Lances da vida

A verdade vem à tona


SOLUÇO

Eu confessei para Astrid que a quero e que nunca deixei de querê-la e ela vem com esse papo de amor e honestidade. Amor é proteger, se sacrificar por aqueles que amamos e impedir que se machuquem.

Droga, me expus diante dela. A culpa é da cerveja, eu ainda estou tonto. Ok, eu sabia o que estava fazendo. Mas não torna isso menos estúpido.

Durante toda a semana Astrid me ignora. Viajamos por várias cidades falando e todos nós palestramos. A minha parte era a mais curta.

Dirigi bêbado, atropelei uma menina e fiquei um ano na cadeia. Perdi minha namorada. Perdi minha carteira de motorista e quando saí da prisão fui praticamente expulso da casa de meus pais e hoje moro na rua. É isso, se beber não dirija.

Estava tudo bem assim, todos os lugares eu pronunciava assim, como se lesse um esboço. Até que um dia fomos responder perguntas de uma turma do colegial. Estava tudo bem até um garotinho se levantar e falar – A minha pergunta vai para o cara de camisa verde. Olhei para os outros e vi que era o único de camisa verde.

– Pode perguntar.

– Por que seus pais te expulsaram?

Agora ferrou, como vou responder que minha irmã se recusou a assumir a verdade, minha mãe é viciada e meu pai vive em outro mundo e que não aceitei isso e peguei minha mochila e saí fora? – Boa pergunta. Começo enrolar, não tenho ideia. A verdade e a mentira já se fundem na minha cabeça.

– Acho que ele tiveram vergonha de ter um filho ex presidiário e eles também não ficaram nada contentes por eu me envolver com minha vitima.

– Mas por que você fez isso? Não foi uma coisa estúpida?

– Sim, foi a coisa mais estúpida que já fiz. Próxima pergunta.

A próxima foi para o jack. Um aluno perguntou por que ele jogou o carro no lago.

– Pareceu uma boa ideia na hora. Responde Jack. Eu estava bêbado e não pensei direito e paguei caro e gostaria de poder voltar no tempo e não fazer.

Na volta Astrid não me olha e vai sentar com Felipe. Eles conversam a viagem toda. Quando chegamos, Astrid vai para o quarto das meninas. Bocão está no seu quarto e os outros estão na sala. Entro no quarto dela.

– Qual seu problema?

– não quero falar agora

Pego ela pelos pulsos e a seguro delicadamente a fazendo me encarar

– Solta ela. Felipe entra no quarto. Obviamente ele quer ser mais do que amigo.

– Você é o guarda costas dela?

– Talvez. Ele fica entre Astrid e eu.

– Não se meta entre nós. Digo nervoso. Um dia fui o protetor de Astrid contra Dagur e agora Felipe fez eu me sentir igual Dagur.

– Entende que ela não quer falar contigo.

Bufo e saio do quarto irritado.

Na manhã seguinte Bocão me sacode para acordar e eu tento pedir uma folga.

– Pode ir levantando. Você vai participar das atividades do dia e não irá fugir.

– Estou doente

– O que tem?

– Chateação. Poxa Bocão, o celular do Jack tocou a noite inteira.

– Ele está falando a verdade. Nós pedimos para ele desligar e ele não o fez. Felipe me defende, esse idiota está querendo o quê?

– Eu botei para vibrar. Jack se defende

Felipe completa. – Deixar no vibrar em cima da mesa é a mesma coisa que deixar ligado.

– Ok, essa noite eu tiro o celular dele. Mas mesmo assim você vai. Preparei algo especial para hoje.

Me levanto desanimado, tomo meu banho, me visto e vou para a mesa Sou ignorado por todas as meninas. Elsa distribui bolinhos para todos, menos para mim e para o Jack. Que tipo de coisa tão ruim eu fiz para ser agrupado no mesmo nível do energúmeno do Jack?

Enquanto isso o santo Felipe era bajulado por elas. Isso me deixa irritado.

Na van sou colocado no fundo, junto de Jack que não dá a mínima de ser ignorado pelas garotas, talvez ele esteja acostumado a ser ignorado. Seguimos viagem e chegamos em uma propriedade arborizada. Onde tinha um letreiro escrito.

CONSTRUIR BASES FORTES É A CHAVE DO SUCESSO

– É algum projeto habitat para a humanidade? Pergunto, como gostaria de ter um martelo, pregos e madeira para eu trabalhar. Isso sim seria uma verdadeira terapia para mim. Eu ia me sentir leve.

–Não. Bocão acaba com minhas esperanças. - Isso é um campo de desenvolver habilidades. Vocês estão precisando aprender a lidar uns com os outros. Vejo que vocês tem grande dificuldade de pedir ajuda e confiar uns nos outros.

