Lances da vida

Assumindo de vez


SOLUÇO

Estou em casa, Mario e Jack saíram e meu pai foi trabalhar. É agora, bato na porta do quarto de Luane.

– O que você quer?

– Temos que conversar.

Seu quarto está cheio de pôsteres de caveiras e essas coisas mórbidas.

– Você tem que confessar para nossos pais que foi você. Já chega de tudo isso. Não foi só assumir para a policia e diante do juiz. Não foi só perante a sociedade. Essa mentira virou um câncer que atingiu toda a nossa família. Eu aponto para seus pôsteres na parede. – Isso Luane, é um pedido de socorro seu.

Quanto mais eu olho esses crânios, mais vontade tenho de me rebelar contra essas coisas. Eu não estou morto, eu não quero me sentir morto e não quero a minha irmã como uma morta.

– Você prometeu. Ela fala calma. – Quando te contei do acidente você disse que cuidaria de tudo.

– Eu estava bêbado, Luane. Quando dei por mim da burrada que tinha feito já era tarde demais.

– Eu estava assustada.

– E você acha que eu não? Estou estourando. Ela não percebeu porque venho mascarando minhas emoções desde a prisão. Respiro fundo. – Você vai contar tudo para mamãe e papai.

Olho para a parede e começo a rasgar cada uma daquelas coisas mórbidas. – Eu odeio o que você fez com a Astrid, odeio. Eu te odeio por me obrigar a carregar esse segredo por tanto tempo.

– Soluço, deixa ela em paz.

Olho para a porta e vejo Mario. – Não se meta, Mario.

Mario entra no quarto parando ao lado de Luane. – Já disse para deixa-la em paz.

– Isso não é da sua conta.

– É sim. Luane murmura e vejo que seus olhos estão cheios de lágrimas. – Passamos a noite passada conversando. E ele me convenceu a confessar.

Ao mesmo tempo que sinto alivio, me vem as questões das consequências. Me preocupo se ela vai ser presa. Como vai ficar as coisas.

– Luane é mais forte do que você pensa. Ela consegue. Ele fala passando o braço em seus ombros.

– Você a conhece a três dias.

– E mesmo assim a conheço mais do que você.

– Mario tem razão. A muito tempo quero conversar contigo, mas você estava sempre com raiva, zangado, triste. Eu tinha medo de te machucar mais. Sinto muito por isso. Mario me contou como foi difícil para você na prisão. Eu lamento muito. Ela seca os olhos. – Precisamos chamar o papai para ir conosco no centro de reabilitação. Queira ou não mamãe vai ter que perceber que precisa do seu filho de volta.

Chegamos ao centro de reabilitação. Papai foi contra nossa visita, mas quando dissemos que iriamos independente de sua presença ele foi nos encontrar lá.

Uma mulher nos recebe e nos coloca em uma sala de terapia em grupo. Fico tenso, nós tínhamos terapia em grupo no DOC. Preciso lutar para pensar que aqui não é a prisão.

– Pode sentar, Soluço. A tal mulher fala num tom suave. Provavelmente para me acalmar. Me esforço para não começar a andar de um lado para outro feito um animal enjaulado. Mas também não posso sentar. – Não, estou bem assim.

Minha mãe entra na sala com um olhar perdido. Sinto um desejo de me aproximar e abraça-la, mas percebo pela forma como ela cruza os braços na altura do peito que não está disposta a nenhuma afeição. Ela para e nos olha. – O que estão fazendo aqui?

Estou tenso, meus braços estão rígidos, isso está sendo milhões de vezes mais difícil que achei que seria. – Eu voltei, Astrid disse que vocês precisavam de mim e decidi voltar.

– Você me deixou. Um bom filho não abandona sua mãe.

Droga. Suas palavras me rasgam profundamente. Eu nunca deveria ter ido embora. Pensei que seria melhor. Achei que se eu estivesse fora tudo seria mais fácil e me enganei.

– Sinto muito, mãe.

Frustrado, sento do lado de Luane. – Sinto muito também. Eu tenho que contar uma coisa. Mamãe, papai. Fui eu que atropelei Astrid, não o Soluço.

Vejo a reação dos dois. De inicio parecem não acreditar, mas logo a noticia começa a ser assimilada por eles.

– Não,não, não. Minha mãe parece descontrolada.

– O que você está dizendo, Luane? Papai pergunta

– Eu estava na festa, tinha tomado umas duas cervejas. Voltei para casa e fui me desviar de um esquilo e... eu não queria acertar Asty. Aconteceu.

Ela se derrama em lágrimas, eu luto para não sucumbir às lágrimas também. Inutilmente.

Seco minhas lágrimas e tento explicar.

– Quando Luane chegou na festa histérica, eu tentei acalma-la e disse que assumia a responsabilidade. Quando os policiais chegaram e perguntaram quem estava dirigindo, eu disse que fui eu. Eu estava muito bêbado , não sabia o que estava fazendo.

– Isso não pode estar acontecendo. Meu pai diz.

Sinto uma liberdade como não sentia a anos. Eu queria poder compartilhar isso com Asty. Esse é o momento certo para contar a noticia que estou guardando.

– Tenho uma noticia, sei que vocês não vão gostar, mas Astrid e eu estamos namorando. Tentamos evitar, mas aconteceu.

– Ela sabe... Meu pai não aguenta nem terminar a frase. Ele está no limite.

– Sabe de tudo.

