Capítulo XVI - O Caminho que Aponta o Coração

— - Sofie - -

Assim que Luke arremessou o Naja para fora do teto, os homens responsáveis pela segurança da casa e que estavam no portão principal chegaram e, um a um, vi o ânimo deles esmorecer e suas expressões serem tomadas pela mais profunda tristeza e dor, alguns choraram, outra caíram de joelhos, outros as duas coisas, mas ninguém ali estava nem próximo do quão abalado estava Torui, dei alguns passos para trás enquanto o observava, enterrava seus olhos úmidos no ombro da senhora, agora já um cadáver sem vida, os cabelos loiros sujos de poeira, as costas se movendo aos soluços de tristeza. Uma dor imensurável, realmente.

Abaixo a cabeça, me distanciando um pouco, esse momento é deles. Imagino o tamanho da ajuda e benevolência que essa mulher demonstrou em vida para despertar tamanha comoção na morte, as nuvens e o próprio vento pareciam ter parado de se mover, em silêncio e luto por esse momento, não é algo que eu consiga entender, nem mesmo precise, esse tipo de dor só pode ser compreendido por quem a sente.

Viro meus olhos em direção a entrada, o grande portão de ferro parecia ter sido arrancado de suas dobradiças, as barricadas feitas no lado de dentro da propriedade estavam intactas, provando que permanecera da mesma forma que estavam no momento que abandonei aquele posto para defender o perímetro interno da propriedade. Lembro-me de ter visto Zodick se mover naquela direção.

Avanço em direção ao portão, tentando não chamar muita atenção, ao contornar as barreiras, vejo Zodick caído no chão, não parecia tão ferido, mas certamente exausto, esparramava-se de braços abertos sobre a grama, os olhos fechados, chego mais próximo, e ele pareceu notar minha presença.

— Acabou? - Questiona, sem abrir os olhos.

— Luke está enfrentando o capitão deles agora. - Ele abre os olhos e me vê segurando meu braço esquerdo com o direito, notou que algo me incomodava.

— Preocupada com ele?

— Não… Ele vai ficar bem. - Respondo firmemente, o que digo a seguir era algo que eu apenas desconfiava, mas ao ver a expressão de Luke a pouco, tive certeza. - Desde que o conheci, ele não lutou a sério nem ao menos uma vez, nem contra mim, nem contra os assassinos da Marui, muito menos contra os piratas hoje, mas… - Solto um suspiro, sentando-me de pernas cruzadas ao lado do moreno, resquícios de sangue sujando minhas calças e botas. - Dessa vez é diferente, é pessoal. Ele não vai perder.

— O que aconteceu? - Ele pergunta receoso, temendo minha resposta.

— O Naja… Matou a senhora Kaya. - Seus olhos, que fitavam o céu, fecham-se, os ombros tensos relaxam, parecia tomado por cansaço e lástima.

— Entendo… - O pesar em sua voz era paupável. - No fim, falhamos em proteger esse lugar, mesmo depois de eles terem sido tão gentis conosco. - O canto de meus lábios se contrai, meus olhos buscam as formigas que incansavelmente vagavam pela grama, em busca de levar seu sustento de volta ao formigueiro.

— Sim… Nós falhamos. - Um sentimento ruim se apodera do meu peito, enquanto permanecemos ali, o vento se recusou a soprar, a ilha toda parecia em silêncio absoluto.

Que grande perda você é para esse mundo, Kaya…



— - Zodick - -

— Zodick, Luke, está na hora. - A voz de Sofie do outro lado da porta nos chama, observo Luke, ele parecia bem chateado desde que voltou, quando perguntamos sobre Mark, ele apenas disse que havia cuidado disso, se recusando a dizer algo além, estaria ele se culpando por tudo que aconteceu? Durante o dia anterior, ouvi ele murmurar algo parecido com “se eu tivesse acordado antes”, mas quando perguntei, ele disse não ter falado nada e manteve-se em silêncio sempre que estávamos perto de Torui. Por falar no loiro, ele parecia bem cansado quando o vimos, todos estávamos vestidos de preto na cerimônia rapidamente montada para o funeral de Kaya, toda a ilha compareceu, prestando condolências a cada um dos funcionários e em especial a Torui, que possuía olheiras fundas, provavelmente não dormira durante toda a noite passada, e aparentava um cansaço surreal, os ombros baixos, expressão sofrida e postura levemente curvada, sua fala mansa e sem energia, os cabelos que normalmente víamos desgrenhados e bagunçados estavam bem mais arrumados dessa vez. Ao nos ver, ele faz um aceno de cabeça, nos soltando um sorriso cansado e abatido, mas sincero, como se agradecesse por termos vindo.

