Judith

Capítulo 5 – Primeira semana


Felicity Smoak
Nunca pensei que a minha vida pudesse ficar ainda mais corrida do que já era, porque agora além de comandar a Smoak Technologies, também tenho que passar noites acordadas colocando leite na palma da mão para ver se a temperatura está ambiente, tudo para não causar queimaduras de terceiro grau como quase aconteceu na primeira noite em que Judith ficou sob os cuidados de Oliver. É claro que estou exagerando, não chegou a ser uma queimadura de terceiro grau, mas o imbecil quase queimou a língua de Judith naquela noite.
Pela manhã sou diretora executiva de uma das empresas mais lucrativas de Starling City e, durante à noite, luto contra o crime tirando os ratos da cidade.
Mentira.
Antes fosse.
Pela manhã continuo sendo a diretora executiva da Smoak Technologies, mas durante à noite, intercaladamente, limpo bundinha de neném e tento assistir aqueles programas para crianças, chatos, não criativos, que acham que nossos bebês sofrem de algum tipo de retardo, mas que por incrível que pareça deixam Judith mais calma.
Já se passou uma semana que estou quase beirando à loucura, os dias passaram em um piscar de olhos. Eu só queria que eles durassem um pouquinho mais, tipo, quarenta e oito horas. Não é como se eu estivesse pedindo muito. A verdade é que desde que Oliver e eu entramos no mundo de Judith, estamos mais perdidos do que cego em tiroteio. Cada dia é uma nova descoberta sem respostas, Judith parece nos testar o tempo todo. Às vezes, a papinha preferida é a de legumes com filé pelo almoço, e à noite, ela já quer legumes com atum. Outro enigma são os horários que decide sujar a frauda, não é como uma receita de bolo, tem dias que ela sempre faz três vezes ao dia, mas em outros dias ela é uma máquina de fazer cocô. Eu simplesmente não consigo entender, e para completar, não tenho a capacidade de Oliver para reconhecer quando ela faz aquela cara de quem estar prestes a soltar uma bomba atômica dentro da frauda.
É de tirar a paz.
Esses últimos dias não consegui dormir nem quatro horas por noite, porque também Oliver não facilitou. Tudo precisava da minha ajuda, seja para preparar as mamadeiras da madrugada ou para fazer bruxarias para que Judith parasse de chorar por pelo menos meia hora, mas eu não o culpo, estamos na nossa primeira semana como... Tutores! Não é fácil para ninguém, Caitlin e Barry eram vencedores e assim como Judith sente saudade, nós dois pensamos neles pelo menos uma vez a cada dia que passa.
E hoje é um dia desses.
Não consegui pregar meus olhos essa noite, dessa vez o motivo não é o nosso monstrinho de laço rosado, mas sim uma reunião importantíssima que estava preparando com Caitlin há um ano. A ideia do projeto foi todinha dela, arborizar Starling City e chamar a atenção do turismo para a cidade depois de tanto sofrimento químico pelos projetos do antigo prefeito, Malcolm Merlyn. Recuperação ambiental utilizando nada menos do que a tecnologia, uma ideia brilhante. Só que desde que Caitlin nos deixou não consegui dar prosseguimento ao trabalho e agora já estamos aqui prestes a apresentá-lo aos nossos investidores, e não, eu não estou preparada. Acho que perdi aquela segurança de sempre pelo caminho quando estava tentando sobreviver ao trânsito caótico.
— Felicity?
— Eu! — pulo da poltrona de rodinhas assim que Curtis me chama pela porta.
— Aqui está o café que você não me pediu.
— É, eu não pedi. — alcanço a xícara, o cheiro está bom dessa vez. O que será que aconteceu com aquele líquido fraco que Curtis costumava fazer? Devo ter ido larvar o meu cabelo.
— Você acha que consegue?
Sua face demonstra certa tensão.
Curtis deve estar se referindo à reunião com os nossos maiores investidores que irá acontecer nos próximos minutos.
— É claro que consigo. — fungo profundamente à medida que tomo o café quente. Para quem estou tentando mentir? Óbvio que estou insegura, a minha melhor amiga e cabeça do projeto morreu há praticamente uma semana, me transformei na tutora da sua filha e não dormi bem a semana inteira. Preciso dizer mais alguma coisa?
— Podemos adiar até que você esteja bem.
— Curtis, eu estou bem!
— Felicity, os investidores vão entender caso não consiga. Só faz uma semana...
