SOLUÇO

Agora é oficial, se a situação era ruim, agora ficou totalmente pior. Acabei de trair minha irmã e a mim mesmo revelando o segredo que havia jurado levar para o túmulo. Tudo por que não aguentei o olhar de decepção de Astrid. Queria poder leva-la dali para um lugar onde ninguém pudesse feri-la, nem eu mesmo.

Estraguei tudo com todos. Não sou de confiança nem para mim mesmo. Para quê tentar fugir de ser preso. Na realidade eu estava melhor na cadeia. Pelo menos sabia bem onde estava e não era ameaça a ninguém.

Na verdade não quero ser preso, eu me sentia enjaulado feito um animal. Principalmente por saber que não merecia, apesar de que no fundo merecia por ter mentido para o juiz e para todos. Estava bêbado e meus sentidos estavam fora de mim para tomar a decisão de acobertar minha irmã.

Só queria proteger minha irmã, ela não suportaria a prisão. Já perdi de vez a noção de certo e errado.

Mas como Astrid sabia? Achei que a única forma de tirar aquele olhar acusatório era contar a verdade. Outra jogada ruim. Ela já sabia.

Agora estou preso aqui. Me sinto preso mesmo não estando necessariamente em uma cela.

– Não estou feliz. Ela responde finalmente

– Ótimo, somos dois.

– Três. Diz Jack ainda no chão. – Vou ficar com hematomas.

– Você me odeia? Astrid me pergunta.

Como eu queria odiá-la. Com todas as minhas forças eu queria poder olhar para ela e dizer que odeio, mas não.

– Você já sabia.

– Fui lembrando aos poucos até...

– Quando fui embora você já sabia?

– Sim

Fico lembrando do nosso tempo juntos na casa da senhora Reymond e de quando toquei em sua pele e tentei levantar seu vestido.

– Você sabia que eu não te machucaria e mesmo assim me deixou ir sem saber que sabia. Como você pode?

– Quando lembrei já o havia perdoado. Que importa?

– Pro inferno que não importa.

– Fim da atividade. Bocão fala. – Nós três precisamos conversar.

Sentamos de frente para Bocão que começa. – Então, quer dizer que foi para a cadeia por um crime que não cometeu?

– Me abstenho de responder.

– Não estamos num tribunal, Soluço.

– Ainda não respondo nada.

– Astrid. O que me diz?

Ela tão pouco responde.

– Vocês não estão me deixando escolha. Se não falarem eu vou reabrir o caso e investigar.

– Eu já fui preso. Já paguei. Está encerrado.

– Esse caso está longe de estar encerrado. Se você não cometeu quem foi?

Nenhum dos dois responde.

– Já avisei que não vou desistir.

Voltamos para as atividades, nenhum de nós falamos mais nada e tudo que eu queria saber era o que exatamente ela sabe.

Depois do jantar Bocão chama nós dois no canto. – Amanhã o grupo vai fazer uma visita em outra escola e vocês dois me acompanharão.

Não dá mais para mim, vou embora. Pego minha mochila e saio enquanto todos dormem. Preciso me afastar de Bocão e sua ligação com o departamento de justiça. Se ele não estiver comigo perto não terá processo contra Luane. Andei estudando leis e em três anos o crime prescreve e em um ano ela não poderá mais ser acusada.

Sigo o caminho em direção para fora do campus quando ouço uma voz

– Soluço, me espere.

– Astrid. O que faz aqui.

Ela está com uma calça larga e uma camiseta. Seu cabelo está preso e, droga, como ela é sexy.

– Você vai fugir não vai?

– tenho que ir

– Vou contigo. Ela diz

– De jeito nenhum. Ela carrega uma mochila nas costas. – Volte agora para o dormitório.

– Não

– Deixa de besteira. Fique com o grupo e siga em frente. Finja que eu nunca existi.

– Isso é impossível. Como eu gostaria que o acidente não tivesse acontecido, que você não tivesse ido preso e não tivesse saído de Berk e que você não pensasse que se envolver comigo foi um erro.

Odeio essas palavras lançadas na minha cara. Sobretudo sendo mentirosas. Ela foi machucada por mim e isso eu nunca vou me perdoar. – Estar com você nunca foi um erro.

– Mas você disse?

– Tá bom. Menti. Mas mesmo assim você não vem.

– Você me chamou para ir contigo da última vez. Se lembra?

– Sim

– Não vou cometer o mesmo erro pela segunda vez. Dessa vez vou contigo.