Lentamente cada uma das pessoas foi se acomodando em cadeiras organizadas pelo pátio, um quarteto de cordas tocava uma melodia até que Torui se aproximasse e erguesse a mão, com seu gesto a melodia lentamente diminui, se tornando apenas uma música de fundo. O loiro pousa pesadamente à mão sobre o esquife de madeira localizado alguns metros à frente da porta de entrada da mansão, todos os presentes ficam em silêncio à medida que o jovem pigarreia e começa, sua voz levemente embargada.

— Com o passar dos dias, nós aprendemos que a morte é algo inevitável, uma progressão natural na vida humana, não importa quem seja. - Ele retira a mão de cima do caixão, lentamente andando pelo pátio enquanto continuava seu discurso. - Mas existem aqueles que se esforçam o tanto quanto podem para atrasar isso, seja perpetuando seus nomes, seja concedendo vida e bem estar aqueles que estão ao seu redor. - Ele dá uma longa olhada para as pessoas que estavam lá, padeiros, comerciantes, açougueiros, pescadores, donas de casa, todo tipo de pessoas estava ali, a grande maioria deles pareciam comovidos, prestes a desabar em prantos. - Creio que todos vocês aqui podem dizer que a senhora Kaya era as duas coisas. - O silêncio toma conta por alguns instantes, até Torui novamente se virar para o esquife ricamente trabalhado. - Ela mais do que ninguém sabia o sofrimento que as doenças e a morte causam a si e as pessoas ao seu redor, então fez de tudo para extirpar todo esse sofrimento. Ela se tornou médica para ajudar pessoas que sofreram como ela, ela usou de sua fortuna para evitar sofrimentos como o dela, ela se tornou a base de toda a nossa comunidade… - Enquanto cada palavra saia da boca de Torui, mais e mais pessoas se rendiam ao choro incontrolável, fungadas e soluços começam a se tornar frequentes ao nosso redor. - E até seu fim, ela ainda pensou mais nos outros do que em si mesma… E é isso que fazia de Kaya uma pessoa tão melhor do que qualquer outra que já existiu. - O loiro se virou para um homem engravatado que, em posse de um lenço, limpou algumas lágrimas e se aproximou do centro do pátio.

— É com extremo pesar que nos reunimos nesta manhã… - Começou ele, seu tom de voz era respeitoso e sincero. - Para pôr em prática os últimos desejos de Kaya. - Ele então vestiu duas luvas brancas e pôs um óculos de leitura, outro engravatado se aproximou, este não usava óculos, mas tinha luvas brancas em suas mãos e elas carregavam uma pequena almofada, com uma carta completamente selada sobre ela. O primeiro homem então pegou a carta, mostrando-a a vista de todos para que contemplassem o lacre perfeitamente preservado. - Esta carta foi redigida pela própria Kaya ainda em vida, é seu testamento que, nas palavras da própria, só poderia ser aberto após sua morte e com a presença de todos os moradores da ilha. - É possível notar algumas pessoas se entreolhando, curiosas para saber o que estaria naquele envelope. - Com todos os pré-requisitos satisfatoriamente atendidos, iremos então romper o lacre e começar a leitura do testamento. - Ele vira-se para Torui, que assente com a cabeça e então o homem rompe o lacre, entregando o envelope ao outro engravatado, que coloca-o sobre a almofada. O leitor do testamento tira uma carta de dentro do envelope e, desdobrando-a, começa a lê-la:

Se estiverem lendo esta carta, significa que já terei partido, independentemente das condições envolvidas em meu falecimento, minhas palavras e desejos finais serão os mesmos.

Primeiramente, para a comunidade que desde meu nascimento me rodeou de amor, carinho e preocupação. Deixarei 3 milhões de berries para cada família dessa ilha, com um adicional de 1 milhão e meio para seus negócios e cuidados médicos necessários, espero que aceitem este meu último presente.