— Isso é pela Caitlin, é o nosso projeto, ela estava feliz que finalmente iriamos conseguir fazer algo pela cidade que tivesse alguma importância.
Curtis pigarreia ao apoiar seu corpo na mesa à frente, ele encosta as mãos macias nas minhas como fez nos primeiros dias desde que voltei para a Smoak Technologies, sempre muito compreensivo. Nos primeiros dias eu só conseguia chorar, borrar meu rímel caríssimo, mas ele continuava ali pertinho de mim como os amigos fazem. Só que eu decidi engolir todo aquele sentimento e dor, porque Caitlin nunca gostou de me ver dessa forma, ela sempre dizia:"Engula o choro, uma Smoak de verdade não borra o rímel.", e bom, eu estava fazendo da forma errada. Então decidi apenas voltar a minha vida de sempre e lutar pelos ideais que a minha melhor amiga tinha pela nossa cidade.
— Eu entendo, Lys. — derreto. Odeio quando me chamam por apelidos carinhosos quando estou uma maria mole.
— Sei que sim.
— Mas é que não precisamos ser fortes o tempo todo.
Droga.
Por que Curtis passou a ter tanta razão nesses últimos dias?
— O Sr. Steele vai ser fácil assim como os outros foram, Curtis.
— Walter é praticamente um ativista, Felicity!
Bocejo longamente.
É instintivo.
— Eu vou fazer ele babar por nós. — minha voz é cansada.
— Você bocejou.
— Não bocejei não.
Curtis espreme os olhos.
— Eu vou cancelar essa reunião.
Ele desencosta da mesa fadado a cancelar a reunião mais importante das nossas vidas no momento. Da vida de Caitlin. Afinal, o projeto era nosso e não havia outra pessoa tão preocupada que tudo desse certo.
— Paradinho aí!
— Qual é Felicity?
— Eu vou assinar os papéis da sua demissão caso você dê mais um passo.
Demissão?
Claro que não.
Mas eu preciso blefar.
— Isso é sério? — o olhar de Curtis é desacreditado.
— Mande o Sr. Steele entrar com os demais investidores, já estamos atrasados.
— Sim, Senhorita Smoak. — outra coisa que odeio, quando meus funcionários me tratam dessa maneira formal, mas dessa vez eu não tive escolha.
Deus!
Que Caitlin esteja conosco.

~~~


Oliver Queen
— Qual é a sensação? — Dean pergunta enquanto abre a geladeira procurando pela sua primeira presa.
Dean Winchester é um dos meus melhores amigos, quero dizer, é o amigo mais louco que conheço se é que existe essa categoria. Barry chegou a conhecê-lo, mas ele não curtia muito as ideias de Dean, não quando elas incluiam colocar fogo nas lixeiras dos vizinhos e depois enchê-las de esterco. Coisas de adolescentes, mas tudo bem, então qual era o problema?
Dean nunca saiu da adolescência e Barry odiava isso nele.
Lembro que na noite que antecedia o casamento de Caitlin e Barry, Dean chegou encima de um Cadillac cheio de mulheres de biquini. Elas pareciam àquelas garotas propagandas da revista Playboy, eu não vou mentir, Dean sempre teve um péssimo gosto para surpresas, não iria mudar isso em uma despedida de solteiro. Barry entortou o nariz na hora, mas quando percebeu, a casa estava cheia de mulheres, música alta e copos com cerveja em cada móvel preferido de Caitlin. O problema é que a futura Allen resolveu que voltaria do Clube da Luluzinha mais cedo naquela noite e pegaria Barry sentado cheio de chantily no rosto depois de cair de boca nos peitões de uma loira.
Amigos, o álcool é surpreendente, porque Barry estava outra pessoa.
Ele só não contava com a fúria de Caitlin.
Desde então, Barry nunca mais olhou para Dean com os mesmos olhos.
— Você está perguntando sobre a sensação de não conseguir pregar os olhos por uma semana inteirinha?
— Uau... Isso é coisa fina! — Dean mostra a garrafa de champanhe de Felicity, o seu espumante preferido.
— Cara, se você quiser se manter vivo... Não mecha em nada que tenha uma etiqueta amarela dentro dessa geladeira.
— Está brincando?
— Acredite em mim, se você quiser continuar tendo acesso a essa casa, não mexa nas etiquetas amarelas.
— Essa casa está parecendo um quartel! — ele abre a garrafa de cerveja gelada. — Primeiro aquele quadro com regras. Caramba, só faltou ela regular quantas vezes você pode respirar por dia!
