POV BUTTERCUP

Domingo, um dia antes do ano letivo se iniciar, fui registrar minha matrícula e pelo pouco que vi foi o bastante para me deixar boquiaberta. A diretoria ficava próxima à entrada. Ao chegarmos, éramos recebidos pelo busto de bronze do fundador do colégio, Carl Jones Jojo Maverick. Apesar de chique, aquele monumento era no mínimo bizarro.

Vestia umas roupas largas e usava um boné velho que peguei emprestado do professor, ainda não acredito que ele tinha esse estilo mais despojado quando mais novo.

Enquanto ia em direção a diretoria, tive a impressão de estar sendo observada, olhei discretamente para trás e não vi ninguém, deve ter sido impressão.

Dentro da diretoria, entreguei meus documentos — sob a identidade falsa de Drake Utonium — para uma funcionária ruiva, alta e gentil, que fez tudo com um sorriso no rosto. Srta. Sara Bellum, era o nome escrito em seu crachá.

— Tudo pronto, querido. — disse me devolvendo os papéis. — Agora vá para casa, descanse bem e chegue aqui amanhã às 6 horas para organizar suas coisas no seu quarto, 102, no 3° andar. Depois, volte aqui na diretoria para pegar seus horários. As aulas começam às 7h15 em ponto. — orientou-me. — Boa sorte e nos vemos amanhã. Se precisar, sabe onde estou.

— Obriga…do. Até!

Agradeci e voltei pra casa, mas antes, dei uma última olhada no prédio.

Maverick, lá vou eu! Me aguarde!

x x x

Respirei fundo. O dia que idealizei cada segundo chegou. Desci do carro, ansiosa, me despedi do professor com um beijo estalado. Peguei minha mala e finalmente atravessei os portões da renomada Maverick.

O pátio era gigante, arborizado e perfumado, pássaros cantavam alegremente em seus galhos, me senti uma formiga no meio de tudo isso aqui. Havia poucos alunos ao meu redor naquele horário. Além do busto do fundador, mais para frente, perto da porta de entrada, havia uma estátua, essa de corpo inteiro de um jogador fazendo embaixadinha.

Atravessando a porta me deparei com um salão de entrada mediano. As paredes pintadas de bege, painéis de madeira instalados atrás de uma TV LED de 32 polegadas — essa de frente ao sofá branco e três poltronas da mesma cor, posicionados juntos formavam um “L”, na mesinha de centro tinha vários volumes de revistas para passar o tempo —, e dos dois grandes espelhos, um atrás do sofá e outro no corredor. No fim desse corredor dava nos dois elevadores — um social e outro de serviço — e uma porta que dava as escadarias. Vasos de plantas preenchiam os cantos vazios do cômodo.

Fiquei admirada com a beleza e deixei um “uau” escapar por meus lábios. Dei meu nome ao porteiro e fui ao elevador. Inclinei meu corpo pra frente, procurando o botão para meu andar e arquei uma sobrancelha ao ler, embaixo do botão 3, um aviso dizendo: “Fora do horário de visita, entrada restrita apenas ao pessoal autorizado”, será que era nesse andar que expunham os troféus?

— Proibido, hm — fiz biquinho. — Enfim, não é da minha conta — dei de ombros e voltei a deixar minha coluna reta. —, mas isso não significa que eu não posso dar uma conferida nesse andar futuramente — falei baixo a última parte dando um sorriso ladino.

Ainda confusa com qual botão apertar, tentei ser lógica. Meu andar é o 3°, e se o 3 é proibido, logo o botão 4 deve ser o meu andar. Pensa bem: 1 e 2 são os dois primeiros, o 3 é o dos troféus então o 4 é o meu. Faz todo sentido!

O elevador subiu e parou, comecei a caçar o meu quarto, confiante, assim que ele abriu.

POV BUTCH

Estava no quarto do meu “mano” Boomer, reclamando que meu time tinha perdido de novo no último jogo. Eu ainda não consegui acreditar que o goleiro deixou a bola passar por ele.

— Tô dizendo, mano… Foi vacilo do goleiro! — Dizia eu, parecendo espumar pela boca, enquanto Boomer estava meio entediado ao meu ver.

— É, é… Eu vi o jogo. — Disse ele, bocejando. — A propósito, você sabe que meu negócio mesmo é natação, né?

— Tô ligado. Você sempre se amarrou em esportes aquáticos, né não? — Eu dei risada me lembrando do Boomer com seis anos que ainda molhava as calças.

O loiro assentiu com a cabeça, enquanto eu continuava rindo feito idiota.

— Enfim, cara, já tá pronto pra aula? — Indaguei. — Já está quase na hora.

— Maaan… Nem vi a hora passar. Também, tu não pára de falar, né?! — Boomer reclamou, me dando um tapinha no pescoço. Ele estava rindo e eu sabia que era tudo brincadeira.

— Sabe como é… Eu adoro conversar com meu irmãozinho. — Segurei ele pelo pescoço com força, quase enforcando o pobre coitado.

Assim que abro a porta, eu e Boomer damos de cara no moleque baixinho que vi no dia anterior. Deve ser um aluno novato.

— Pois não? — Falei com uma voz diferente da habitual. Boomer se segurou para não rir.

— Er… Acho que errei o quarto. Mals aí, cara. — Falou o garoto, com uma voz “arranhada”. Parece que ele está mudando de voz, então, nem sempre a voz fica tão grossa.

— Relaxa, tampinha. Aqui todos são amigos. E qual seu nome? — Toquei o topo da cabeça dele, fingindo que era um cachorrinho. Me espantei pelos cabelos dele serem tão macios. Estava sem o boné agora.