A seguir, para aqueles que tão atenciosamente cuidaram de mim em minha vida adulta e durante meus últimos dias, as pessoas que cuidavam de minha alimentação, segurança e saúde e que pretensiosamente considero minha família, para cada um, deixarei 10 milhões de berries no momento que essa carta for lida e uma pensão anual com mais 2 milhões para cada, além disso, abro as portas de minha mansão para cada um de vocês e suas famílias, espero que possam chamar aquele lugar de lar assim como o fiz.

Por fim, deixo minhas palavras finais para Torui Homuro, o jovem que cuidei como o filho que nunca tive com o homem que amei. Não existem palavras que possam mensurar a felicidade que ter você em minha vida trouxe, e por isso, deixo todo o restante de minha fortuna e posses para você. Faça com ela o que mais lhe agradar, mas tenho uma exigência para tal: siga o caminho para o qual seu coração aponta.

—Atenciosamente e com amor, Kaya.”

Passou-se um tempo no mais absoluto silêncio após o fim da leitura, todos ao redor pareciam extremamente chocados com o que havia sido dito, certamente que nenhum deles esperava nada do que tinha acontecido, logo após uma pequena comoção começou a se formar, um misto de incredulidade e gratidão que logo foi sufocado pelo mesmo homem engravatado ao retomar a fala.

— Agora, daremos prosseguimento ao enterro.

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Após terminada a cerimônia, foi uma noite cheia, com todo o movimento para desmontar a estrutura usada na cerimônia. Ajudamos como podíamos, eu e Sofie ficamos junto dos funcionários, carregando cadeiras e mesas e colocando tudo em ordem. Já Luke ficou junto de Torui, o loiro ficou o resto da tarde e início da noite inteiros junto ao túmulo e Luke lhe fez companhia, vez ou outra podíamos ouvir uma risada vindo de ambos, provavelmente o capitão tentava animar Torui após a perda, o que é uma atitude extremamente louvável. Não imaginei que Luke conseguisse ser esse tipo de cara, sério e preocupado com os sentimentos dos outros. Quem vê cara não vê coração, né. Ele é uma pessoa muito boa, de fato, mas conhecia apenas esse lado brincalhão, caloroso e acolhedor, nunca tinha visto essa outra faceta do capitão. Cada vez mais me convenço que fiz o certo ao embarcar nessa jornada.

— Sofie. - Chamo a ruiva que estava no final do corredor, havíamos ido tomar banho, fomos chamados para almoçar, pois o jantar estava pronto e a encontrei quando sai do quarto, se dirigindo a sala de jantar. Ao ouvir meu chamado, ela parou no corredor, ao me aproximar comecei a conversa. - Tem algo que tem me preocupado.

— Diga. - Ela responde, os orbes azuis fixos em mim.

— Nosso destino daqui em diante. - Falo baixo, tentando não ser ouvido. - Digo, é realmente uma lástima o que aconteceu, mas temos que seguir em frente… Não podemos ficar aqui para sempre. - Ela assente com a cabeça.

— Sim, mas nosso barco também foi destruído, não sei o que podemos fazer… - Ela responde no mesmo tom que eu, as pessoas ao nosso redor poderiam achar que estávamos sendo insensíveis, mas eu e Sofie nos damos bem por um motivo, nós costumamos agir racionalmente, diferente de Luke, que é muito mais passional do que nós, assim sendo, parte de nós ter esse tipo de planejamento, e alguma hora esse planejamento teria que ser feito.

— Eu tinha comentado com o Luke que nessa ilha é possível comprar passagens para Ulzah, lá é a sede da Kobilica e talvez pudéssemos dar um jeito de conseguir um navio lá. - Ela assente com a cabeça, pensando um pouco e respondendo.

— Não temos dinheiro suficiente para três passagens, nem muito menos para comprar um navio, e a Kobilica têm acordos com a Marinha, o que pode levar eles a não produzirem navios piratas, mas mesmo assim…

— Ainda é nossa melhor chance. - Ela assentiu, concordando.

— Temos que dar um jeito de irmos para lá. - Ela esfrega o pescoço, olhando por uma janela. - Não sei ao certo o que devemos fazer agora…

— Vamos jantar, pensamos mais quando estivermos de barriga cheia. - Ela solta uma risadinha.

— Certo, vamos.