— Dean, você conhece a Felicity...
— Sim, eu conheço. — ele dá de ombros. — Ela me odeia.
— Que mulher não te odeia?
Dean faz uma cara de pensativo.
— Vocês dois estão...
O interrompo antes que complete a pergunta.
Qual é, eu não suporto Felicity, se estamos dormindo sob o mesmo teto durante uma semana é exclusivamente por causa de Judith. Nada mais do que isso. Nada mesmo.
— Não, Dean!
— Mas você nem me deixou terminar.
— Eu e Felicity não estamos transando.
A risada de Dean é meramente assustadora, se Judith não estivesse em um sono profundo lá encima, talvez isso a faria ter pesadelos.
— Espera aí, você está morando na casa que era dos seus melhores amigos, cuidado da filha deles, aturando uma geladeira cheia de etiquetas amarelas proibidas para consumo, com um quadro cheio de regras na cozinha e não está rolando nada com a Felicity?
Bufo.
Às vezes, também não consigo aturar o Dean.
— É tudo pela Judith, certo?
— Caramba Oliver, você está acabado. — ele dá um gole lento e torturante na sua cerveja. Sim, eu estou quase babando assistindo Dean beber uma das minhas geladas, como aqueles cães que ficam olhando os frangos girarem e girarem nas padarias. O motivo é que Felicity me proibiu de encostar em qualquer líquido que houvesse álcool enquanto eu estivesse com Judith. Inferno.
— E só estamos na primeira semana.
— Judith não deixa vocês dormirem, é isso?
— Não. Ela troca a noite pela manhã, agora mesmo está dormindo como um anjinho!
— E os seus dias de folga?
Gargalho alto.
— Dias de folga? Tudo naquele quadro dá certo, exceto os meus dias de folga!
— Cara, você ainda vai enlouquecer.
— Eu já estou enlouquecendo. — tomo a cerveja das mãos de Dean e dou uma golada demorada, curtindo cada instante em que as bolhas de gás descem pela minha garganta. É como encontrar um daqueles potes do ouro no final de um arco-íris, tipo um orgasmo. É isso, um orgasmo. E sobre Felicity não permitir que isso aconteça... Ela não vai ficar sabendo!
— Você realmente está ficando louco. — a voz de Dean é lenta e observadora.
— E eu não tenho motivos? De um dia para o outro eu me tornei não só padrinho de Judith, mas também o tutor! Eu tenho que me acostumar com uma geladeira cheia de etiquetas, senão Felicity degola as minhas bolas. Outro dia eu estava muito apertado e precisava tirar a água do joelho, entrei no banheiro e me deparei com Felicity de toalha, eu não me importei com isso, só precisava fazer a merda do xixi. Só que Felicity ficou histérica e me encheu o saco durante o dia todo! Que culpa eu tenho se ela demora séculos dentro de um banheiro? Daqui a pouco vou ter que mijar nos arbustos do jardim.
— Homem de Deus...
— Para completar as minhas noites com Judith são o inferno da terra. Nesses últimos dias durante uma tentativa de correr até ela para cessar o choro interminável, esbarrei em um cachorro de borracha e rolei as escadas. Dean, eu rolei a porcaria dos degraus... Minhas costas estão cheias de hematomas!
Meu coração está acelerado pelo simples fato de estar contando um terço do que estou sofrendo esses dias, imagina daqui a uns meses? Não sobreviverei.
— Oliver, você precisa relaxar.
Volto a rir divertidamente, porque relaxar é a palavra que falta no meu dicionário.
— Eu só preciso de um pouco de paz, sei lá, o mundo poderia acabar. E pronto.
— Nada disso meu amigo, você só precisa voltar aos velhos tempos.
— Velhos tempos?
— Os nossos velhos tempos! — Dean retira de um dos bolsos um daqueles saquinhos plásticos lacrados, mesmo se eu fosse cego, saberia o que tem nesse saquinho. Sim, maconha. O cheiro é reconhecível em qualquer lugar. — Isso aqui vai te dar uma ajudinha.
— Cara, não vamos fazer isso aqui!
— Você está me tirando? — ele espreme os olhos na minha direção, dando passos lentos até me segurar pelo colarinha da camisa xadrez, sussurrando. — Quem é você e o que fez com o meu melhor amigo?
O seu rosto está muito perto, eu sou capaz de sentir o bafo quente de Dean baterem contra meu rosto. Isso é um pouco desconfortável.