ASTRID

Não posso deixa-lo partir, não antes de convencê-lo a voltar e resolver. Se ele for embora posso nunca mais voltar a vê-lo novamente.

– Você não tem escolha.

– Não me irrite ainda mais.

– Não quero te irritar. Digo o seguindo.

– Só destruir minha vida?

– Tem certeza que eu destruí? Você já faz isso por si mesmo.

– Faça um favor para mim. Se vai me seguir fique calada.

– Você está mal humorado.

– O que você esperava? Me fez entregar meu segredo e agora me sinto um lixo.

– Se melhora seu humor eu também me sinto um lixo. Não é minha intenção te deixar triste ou irritado.

– Quer tanto assim me fazer feliz, volte para o dormitório.

Não paro de segui-lo e andamos por um tempo no completo silêncio.

Chegamos ao centro, está escuro e as lojas todas fechadas. – Qual seu plano?

– Não tenho um plano.

– De qualquer forma estamos juntos nessa. Falo tentando mesmo inutilmente anima-lo.

– Então deixa que carrego sua mochila.

Andamos por bastante tempo e de tempos em tempos Soluço me fazia sentar em alguma pedra ou qualquer coisa que desse para descansar minha perna.

Paramos em um parque infantil e entramos em um castelo. A estrutura é própria para crianças e temos uma certa dificuldade de entrar. Soluço senta em um canto e pega um jaqueta na mochila e estende no chão ao seu lado. – Senta aqui. Ele diz. – Pode deitar a cabeça na minha perna.

Estou tão cansada, não tenho ideia de que horas são, mas o sol ainda não nasceu.

Reparo em um tubo azul na mochila dele. – O que é isso?

Ele puxa o objeto da mochila e aperta um botão acionando a luz. - Meu sabre de luz.

– Lembro que você perseguia Luane e eu em volta da casa com isso.

– Bons tempos. Ele ondula a espada iluminando o castelo.

Estendo minha mão tirando o sabre dele. – Eu daria uma boa guerreira?

– Não, você fica perto demais do inimigo.

– Você não é inimigo.

Ele pega de volta o sabre e nossos olhos se encontram , iluminados pela luz azul do sabre.

– Eu sou inimigo, Asty. Você só ainda não percebeu.

– Está errado. Ele apaga o sabre e torna a coloca-lo na mochila. Me ajeito em seu corpo para ficar de forma confortável. – Seria tão bom se isso fosse um castelo de verdade?

– Só se eu fosse o rei.

– Podemos pelo menos fingir.

– Sim. Podemos fingir.

– Você pensa na senhora Reymond?

– Gostava de ver sua cara quando ela fazia você usar aquele vestido medonho.

– Era um mumu

– Aquilo era horrível

– Eu sei. Me lembro dela todos os dias. Se não fosse por ela...

– Se não fosse por ela você não estaria dormindo na rua na companhia de um ex detento que está fugindo da policia. Estaria agora na sua casa, na sua cama quentinha.

– Gosto mais disso.

– Você tem problemas, sabia.

Ele me abraça. – Dorme. É melhor descansar um pouco.

– E você?

– Minha cabeça está cheia demais, não dormiria mesmo. É melhor você dormir.

Penso em toda situação que passamos. Tudo que quero agora é fazer o Soluço se reunir com sua família. Mas como?

– Ainda está bravo comigo?

– Tenha certeza disso.

– O que você quer que eu faça para te deixar menos bravo?

– Volte para o dormitório e fique longe de mim.

– Tem certeza que é isso que quer?

– Não me faça responder essa pergunta.

– Por que?

– Ficar com você nunca foi um erro. Você foi o motivo de eu não surtar enquanto estive em Berk. Você e a senhora Reymond fizeram a minha estadia em Berk ser suportável.

Faço um carinho em seu rosto. – Obrigada por essas palavras. Mesmo não sendo a garota ideal e nem ao menos ser normal...

– Não fala assim.

– Mas...

– Chega de mais. Você estar aqui comigo depois de tudo que eu fiz está além da minha compreensão.

– Você sabe que acredito em você.

– Só você acredita. Desculpe ter mentido para você.

– Desculpo

Ele me abraça e a última coisa que lembro é sua mão acariciando meu braço, costas e pernas. Isso é tão bom que me deixo levar pelo sono.

Ao acordar o encontro me olhando. – Bom dia. Já temos um plano?

– Sim. Mas você não vai gostar.