Após isso, descemos as escadas, nos dirigindo a sala de jantar, devido ao estado avançado da noite, as luzes estavam desligadas, para não incomodar ninguém, havia apenas algumas velas acesas, eu e Sofie nos sentamos cada um de um lado da mesa, nos servindo, pouco após, a porta se abre e algumas risadinhas são escutadas, Luke e Torui chegam na sala de jantar e nos veem lá.

— Meu deus, comida! - Exaspera Luke, correndo para se sentar à mesa. - Eu nem lembrava o quão com fome eu tava. - Ele começa a se servir, devorando um pedaço de frango à milanesa, Torui ainda estava parado à entrada da sala de jantar, exibia um sorrisinho satisfeito, então decidi perguntar.

— Torui, não vai comer?

— Não, não estou com muita fome. - Ele dá um sorriso sem graça. - Mas que bom que estão aqui, tenho algo para falar. - Os 3 se viram para ele, atentos ao que ele diria. - Amanhã vou passar o dia no escritório, no fim do corredor aqui no térreo, mas não me esqueci do que fizeram por nós. - Ele se curva em forma de agradecimento, seus cabelos pareciam tão desarrumados quanto da primeira vez que o vimos. - Muito obrigado por terem lutado tanto para nos proteger! Seremos eternamente gratos! - Tanto eu quanto os dois que me acompanhavam pareciam extremamente desconfortáveis com a situação, mas antes que pudéssemos falar qualquer coisa, Torui continuou. - E é por isso que realizarei o desejo que vocês tiverem. - Ele se ergue, seus olhos caramelo fitando cada um de nós demoradamente. - Amanhã, vão até o escritório, pensem bem em algo que vocês queiram ou precisem e me digam, farei tudo que estiver ao meu alcance para realizar. - Viro-me para Sofie e Luke, com uma breve ideia do que vou pedir já que estamos nessas circunstâncias. - Quando se decidirem, sabem onde me encontrar, mas agora, comam bem, vocês merecem. - Ele solta um sorriso cansado e se retira do cômodo. Após alguns momentos de silêncio, é Sofie a primeira a falar.

— Eu acho que seria desrespeitoso e arrogante se pedíssemos para eles nos dar um navio, ou até mesmo dinheiro para comprarmos um, não é? - Assinto com a cabeça e Luke se pronuncia.

— Não pediremos isso. - Ele fala convicto. - Quero me tornar o Rei dos Piratas, mas um navio dado por alguém de fora não é algo que eu possa aceitar. - Encaro-o, levemente surpreso. - Só vale a pena ir buscar meu sonho se eu mesmo tiver que conquistá-lo, por méritos próprios nossos. - Me vejo obrigado a concordar com ele, afinal, se o capitão diz que não devemos fazer, nós obedecemos.

— Acho que vou pedir então para ele nos comprar passagens para Ulzah. - Ambos viram-se para mim, uma certa satisfação no olhar. - Quando chegarmos lá, nos viramos para arrumar um navio.

— E como piratas, roubar um para nós é sempre uma opção. - Sofie dá um sorriso travesso, dando uma piscadela para nós.

— Se chegar a isso, eu não me incomodo de quebrar a cara de alguém para pegar, eles já tem muitos barcos afinal de contas, emprestar um por tempo indefinido não vai machucar eles. - É a vez de Luke dar uma piscadela e tanto eu quanto Sofie rimos, essa não é nossa primeira opção, mas talvez seja necessária.

— E vocês, têm alguma ideia do que vão pedir a ele? -

— Acho que tenho uma ideia, mas não tenho certeza se esse pedido ele vai poder atender. - A ruiva se pronuncia, virando-se para Luke. - E você? - Ele fica em silêncio por alguns momentos, antes de se pronunciar.

— Tenho certeza do que vou pedir a ele. - E após isso calou-se, começando a comer, achei por bem não me intrometer, acabaríamos sabendo o que era amanhã, de uma forma ou de outra. Continuamos nossa refeição, rindo e nos divertindo enquanto a lua nova brilhava lá fora.

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Com duas batidinhas, Luke pede autorização para entrar no escritório, as grandes portas de madeira eram belamente ornamentadas, os três estávamos com roupas novas que foram deixadas nos guarda-roupas dos quartos, a qualidade das peças era inegável.