— Sai daqui! — o empurro para ganhar um pouco mais de espaço.
— Essa vida aqui não é para você, cara. — Dean dá de ombros novamente.
— Eu amo a Judith.
— Mas ela não é sua filha, não tem o mesmo sangue que você! Meu irmão, quando ela estiver com quinze aninhos e quiser curtir uma das festinhas da república do jogador de basebol popular e você negar, ela não vai te chamar de pai. Pior, ela vai perguntar quem você é para não deixar ela ir beber umas e falar porcarias com as amigas.
As palavras de Dean me acertam em cheio, elas parecem dinamites explodindo dentro do meu cérebro. E se ele estiver com a razão? Eu sempre amei Judith com todas as minhas forças, mas eu só a via alguns dias na semana, afinal era Barry quem era o pai, era ele quem cuidava das fraudas sujas, do leite quente das madrugadas e das palavras cruzadas às sexta-feiras à noite.
Não eu.
Minha vida era o contrário, eu morava com o meu pai, trabalhava quando precisava tirar uma grana a mais e as mulheres me davam presentes quando eu saia com elas. Essa camisa mesmo que estou usando, foi um dos presentes. Eu tinha minha irmã preparando o café pela manhã, podia mijar na minha privada quando bem entendesse e minha geladeira não parecia um campo de batalha naval. Era a minha vida, uma vida que foi arremessada para o alto assim que soube que os meus dois melhores amigos tinham perdido a vida da forma mais ingrata que existe. E mais, que eles tinham me deixado como tutor da sua filha junto com Felicity, a mulher que quando sorri parece destruir todas as barreiras que cria quando estamos de baixo do mesmo teto, mas que quando forma àquela ruguinha entre as sobrancelhas está prestes a virar um demônio.
— É, eu preciso relaxar! — puxo o plástico das mãos de Dean, mas ao abrí-lo, um choro conhecido nos impede de dar qualquer outro passo.
— Opa, eu conheço esse som. — ele faz aquela cara de safado conhecida e rapidamente corre pelas escadas. É óbvio que eu o sigo, não vou deixar que Dean encoste essas mãos cheias de microrganismos em Judith, e não, isso não é convivência demais com Felicity, é que eu só não confio nas mãos de Dean.
— Volta aqui, ela vai se assustar.
Tarde demais, porque ao subir colocando meus bofes para fora, a menina Judith já está nos braços de Dean, e por incrível que pareça, não está chorando mais.
— Tudo sob controle. — ele se gaba.
— Como você fez isso?
— O quê?
— Ela não está chorando...
— Mamãe passou açúcar em mim. — ela dá àquela piscadela.
— Supernatural...
— Ela gosta de mim. — Dean sussurra para Judith que brinca com as orelhas dele. — Oliver disse que nenhuma mulher gosta de mim, mas dessa vez ele errou feio!
— É parece que eu errei.
O relógio começa a apitar histericamente.
Ops! É a hora da papinha.
— Que porra de barulho é esse?
— Sem palavrões! — sussurro.
— É cara, você não está bem.
O ignoro.
— É a hora da papinha.
— Papinha?
— Sim, Judith precisa se alimentar cinco vezes por dia. Estamos na terceira vez, ou seja, o almoço.
Dean olha vidrado para Judith por alguns misteriosos segundos. — Eu não estou preparado para ser pai...
Estava tudo perfeito demais, porque aquele cheiro mortífero volta a parecer, como um bueiro sujo, eu preciso me acostumar com isso ou vou precisar de uma máscara de oxigênio sempre que isso estiver para acontecer. E dessa vez ela não fez cara de quem vai fazer cocô, eu juro que ela não fez.
— Ah não...
— Que cheiro é esse? — Dean faz uma expressão de quem estar prestes a vomitar.
— Cocô. — faço um sinal negativo com a cabeça.
— Essa é a hora em que eu vou embora! — o seu sorrisinho sarcástico me dá voltade de quebrar todos os dentes da arcada dentária, ele ia perder o charme com o total de certeza.
— Cara, você vai me deixar na merda? Literalmente?
— Preciso resolver algumas coisas na cidade. — ele me devolve Judith que faz sons com a boca. É tipo um Baba que não consigo entender, na verdade, deve significar:"Babacas, me limpem agora!"
— Mentira.
— É, é mentira.
— Você tem certeza de que é meu amigo?