– Talvez queiramos ser assim? Murmuro

– Isso não é bom para ninguém, Soluço. Faz parte da natureza humana depender uns dos outros. E não falo só de você, todo o grupo está precisando disso.

Um homem chega até nós. Ele é grande, parece o abominável homem das neves.

Olá, sou Rex . O proprietário do acampamento e vocês devem ser o grupo Re-FORMAR certo?

Ele nos coloca sentados em circulo e nos incentiva a falar uma palavra que descreva a nós mesmos.

Felipe diz - Leal

Jack diz - Divertido

Elsa diz - Irritável

Heather diz - Triste

Astrid diz: - Confusa. Ela fala olhando para mim. Ela está confusa quanto a nós? Ela só me evitou até agora, não parece nem um pouco confusa para mim.

Na minha vez eu digo. – Um completo fracasso.

– Ei, era uma palavra só e tecnicamente você falou três. Jack diz.

– E se tecnicamente o meu punho acertar a sua cara e dividi-la em duas partes?

Rex levanta a mão. – Sem ameaças aos companheiros, Soluço. Desculpe-se com ele. Essas são as regras da casa.

Me desculpar? Com o Jack? Prefiro comer vidro a me desculpar com ele.

Bocão me olha com aquele olhar furioso. – Vamos Soluço, desculpe-se logo para seguirmos em frente.

Elsa fala. – Vai logo. Deixa de ser um idiota.

Astrid está gesticulando. – Apenas faça.

– Não. Eu sempre fui de seguir as regras, mas faz tanto tempo que não o faço que já perdi o jeito.

– Aprenda a canalizar as energias em ações positivas. Rex fala para mim. Encaro Rex com minhas mãos nos bolsos. – E se disser que não me sinto positivo?

– Fazer coisas positivas transformam seu estado de humor. Sorrir relaxa. Um contato corporal humano alivia a tensão e te deixa mais calmo.

O último contato humano que tive foi com a Asty naquela noite que fiquei bêbado. Ela me beijou e me tocou e aquilo foi bom. Até ela me chutar do sofá.

– Quero que os dois se abracem, vamos.

– O quê? Está de brincadeira, né?

– Não estou brincando, acho realmente que você precisa abraçar o Jack.

Mantenho minhas mãos nos bolsos. – Não, nem pensar. Eu queria na verdade falar vai a merda com suas ideias, mas tive que me conter.

Jack vem todo sorridente para o meu lado. – Vem pro papai.

– Vai Soluço, só tenta. Diz Bocão

– Prefiro abraçar as meninas, ou até o Felipe.

Jack se aproxima mais, seus braços abertos. Eu saio do circulo. Rex não está nem um pouco satisfeito comigo.

Dou uma gargalhada. – Olha, Rex. Acredite, minha atitude é positiva. Estou avisando o Jack que vou chutar a bunda dele. Me dê um crédito. Eu vivi em uma gangue onde atitude positiva era perguntar que parte do corpo a pessoa queria que cortasse primeiro antes de ela ser fatiada toda e jogada aos cães.

– Quer fazer parte do grupo ou não. Ele ignora meu comentário completamente.

– Não

– Ele não tem escolha, faz parte querendo ou não. Né Soluço. Bocão me ordena.

– Certo. Volto ao circulo.

– Podemos nos abraçar mais tarde. Jack diz

– Não espere isso. Sussurro para ele

Seguimos durante toda a manhã fazendo diversas atividades. Depois do almoço Rex nos leva para a floresta, diante de um carvalho enorme com uma plataforma no alto. – Esse é um exercício de confiança. Vocês serão divididos em duplas e um subirá na plataforma e se joga de costas confiando que o outro irá pegar.

As duplas são: Elsa e Jack, Heather e Felipe e Astrid e eu. Estou do lado de Astrid que não está nem um pouco feliz. – Não fique triste.

– Não estou triste. Isso é um exercício de confiança, sabia?

– E daí?

– Esquece

Somos interrompidos pelo escândalo de Elsa. – Jack vai me esmagar.

– Até parece, se eu cair em cima de você seus peitos amortecem a queda.

Rex levanta a mão, isso significa que é para calar a boca. – todos são capazes de cumprir a tarefa. Vamos lá. Elsa e Jack são os primeiros.

– Há não. Elsa protesta. – ele vai me deixar cair.

– Não vai

– Como tem tanta certeza?

– Por que o grupo inteiro conta com ele e ele não quer decepcionar a equipe, não é Jack?

Ele fica pensando. Parece confuso. – Isso é alguma parada de psico- inútil que está usando em mim?

– Sim, vai lá e mostra para ela como é fácil.