— Entrem. - Fala Torui após um breve intervalo, abrimos a porta e vamos escritório adentro. Ele sentava sobre uma grande mesa, Joy, aquela jovem que encontramos no primeiro dia que chegamos aqui, sentava-se em uma cadeira do lado da mesa, um pouco mais afastada, tinha um caderno e uma caneta em mãos, suas roupas eram bem mais joviais hoje. Torui parecia cansado, suas olheiras ficaram um pouco mais fundas hoje, mas mesmo assim ele abre um sorriso ao nos ver.

— Eu estava esperando vocês, sejam bem vindos. - Ele sinaliza para um sofá posicionado na parede oposta à mesa, indicando para que sentássemos. - Acomodem-se, por favor.

Somente quando nos sentamos consigo perceber o tamanho da fortuna existente nesse lugar, eu nunca senti algo tão confortável em toda minha vida, sinto que poderia passar anos nessa posição sem ao menos sentir um mínimo desconforto. Ele parece notar nossa admiração, comentando.

— Dizem que esse sofá foi feito usando-se de couro de um Rei dos Mares que foi “lavado” pelo poder de uma Akuma no Mi, as almofadas são feitas de usando pêlos de Minks, que doaram-no de bom grado, fazendo com que os pêlos fiquem ainda mais macios, são realmente uma delícia de se sentir não é mesmo? - Assinto e vejo Luke se abraçar forte com um dos travesseiros, murmurando “é tão fofinho” enquanto mantinha seu rosto pressionado a ela. - Mas não é sobre o sofá que vieram falar, correto?

— Sim, sobre aquilo que falou ontem… - Começa Sofie.

— Sim, creio que já possuem seus desejos em mente, correto? - A navegadora pirata assente, a seguir falando com firmeza.

— Eu quero que, se possível, você me dê o Kabuto. - Fico surpreso com o pedido, da mesma forma Joy e Luke parecem se alterar, ambos erguendo a cabeça na direção da ruiva, Torui ergue uma sobrancelha.

— O estilingue de Usopp, é isso que você quer? - Ela assente firmemente. - E a que se deve esse pedido tão inusitado?

— A senhora Kaya foi muito gentil conosco e seu… falecimento, me chateou bastante. - Vejo Joy se mexer inquieta e desconfortável sobre a cadeira ao ouvir Sofie mencionar Kaya. - Eu tenho um sonho, quero visitar o mundo todo e guardar lembranças de todos os lugares, coisas especiais que me façam lembrar dos bons momentos que tive ali. - Os orbes azuis estavam cravados em Torui, ela não parecia nem hesitar, tinha certeza do que queria. - Entendo que possa haver algum apego emocional por parte de vocês sobre o Kabuto, mas se não for pedir demais, esse é meu pedido. - Após o choque inicial, Joy parece ter se recuperado, sua face demonstrava mais surpresa pela peculiaridade do pedido do que propriamente uma ofensa, provavelmente o apego emocional era muito mais por parte de Kaya do que deles, e este pensamento me é confirmado alguns segundos depois, pois prontamente Torui se pronuncia.

— Pois bem, se tem certeza que é isso que quer, assim será, pedirei para alguém prepará-lo e entregar a você. - Os lábios naturalmente avermelhados da ruiva esboçam um sorriso e ela meneia a cabeça.

— Entendido, muito obrigado por sua gentileza. - Torui sorri gentilmente e então vira seu olhar em minha direção.

— Zodick?

— Primeiro, gostaria de agradecer pela gentileza que vocês têm nos demonstrado até agora, tanto em nos dar abrigo e comida quanto nos dar esses presentes. Quando chegamos na ilha, fomos pegos no meio da confusão entre o bando de Mark e a Marinha, então nosso barco afundou. Planejamos ir até Ulzah para tentarmos conseguir um navio e continuarmos nossa jornada, para chegar lá, existe um navio que sai daqui a quatro dias, mas nossas economias não são suficientes para pagarmos essa viagem, então meu pedido é esse, se não for pedir muito, gostaria de três passagens para Ulzah. - Joy, que havia feito o mesmo procedimento após o pedido de Sofie, começa a fazer anotações no bloco de papel em sua mão, ela estava anotando o que estamos pedindo? Talvez ela vá ajudar Torui a conseguir o que pedimos? O loiro não parece estar em condições de fazer muita coisa, e aparentemente ele tem muita coisa na cabeça agora.