— Oliver, meu caro, basebol na quinta à noite! Você está precisando. — Dean me dá um beijo demorado na bochecha, ele é babado e um pouco asqueroso, mas ele sempre faz isso quando se despede. Acho incrivelmente fofo, mas ele não precisa saber dessa parte. Mal sabe ele que faço a mesma coisa com Felicity quando quero irritá-la, ela odeia esses beijos babados e pegajosos e, bom, se estou conseguindo a deixar bravinha é isso que importa.
— Dean!
O safado com aquele sorriso nos lábios me dá um tchauzinho com as pontas dos dedos e some pela porta.
Babaca.
Respiro fundo.
— Agora somos só eu e você!

~~~


Felicity Smoak
A maldita reunião começa, e como toda reunião de negócios tudo aqui está um porre, e só se passaram quarenta minutos. Nos primeiros vinte minutos o café que Curtis me deu faz efeito, eu falo altivamente, um pouco acelerado, mas é que a cafeína me deixa com certa arritmia.
Os outros vinte minutos estão sendo de pura batalha, e não com os investidores, mas com o meu próprio sono. Durante o tempo em que Walter explica os interesses ao nosso projeto, dou leves piscadas que são interrompidas pelos beliscões que recebo de Curtis por de baixo da mesa, que porcaria, eles são dolorosos.
— Senhorita Smoak, está tudo bem? — a voz imponente é a de Walter.
— Sim, tudo sob controle. Estou ótima! — me recomponho sobre a poltrona endireitando os óculos de grau.
Curtis bufa.
Damos continuidade à reunião.
Sabem quando nós não estamos mais no comando das nossas próprias ações? Porque minhas pálpebras estão tão pesadas que nem um guindaste conseguiria levantá-las. E é assim que toda a merda começa a cheirar, porque só me dou conta de que algo está errado quando àquela sensação de que estamos caindo durante um sono pesado me faz voltar à realidade. Mas, desta vez, essa sensação de que estou dando com minha cara no chão é a voz grossa de Walter me chamando de volta.
Eu pulo sobre a poltrona assustada.
— É a minha vez! Eu já estou indo Judith! — falo a frase de sempre quando Judith está chorando no quarto ao lado esperando por mim.
— Como? — Walter pergunta intrigado.
Ao perceber o lugar onde estou, ruborizo de imediato.
Merda!
— É... — as palavras me faltam.
— Acho que precisamos de alguns minutos por aqui. — Curtis ameniza.
— Alguns minutos? — o Sr. Steeles pergunta irônico. — Minha equipe pegou um jato particular para chegarmos aqui no horário, mas mesmo assim ficamos parados como postes lá embaixo.
— Estamos passando por um momento difícil. — Curtis tenta explicar, mas é inútil, Walter é duro.
— Por enquanto acho melhor acabarmos por aqui. — o executivo começa a reunir os documentos sobre a mesa junto com os demias investidores.
Agora sim estou sentindo o baque, porque as batidas do meu coração são tão fortes que daria para sentir a pressão do meu peito.
— Sr. Steele, eu peço desculpas, mas podemos reaver todos os prejuízos. Nos dê mais uma chance! — levanto junto com ele, minha voz é ansiosa.
— Senhorita Smoak, agora não. — Walter nega, mas sua expressão é de compressão. Um pouco confuso, eu sei.
— Você não vai conseguir encontrar nenhum projeto que alcance o mesmo potencial!
— Ah não? E por que esse projeto fantástico ainda não está sendo usado na sua própria cidade?
— Bom... É que...
Gaguejo.
Porque minha resposta não consegue sair.
Será que é por que minha amiga morreu faz a porcaria de uma semana?
— Nos vemos assim que a senhorita nos mostrar dados reais de que esse projeto realmente funciona. — é a última vez que Walter me dirige a atenção, porque em seguida ele junto com a sua equipe sai pela porta, levando junto com ele a oportunidade de fazer com que a ideia de Caitlin vingasse, nos desse recurso para iniciar o projeto na nossa prórpia cidade depois de tanto sofrer nas mãos de um homem tão ambicioso que destruiu Starling City.
Meu corpo desliza de volta para a poltrona em frustração.
Porque eu falhei, falhei com Caitlin.

~~~


Oliver Queen
Tudo bem, confesso que a maior parte do tempo é um caos, Judith não me deixa assistir os jogos de basebol ou basquete que stão passando na TV. Ela prefere os programas de bichinhos peludos que se comunicam uns com os outros. Mas não é sobre isso que estou tentando filosofar, é que por mais que eu esteja cortando um dobrando tentando entender uma criança em exatos sete dias é que nada paga a forma com que ela sorri quando me olha.
