu encontro.

– Olá, Sra. Hofferson. Não poderia deixar a Asty partir por quase um ano sem me despedir.

Minha mãe o conhece a quase dois anos, desde que ele se tornou meu técnico de tortura, quero dizer meu fisioterapeuta. Eu o odiava por me fazer ir até meu limite. A cada sessão eu ficava o tempo todo me imaginando arrancando cada fio de cabelo dele um por um. Depois de um tempo nos tornamos amigos. Ele me contava sobre seus encontros com garotas. Ruan é um solteirão convicto. Ele diz que assim como não aguenta comer comida chinesa todos os dias, também não consegue ficar com a mesma mulher sem querer uma diferente.

Depois de me despedir de minha mãe seguimos para o Sven’s sports Bar & grill. Lá eles servem comida além de bebidas. Se tiver menos de vinte e um, desde que não beba, você pode frequentar o lugar. Ruan tem vinte e quatro, ele pede cerveja enquanto nós pedimos refrigerantes.

Estou aliviada do meu primeiro encontro não ser um encontro de verdade. Assim não preciso me preocupar se vou agradar.

– Asty, você tem feito os exercícios de alongamento que passei? Ruan pergunta

– Posso mentir?

– Não

Começamos a rir enquanto Ruan balaça a cabeça. É bom estar fazendo algo para ocupar minha mente para ela não ficar vagando em pensamentos sobre Soluço.

Vejo Felipe e Bruna juntos e me pergunto se Soluço estaria comigo assim. Será que ele me levaria num encontro e passaria seu braço nos meus ombros. A forma como Felipe olha para Bruna, isso me lembra-

– Tenho certeza que não andou movimentando a perna. Ok, de volta para a realidade. Tenho que focar no momento e esquecer Soluço.

– Hoje você não está aqui como meu fisioterapeuta. Você é meu encontro, esqueceu?

– Ela se queixou de dor durante a viagem. Felipe me dedura.

– Me dê sua perna, Asty.

Coloco minha perna em seu colo. – Flexione para mim.

Olho para Felipe que tem um sorriso safado no rosto. – Melhor você do que eu.

– Você costuma fazer sessões em todos os seus encontros? Falo

– Não. Ele pisca para mim. – É a primeira vez.

Eu teria achado essa piscada brega se fosse outro, mas nele ficou bacana.

– Eu não caio no seu charme.

– Será. Ele fala e pisca outra vez.

– Não adianta que não cola. Além do mais sou sua paciente e isso é inapropriado. Falo brincando com ele.

– Você não é mais minha paciente. Você saiu da fisioterapia esqueceu? Agora vale.

– Você é muito velho para mim.

– Velho, eu? Eu tenho vinte e quatro. Isso não é velho.

– Hum, Astrid. Felipe me chama apontando para a entrada. – Acho que o cara que você realmente quer acabou de entrar.