— Perfeitamente, pedirei para Joy providenciar, também incluirei algumas bagagens com mantimentos, roupas e algum dinheiro, para que possam fazer uma viagem digna.

— Torui, isso é demais, não creio que possamos aceit- Antes que eu terminasse minha fala, o jovem ergue sua mão.

— Eu insisto, não é nada demais e será providenciado. - Solto um longo suspiro, rendido, ele não parecia disposto a retirar essa proposta, mesmo que eu estivesse disposto a discutir.

— Muito obrigado novamente. - Ele dá um sorrisinho satisfeito, acenando com a cabeça e virando-se para Luke, o capitão fitava-o e abriu um sorriso.

— Meu pedido é só um, existe algo que eu quero: - Luke se ergue, deixando a almofada sobre o sofá e apontando para o homem detrás da mesa. - Torui Homuro. - Joy novamente ergue a cabeça, posso ver um brilho surgir em seu olhar, Torui por sua vez fecha os olhos, enterrando-os detrás de suas mãos, cruzadas na altura dos olhos graças ao apoio dos cotovelos na mesa, Sofie é a primeira a se manifestar.

— Eu acho que o que o Luke quis dizer é - O capitão fuzila Sofie com o olhar, irritado.

— Eu disse exatamente o que eu queria dizer, meu pedido é Torui Homuro. - Ele vira-se para a mesa, aproximando-se e botando as mãos espalmadas sobre a mesma. - Eu sou o homem que vai se tornar o Rei dos Piratas, você é meu amigo, é você que quero que esteja comigo quando eu for o homem mais livre de todo esse mar. - Seu tom era sério e convicto, Luke não hesitava ou brincava com suas palavras. - E é por isso que meu pedido é esse: Torui Homuro. - Eu e Sofie ficamos em silêncio, Joy também não ousou soltar um pio, o clima pesado e parado na sala só é perturbardo quando Torui ergue-se da mesa, dirigindo-se para a janela e fitando o lado de fora.

— Este é um pedido que não tenho condições de realizar, Luke. - Possuía um tom melancólico e embargado quando falou novamente. - Para os que posso fazer algo, tomarei as devidas providências, Joy. - Ele chama e ela prontamente se põe em pé. - Por favor, conduza-os para fora. - Ela o fita hesitantemente e logo suspira, se vendo forçada a cumprir seu pedido. A porta se fecha pesadamente atrás de nós.

— - Torui - -

— Entre. - Falo ao escutar o bater na porta, lá fora o sol já se punha, haviam se passado dois dias desde que me reuni com Luke e os outros para ouvir seus pedidos, desde então tenho evitado-os tanto quanto posso, então para mim foi um grande alívio quando Joy adentrou o escritório.

— Imaginei que estivesse aqui. - Ela comenta, uma censura estava disfarçada em seu tom de voz, abro um sorriso sem graça.

— Tenho estado muito aqui recentemente.

— Não é motivo de orgulho. - Ela responde prontamente, pondo um envelope sobre a mesa. - Os preparativos para a viagem já estão prontos, aqui está a passagem para Ulzah. - Ergo uma sobrancelha.

— Pensei ter dito para comprar três passagens, eles precisam ir juntos.

— Sim, você disse. - Ela vira o envelope, revelando meu nome escrito nele. - Comprei quatro, já entreguei os deles, esse é seu. - Fito-a nos olhos e ela devolve a encarada.

— Você sabe bem que não posso ir.

— Por quê não? - Ela inquire. - Infelizmente para todos, a senhora está morta. Não há nada que o prenda aqui.

— Justamente por isso, ela está morta! - Exaspero, acabo por assustá-la com meu súbito elevar de tom, solto um suspiro, pondo minhas emoções novamente no prumo e retomando a conversa. - Ela está morta porque eu fui incapaz de protegê-la…

— Ninguém poderia ter feito nada.

— Eu poderia. - Fecho os punhos, meu corpo todo formigava, raiva subindo por minha garganta e amargando minha boca. - Mas fui fraco demais para fazer algo.