A segurança de Judith me dá voltande de querer saber mais sobre o seu mundinho, qual a cor preferida dos vestidos, qual a sobremesa favorita, se são os morangos ou as mangas em pequenos cubos logo depois das refeições. Se ela gosta mais do Mickey ou da Minnie, ou sei lá, se prefere a Ariana Grande ou a Dua Lipa.
O que estou querendo dizer é que nem tudo são fraudas sujas, horas acordado pela madrugada, porque no final, quando ela tenta se levantar para dar os primeiros passos, meu coração se enche de esperança, mesmo ela caindo logo em seguida como acabou de fazer. E a sua risada? Não há momento mais incrível do que esse, esse sentimento me faz querer ficar mesmo não sabendo o que me aguarda nos próximos dias, ao quadro cheios de ordens pela capitão Smoak, pela geladeira cheia de etiquetas e as horas no banheiro. Porque o que importa é esse sorriso com zero dentinhos na boca que sabe que não está sozinha, nunca vai estar, Barry e Caitlin estavam certos.
— Opa! — a levanto novamente, mas Judith volta a cair com aquela risada gostosa.
Três toques são dados à porta.
É Felicity, ela sempre faz isso.
— Tudo bem por aqui?
Sua voz é cansada, há algumas olheiras pela pele fina dourada, mas ela não pode saber que percebi. Mulheres. O sobretudo vermelho está enrolado nos braços enquanto ela encosta o ombro na beira da porta de madeira, seguindo de sua cabeça à medida que dá um sorriso quando avista Judith abrindo os bracinhos a chamando.
— Estamos sobrevivendo.
— E quando não estamos? — Felicity murmura ao se aproximar de nós, ela abaixa ficando de joelhos e Judith tenta se levantar para abraçá-la. — Olá, meu amor.
O perfume gostoso de Felicity cobre todos os metros quadrados do quarto rosado de Judith e minhas narinas se regozijam, eu adoro esse cheiro, puta merda. As poucas vezes que entrei no seu quarto quase roubei roubei o vidro com o perfume, eu poderia ficar o cheirando durante o dia inteiro como um viciado em drogas. Falar nisso, o quarto de Felicity é o mais organizado que já vi, eu pensava que o de Thea superava qualquer um, mas não o de Felicity, o edredom é liso, os travesseiros milimetricamente organizados e parecem muito macios. Tudo no lugar, não há se quer algo fora dos trilhos e pó, não há nenhum sujeira.
— Você está bem?
Felicity me dirige um sorrisinho quebrado, mas não diz nada até se despedir de Judith que volta a brincar com os diversos ursinhos de pelúcia espalhados pelo tapete em que estamos sentados.
— Só preciso de um banho.
— Sério?
Eu não entendo as mulheres, ainda mais quando elas são donas de um império. Então pode ser que Felicity realmente esteja cansada, não deve ser nada fácil comandar uma das maiores empresas de Starling City, isso a faz insuportavelmente a dona da porra toda.
Ela apenas assente com a cabeça e sai pela porta.
Estranho.
Judith pega no sono um tempinho depois de Felicity ter chegado, então decido aproveitar um pouco o tempo que tenho até que ela volte a acordar para a janta. Crianças não costumam ser pontuais, mas a palavra comida faz verdadeiros milagres, principalmente Judith acordando na hora certa. Mas até que isso aconteça eu tenho algumas horas e vou aproveitá-las como nunca, e quando decido descer um pouco, passando pelas escadas avisto Felicity largada sobre o sofá com seu pijama de estampas, é um dos meus preferidos. Dou passos lentos até ela, me sentando ao seu lado no sofá, no entanto, ela se quer se importa, como se eu não estivesse aqui ou como se qualquer pessoa estivesse aqui.
— Que merda aconteceu, Felicity? — pergunto intrigado.
— Nada, Oliver!
— Tem certeza? — aponto para a mesa. — Você está tomando o seu espumante em uma caneca amarelada, a garrafa está fora do gelo e não há protetor de copos. Ah, e você desde que chegou não reclamou sobre as roupas na lavanderia que ainda não foram lavadas ou sobre a louça na pia.
— Amanhã. Ok? Amanhã eu cumpro o protocolo.
Ela apenas suspira.
— Foi alguma das coisas que eu fiz?