Minha mãe finalmente me olha e dessa vez não com desprezo. – Como você pôde, Luane? Ver seu irmão ser preso por algo que não fez?

– Não sei, mãe. Mas agora vou fazer o certo. Amanhã vou me entregar.

ASTRID

Recebo uma ligação do Soluço, e pelo seu tom de voz não está feliz. Na verdade parece triste. – Oi, Asty. Posso passar aí?

– Claro, mas o que aconteceu?

– Quando chegar eu te conto.

Vou até a cozinha, minha mãe está com Tom fazendo uma sopa. Ela não usa a aliança que Tom lhe deu, mas ele vem aqui todos os dias. Ele tem lutado pela minha mãe com todas as forças. Até já conseguiu que minha mãe adiasse a volta do meu pai por tempo indeterminado.

– Mãe, preciso falar uma coisa contigo.

– Fala, querida. Algum problema?

– Não, só queria que você soubesse que o Soluço foi a razão para eu não ter cometido suicídio.

– Que história é essa, Astrid?

– Estou dizendo que Soluço me fez ver que eu tenho valor e que eu não podia me entregar por causa de minhas limitações. Ele foi meu apoio para superar a crise e se hoje sou forte é graças a ele.

– Filha, você não sabe o que está dizendo.

– Sei sim, mãe. Eu estava em depressão depois do acidente. Eu sofria muito e você nem percebeu. Quando eu saí do hospital, você estava tão feliz de me ter em casa que não notava que eu não estava nem um pouco feliz. Eu estava morrendo por dentro até Soluço se aproximar de mim e me mostrar que eu tinha valor independente da minha perna ruim.

– Por que está me falando essas coisas agora?

– Porque ele está vindo para cá e quero que você esteja pronto para o que- A campainha toca. – Mãe, só seja educada e escute o que eu tenho para falar.

Abro a porta encontrando Soluço com os olhos vermelhos. Ele se joga em meus braços buscando apoio. – Eu vi minha mãe hoje. Ele murmura em meu cabelo. – Astrid, foi horrível. Luane confessou tudo para nossos pais.

– E ela, como está?

– Mal, chora muito. Soluço se afasta. - Mas está disposta a se entregar à policia amanhã. Não sei como vai ser depois disso, apenas liguei para o Bocão. Ele disse que vai vir amanhã para nos orientar melhor.

Pego em sua mão e encosto nossas testas. Vejo que em seus olhos há muita dor e tristeza. – Sinto muito. Quero acompanhar vocês amanhã. Tudo que eu puder fazer eu farei para deixa-lo melhor.

– Posso saber o que está acontecendo? Minha mãe chega na porta. – E o que vocês estão fazendo de mãos dadas?

Viro para Soluço, nós faremos juntos. Puxo ele para dentro e paro de frente para minha mãe e Tom. – Soluço e eu temos uma coisa para dizer. Sei que será chocante o que vamos dizer, mas tentem entender.

Soluço está tendo o pior dia de sua vida. Ao mesmo tempo em que se livra da culpa, ele está condenando a própria irmã. – Não fui eu que atropelei a Astrid. Aperta a minha mão. – Foi Luane.

– Você está mentindo. Minha mãe diz.

– Não, mãe. Não está.

– Como você sabe?

Soluço continua. – Eu estava protegendo minha irmã. Pensei que suportaria ser preso e ela não. Tudo saiu de controle e quando percebi que estava errado era tarde demais. Astrid se viu envolvida no meio disso tudo.

Minha mãe seca as lágrimas. - Você sabe que é muita coisa para absorver, Astrid.

Concordo com a cabeça

– Por que não me contou nada? Sou sua mãe.

– Eu só descobri um pouco antes do Soluço ir embora. Achei que só ele poderia revelar, isso diz respeito a família dele. E eu estava cansada de reviver o acidente e queria recomeçar minha vida desvinculada dessa história pela minha saúde mental.

– Preciso de um tempo para me recuperar de tudo isso. Ela sobe e entra em seu quarto, se trancando.

Deu para perceber que o Re-FORMAR mostrou que os acidentes afetam não só vitima e agressor, mas a todos a sua volta.

Olho Tom. – Eu não queria deixa-la chateada.

– Eu sei, dê um tempo para ela absorver tudo. Ele se volta para Soluço. - E você Soluço, foi muito corajoso em voltar.

– Eu não me sinto corajoso. Minha vida está destruída e ainda tenho dois caras na casa dos meus pais comigo porque estão passando por problemas quase iguais a mim.

– Tenho uma proposta para você. Tom diz. – A casa da minha mãe está vazia. Se você e seus amigos puderem pagar um aluguel que cubra ao menos as despesas da casa, ela é sua.

– Verdade? Soluço fala completamente chocado

– Sim. Sei que minha mãe te achava um bom garoto e gostaria de te ajudar. Acredito nos instintos dela. Aceita?

– Claro. Soluço aperta a mão de Tom. – Temos um trato.

Seguimos até a casa de Soluço para ficarmos perto de Luane e dar a noticia para Jack e Mario. No caminho Soluço diz. – Tom é um cara bacana.

– É mesmo. Espero que minha supere seu medo de amar outra pessoa que não seja meu pai e dê uma chance de ser feliz com Tom.

– E você, qual seu medo? Soluço pergunta. – Sobre nós dois.

– Depois de tudo o que aconteceu hoje, nenhum. Porque...porque eu te amo.