Os dois fazem o exercício e logo chega a nossa vez.

ASTRID

Quando estou pronta para o exercício, percebo que não se trata de confiar ou não se ele vai me segurar.

Tenho andado zangada com ele desde a noite passada. Na verdade estou com raiva dele à oito meses. Quando descobri a verdade e ele foi embora sem me dizer a verdade.

Ele não confiou em mim naquela época e continua não confiando agora.

– Eu não posso.

– Pode sim, vem. Soluço incentiva.

Estão todos me olhando, esperando minha atitude. Quero falar, mas não queria que fosse na frente de todos. Estou cheia de tantos segredos.

Me solto da corda. – Eu não quero fazer.

– Eu vou te pegar, confia em mim. Prometo.

Olho bem no fundo de seus olhos. – Não é sobre você me pegar ou não. É sobre o acidente.

Ele me olha confuso e seu humor vai piorar enquanto digo. – O exercício é sobre confiança e eu não confio em você.

– Isso aí, barraco. Diz Jack. – E eu pensava que vocês andavam se pegando por aí.

– Cala essa sua boca ou eu calo para você. Ele está ficando nervoso e vejo que está prestes a partir para cima de Jack. Mas o problema não é com o Jack, é comigo.

Rex está pronto para segura-lo, mas ele não parece se importar.

– Depois de tudo o que houve entre nós, acho que merecia mais confiança. Soluço rosna.

Mas ele nunca vai entender. Tudo que eu queria era que ele me contasse a verdade de livre e espontânea vontade.

– Sejamos honestos uma vez pelo menos. Você também não confia em mim.

Estou chorando, não me importo com mais nada. - Você mentiu, me enganou. Devia ser honesto comigo e não foi.

Ele continua ali, confuso e sem entender. – Conta a verdade para mim. Seja honesto agora.

Noto que ele finalmente entendeu do que realmente se trata.

– Não faça isso.

– Conte para todos o que realmente aconteceu naquela noite. Abro meus braços e grito. – Nos liberte das mentiras, Soluço.

– Aleluia. Grita Jack.

Soluço avança e dá um murro nele e os dois começam a rolar dando socos um no outro. Bocão retira Soluço de cima do Jack e grita para ele se acalmar, no que não adianta muita coisa.

– O Jack não tem nada a ver com isso. É entre você e eu.

Ele me olha, está nervoso demais. – Eu que fui atropelada, não você. Não se comporte como se a vítima fosse você. Eu não te pedi para fazer sua escolha e tenho certeza que a pessoa também não. Falo para todos ouvirem sem me importar com a plateia. – Você não se importou nem um pouco comigo para confiar em mim. Eu te entreguei meu coração e isso foi pouco para você.

– Escuta aqui, querida. Ele fala atrás de mim. – Eu nunca te pedi para ser minha namorada.

– Sim, mas fez de tudo para me deixar louca por você. Foi você que me beijou no parque. Foi você que me disse na casa da senhora Reymond que queria estar no meu lugar. Foi você que falou que o que tínhamos era real. Admita que mentiu em todos esses momentos.

– O que você quer que eu diga, Astrid?

– A verdade.

– Não posso.

– Por que?

– Isso não importa agora.

– Seu covarde. Primeiro o meu pai me decepciona e agora você

Ele me olha como uma inimiga.- Não me coloque na mesma categoria de seu pai.

– Por que não? Vocês são iguais. Ele mentiu para mim, você mentiu. Ele me traiu indo embora e não voltando nunca mais e você foi embora sem querer saber se eu estava bem. São perfeitamente iguais.

– Você não sabe o que está falando.

Começo a andar para me afastar dele. Quero ir para longe.

– Mentiras são mais bem aceitas que a verdade, Astrid.

– É aí que está errado.

– A verdade é que quando voltei da prisão eu não queria chegar perto de você. Eu a culpava por eu ter sido preso e estragado minha vida. E mesmo com todo ressentimento e culpa eu me apaixonei por você. Tudo o que você fazia me deixava cada vez mais preso a você e naquela noite em que você se agarrou a mim como se eu fosse seu pilar de sustentação eu percebi que estava perdido. Seja lá o que estivesse rolando entre nós era real. Eu me odiei por me apaixonar por você.

– Aí você partiu.

– O que você queria que eu fizesse? Nossa relação tinha que ser segredo

– Você podia dizer a verdade.

– A verdade é uma droga.

– Aí a solução foi a mentira? Olho em seus olhos.

– Eu não te atropelei. Fui preso por um ano por algo que não fiz. A verdade é que me ressenti por um ano na cadeia por isso. Ele olha para Bocão e os outros. Estão todos chocados com a revelação.

– Está feliz agora?