— Ou das coisas que você não fez?
Volto com uma feição pensativo.
— É, talvez.
— Não, Oliver. Dessa vez você não tem culpa! A culpa é toda minha.
Felicity suspira pela segunda fez. É a coisa está feia.
Um comichão no rabo me faz voltar com a série de perguntas, mas que merda, por que eu tenho que me preocupar? Eu poderia aproveitar as poucas horas que tenho assistindo a reprise dos jogos que Judith não me deixou assistir no tempo real.
— Quebrou suas unhas? — a provocação escapa, sem querer.
Felicity revira os olhos.
— Hoje não, Oliver. — ela pega a caneca amarelada com uma das mãos e a outra alcança a garrafa de champanhe.
— Espera. — a impeço de se movimentar, prendendo-a no sofá. — O que aconteceu? Parece que vou te deixar em paz enquanto não me falar o que está rolando?
Ela bufa.
— Ferrei com um investimento fodastico.
— Olha o palavrão...
— Você não quer ir para a casa do... — a interrompo rapidamente.
— Ta bom, eu já entendi!
— Vai me deixar continuar?
— Por favor.
Felicity dá uma golada na caneca, e sua voz continua um misto de cansaço e frustração. Eu apenas me endireito no sofá ficando de frente para ela como uma criança que espera os pais contarem uma história encantada antes de dormir. A loira me olha com as pálpebras cansadas, mas decide continuar com o inferno que está se passando dentro da sua cabeça.
— Eu e Caitlin estávamos tentando vender um projeto de recuperação ambiental, era o máximo, porque desta vez iríamos juntar com a tecnologia. Entende? Mas eu não podia desviar verba da Smoak Technologies para engajar o projeto, então resolvemos primeiro vendê-lo e usar o dinheiro para começar a colocar ele em prática na cidade.
— Qual o problema? — pergunto sem entender, novamente.
— O problema é que eu estava cansada demais para isso e não consegui vender o projeto de Caitlin. — seus ombros caem, encostando as costas no sofá. — Eu falhei.
— Não falhou, você não costuma falhar Felicity.
— Eu fui arrogante com Curtis quando ele quis me mostrar que eu não estava preparada. — ela dá de ombros.
— Somos humanos, erros acontecem.
— Não é isso, Oliver! É que eu não estou sabendo lidar com essa carga dupla. Sempre amei o meu trabalho, mas agora eu só quero distância de tudo. Não quero que toda a minha frustração caia sobre Judith, sobre o que prometi que faria a Caitlin.
Ah não...
Não faça assim com os olhos, Felicity.
Não sei como agir quando mulheres estão prestes a chorar rios.
— Às vezes me pego pensando a mesma coisa, mas nada justifica o que seria da Judith sem a gente. Caramba, você lida com maníacos pela grana todos os dias, deve assinar papéis o tempo inteiro, comanda robôs que devem dançar igual a Britney Spears e acha mesmo que não vai dar conta de um bebê?
Felicity esboça uma risadinha timida. — Bumblebee dançando Toxic seria divertido.
— Seria. — sorrio tão timidamente quando Felicity. E é aí que mora o perigo.
— Existem momentos que eu só gostaria de jogar tudo para o alto. — ela volta a suspirar.
— Não precisamos ser fortes o tempo todo.
Felicity arregala os olhos, fazendo com que eu volte a sorrir.
— Você não é a primeira pessoa que me diz isso hoje.
— E por que o espanto?
— Porque isso não é algo que você costuma fazer.
— Fazer o que? — uma ruga surge da minha testa.
— Confortar as pessoas.
— Não estou te confortando! — dou de ombros. Quem está confortando alguém aqui? Eu pouco me importo com o que esteja rolando, só não queria esse ar de enterro aqui dentro de casa. É só isso.
— Ah, obrigada, já estava achando tudo muito estranho por aqui! Já iria perguntar se você realmente era o Oliver ou o que os alienígenas tinham feito com você.
Seguro uma risada.
— Bom, você não seria a primeira pessoa a me perguntar isso hoje.
— É... — ela segura as palavras por míseros segundos até soltá-las. — Obrigada.
— Caitlin sempre vai se orgulhar de você, esteja onde ela estiver. — encosto meu dedo indicador em um dos braços de Felicity que arrepia de imediato. Eu não deveria dar bola para isso, mas alguma coisa dentro do meu cérebro diz que isso significa algo, não é possível que não signifique. Mas ao mesmo tempo meus neurônios batem um no outro em confusão, porque mesmo que signifique qualquer merda, eu não deveria me importar.