— E acha que ficar aqui vai mudar alguma coisa? - Dessa vez é ela que eleva seu tom. - Acha que ficar aqui que nem um moribundo sem dormir, chorando pelos cantos e enfurnado nesse escritório o dia todo era o que ela queria para você? Acha que isso vai trazer ela de volta à vida? - Posso sentir uma mistura de dor e raiva em sua voz. - Você é mais tolo do que achei que era, Torui. - Ela se aproxima a passos rápidos, achei que ela me bateria, e eu realmente merecia, mas é um abraço terno e atencioso que recebo. - Ela te amava, garoto, como uma mãe ama o filho que saiu de dentro de si, esse tipo de amor. - Ela me aperta forte, meu queixo sobre seu ombro. - Quando você era criança, ela sempre me dizia que foi uma conexão instantânea, no momento que ela te viu, seguiu o desejo do próprio coração e te adotou como um filho, laços sanguíneos não importavam para ela, só você. - Ela finalmente se afasta, segurando meu rosto entre as palmas de suas mãos. - E foram essas as últimas palavras dela para você, faça como ela, siga os desejos do seu coração, seja feliz! - Ao recuar dois passos, percebo que ela chorava ao dizer cada palavra. - Ela fez questão de tirar todas as amarras de você, Torui, fez questão de nos dar uma forma de sustento e abrigo permanente, para você não ter nada com o que se preocupar. - Ela vira as costas, saindo pela porta, mas não sem antes dizer uma última coisa. - Não deixe os últimos esforços dela serem em vão. Voe, Torui.

— - Sofie - -

O apito que sinalizava que o navio partiria em cinco minutos ecoava por todo o porto de Syrup, Joy havia vindo nos deixar e nos ver embarcar no dia prometido, trouxemos conosco um pouco de comida, umas quatro mudas de roupas e algum dinheiro, duvido que possamos comprar um barco com esse dinheiro, mas valerá de algo para não passarmos fome, e nós sabemos nos virar de toda forma, vamos dar um jeito.

— No fim, ele não veio… - Comenta Zodick a medida que subimos a rampa que leva ao convés, Luke ia na frente, completamente calado. Ele parecia chateado pela decisão de Torui, mas em nenhum momento se queixou disso para ele ou para nós, por mais que doesse nele, o capitão respeitou a decisão tomada e seguiu em frente. Temos que fazer o mesmo.

— Haverão outras pessoas para entrar no banco, e sempre poderemos vê-lo, uma vez que terminemos a jornada. - Zodick me fita, estranhando, mas parece compreender meu intuito: colocar uma pedra no assunto para não chatear Luke ainda mais.

Seguimos o caminho indicado em nossas passagens, nos conduzindo até a porta do nosso quarto, aparentemente, era um quarto para quatro pessoas, mas Joy não mencionou nada sobre termos algum companheiro de quarto, ao abrir a maçaneta, notamos um vulto dentro do quarto, ponho a mão nas facas escondidas na minha cintura, mas Luke se interpõe no caminho, colocando seu braço à minha frente. É então que percebo Torui dentro do quarto.

— Nossa, vocês demoraram demais, achei que iríamos partir sem vocês. - Luke abre a boca para falar, mas Torui ergue as mãos e indica as camas do quarto para sentarmos, então fecha a porta, trancando-a. - Seria ruim se um marinheiro escutasse isso. - Ele enche os pulmões, respirando fundo. - Desde pequeno eu procurava um lugar a qual pertencer, algo para almejar, e foi a senhora Kaya que me ensinou o que era ter isso. - Os olhos cor de mel do loiro fixam-se em nós, principalmente em Luke. - Cresci com as histórias sobre Usopp, Sogeking e grandes piratas, então me decidi a muito tempo. - Ele põe a mão no coldre que tinha amarrado a coxa, sacando sua garrucha. - Eu sou o homem que se tornará o melhor atirador do mundo, nada nem ninguém escapará dos meus tiros. - Ele abre um sorriso sincero e divertido, guardando novamente a garrucha. - E não tem lugar melhor para o melhor atirador do mundo pertencer do que a tripulação do Rei dos Piratas, você não acha? - Sorrio involuntariamente e vejo Luke se erguer com um sorriso imenso na face, até Zodick parecia ter aprovado seu discurso, o capitão aproxima-se dele e fala enquanto ambos tocam os punhos.

— Bem-vindo ao bando, Torui Homuro, o melhor atirador do mundo.

— - Continua - -