— Ih, qual é! Tá me estranhando, meu? — Ele vociferou e eu até me assustei. É baixinho e invocado ainda por cima.

— Foi mal, foi mal… — Me desculpei com um sorriso amarelo.

O misterioso garoto disse se chamar Drake e que tinha se matriculado ontem nesta escola. Ele comentou comigo que andou se perdendo. Sei como é, na primeira vez eu nem sabia onde era meu quarto. Me perdia sempre. A sorte dele é que ele tem um ótimo guia: Eu mesmo.

Fomos todos para nossas salas de aula. O tal do Drake estava na minha classe, o que facilitaria para eu explicar as coisas da escola.

POV BUTTERCUP

É, meu raciocínio estava errado, mas também, como eu iria saber que esse prédio é um enorme quebra-cabeça! Os botões 1 e 2 eram o estacionamento e o salão da recepção, respectivamente, o 3 era o local proibido e os andares dos quartos começavam do botão 4 para cima, é mole?

Devido a essa confusão, depois que saí do elevador, me perdi. Dei volta naqueles corredores estreitos muitas vezes e quase fiquei vesga de tanto andar em círculos. Vi o quarto 02 e sorri esperançosa, talvez fosse o meu, o 1 do 102 poderia ter caído. Erro meu. Me preparando para bater na porta dei de cara com dois garotos desconhecidos, um loiro e um moreno chamado Butch.

Apesar de folgado e ainda ter a audácia de me chamar de tampinha na maior cara de pau, ele me explicou como funcionava aquela bagunça toda e de como ele também se perdeu aqui quando era novato.

Agradeci e me encaminhei ao elevador, dessa vez apertei o botão correto.

Depois do período das aulas, fui para meu quarto, por causa da correria de manhã, não tive tempo de ajeitar minhas coisas.

O quarto era espaçoso, possuindo um guarda-roupa grande, duas camas de solteiro, mesas de cabeceira entre elas, um abajur em cada extremidade do quarto. As paredes eram pintadas de branco e as cortinas azuis claras. Tendo uma suíte, o banheiro era básico, com um vaso sanitário, duas pias de mármore e um box de vidro transparente. O cômodo era bastante iluminado.

Passei as roupas da mala para a minha metade do guarda-roupa, organizei tudo do meu jeito separando-as por cores.

Notei que Bubbles tinha deixado o seu polvo de pelúcia reversível comigo acompanhado de um bilhete: “Deixarei o Polvi com você para ele te proteger sempre que precisar. Mas presta atenção, cuide bem dele, viu? Te amo! ♥”. Abafei um riso ao terminar de ler.

Vê-lo me fez recordar de sua entrada na família.

Estávamos aproveitando o final de semana em um parque de diversão, já havíamos passado na maioria dos brinquedos e comido à beça, nos preparávamos para ir embora quando Bubbles apontou para uma das barracas de jogos com os olhinhos azuis-turquesas brilhando.

— Professor eu quero! Professor eu quero! — gritou saltitante.

— Meu tesouro, você já tem muitas pelúcias, não acha?

— Pelúcia nunca é demais e eu quero muuuito aquela! — se virou pra ele. — Por favorzinho! Por favor, por favor!

Eu e Blossom nos entreolhamos, rindo. Sabíamos muito bem que Bubbles não desistiria tão fácil de uma coisa até consegui-la.

— Tá, tá. — ele concordou relutante, consequência de muitas súplicas e insistência por parte da loira. — Mas só uma!

— Obrigada, obrigada!

Na barraquinha, para ganhar o prêmio era necessário acertar três patinhos de papelão, que se mexiam de um lado para o outro, num limite de 60 segundos.

— Fácil — comentei. — Eu vou jogar e ganhar! Me agradeça depois Bubbles. — dei uma piscadela.

O funcionário me estendeu a pistola d'água. Assim que o tempo começou a rodar, respirei fundo, me concentrei bem e atirei quando estava na mira.

Acertei a primeira tentativa, errei a segunda e a terceira, porém em compensação acertei nas duas últimas e venci.

O funcionário me parabenizou e fiz questão de entregar a pelúcia para minha irmãzinha, que me agradeceu com um abraço apertado e caloroso.

— Você é a melhor, Butter!

— Eu sei disso, mas valeu por me lembrar — respondi a abraçando de volta.

— Eu ouvi isso hein! — Blossom protestou, ciumenta. — Também estou aqui, caso tenha se esquecido.

— Também te amo, boba. — esticou o braço a convidando para um abraço coletivo.

Mais tarde, em casa, que ela descobriu que se tratava de um polvo dupla face. A face roxa era a feliz, puxando-o do avesso, se transformava em um polvo azul marinho de face enraivecida. Blossom o apelidou de “Butterzinha” pela mudança repentina de humor. Palhaça!

De volta ao presente, na metade da organização, deitei-me na cama para descansar um pouco. Com a cabeça encostada no travesseiro decidi que iria terminar mais tarde. Aproveitando o silêncio, comecei a analisar melhor os pertences do meu colega de quarto.

Que não seja um tarado, amém!

Franzi o cenho ao perceber um quadro de Butch, mais jovem, segurando uma medalha de ouro pendurada em seu pescoço junto ao pai, presumo eu, na mesinha.

Arregalei os olhos.

Não, não poderia ser!

Ouvi um estalo da maçaneta e rapidamente me sentei. Quando nossos olhos se cruzaram, paralisamos.

— Vo-você? — demandei estupefata.

Sorte ou azar, como eu poderia chamar?