Um silêncio nasce desde o momento em que nos encostamos, está tão na cara? Porque a boca de Felicity entreabre e o seu olhar se quebra quando encontra meu dedo indicador.
Um pigarreio. — Mesmo quando você coloca tudo a perder?
— Fala sério, Felicity. Aos sete anos de idade você já construía computadores, aos dezenove anos ficou em segundo lugar na competição Nacional de Tecnologia da Informação, foi para a faculdade no M.I.T e ainda acha que não vai conseguir mudar isso?
Felicity está boquiaberta agora.
— Espera aí, você andou lendo minha biografia no google? — ela espreme os olhos.
— Não precisei, naqueles tempos obscuros em que Barry e Caitlin tentavam te empurrar para mim, eles repetiam o seu currículo todas as vezes até que decidi aceitar o tal encontro. — dou de ombros.
— O que você se atrasou uma hora? Eu lembro. — Felicity é sarcástica.
— Enfim! — a impesso de travarmos a mesma batalha conhecida. — O ponto é que você vai conseguir dar a volta por cima, Caitlin também sabe disso.
— E se eu não conseguir? — murmura.
— Vai conseguir, só precisa relaxar...
— Relaxar, Oliver? Tem como relaxar?
Busco no bolso da bermuda de moletom o pequeno saco plástico que tirei das mãos de Dean hoje mais cedo. Ele estava certo, Felicity e eu estamos beirando à loucura, só precisamos tirar um tempinho para nós dois, relaxar e esperar que o novo dia seja um pouco mais normal dos que os últimos.
Ao mostrar o saco plástico a Felicity, ela arregala suas duas bilhas azuis.
— Não! Não vamos fazer isso!
A loira levanta do sofá batendo os pés, e ali está a antiga Felicity, a que forma ruguinhas entre as sobrancelhas quando está prestes a se transformar em um demônio.
— Deixa de ser careta, Felicity.
— Fumar maconha com uma criança de um ano dormindo lá encima? Não há essa possibilidade.
Ela cruza os braços.
— Judith não vai acordar.
— E se acordar?
— Ela não vai acordar.

~~~


Felicity está tossindo como um cão leproso.
Eu só consigo rir da sua cara de apavorada logo após receber a fumaça nos pulmões pela terceira vez. Os seus olhos estão arregalados e ligeiramente avermelhados, não existe algo mais engraçado do que esse momento.
— Eu vou morrer! — ela diz entre as tossidas.
— Você está fazendo errado, tem que tragar devagarzinho para não destruir sua garganta. — sussurro à medida que trago o cigarro tentando demonstrar.
Passo o bastão.
Felicity o traga lentamente, mas as tossidas vem novamente, junto de risadas.
— Por que você sussurrou? — ela pergunta sussurrando também.
— Por que você está sussurrando agora?
Agora nós dois estamos sussurrando.
Meu corpo está leve, eu poderia flutuar.
Crianças, não repitam isso em casa.
— Você já imaginou se um vibrador gigante entrasse por àquela porta? — Felicity volta a sussurrar.
Vibrador?
Eu estou muito louco ou ouvi Vibrador gigante?
— Contanto que logo depois dele entre um grande vidro de lubrificante, eu ficaria mais tranquilo!
Uma risada gostosa escapa dos lábios de Felicity, me fazendo rir também. Agora estamos nos tocando enquanto nos divertimos sobre coisas irreais. Não importa, para mim parece bem real sim.
— Não ria tão alto. — a ponta do dedo indicador dela toca a junção dos meus lábios. — Eles podem estar lá fora, precisamos ser discretos.
Eu paro de rir por instante. Lá vem o silêncio de novo.
— Estamos sussurrando, não tem como os vibradores gigantes nos ouvir!
— Estou com medo!
Felicity levanta em direção à porta encostando o ouvido nela, ela está parada por alguns segundos. Eu não estou entendendo nada.
— O que você está fazendo aí?
— Tentando ouvir passos!
Solto uma nova gargalhada.
— Isso não faz sentido. — trago tão profundamente o cigarro que minha garganta implora para que eu vá com mais calma.
— Sabe o que faz sentido? Dançar uma boa música!
Com passos lentos, Felicity para em direção a uma das caixas de som na sala. Ela coloca bem baixinho a faixa Lady Marmalade, o que me faz levantar e andar até ela rapidamente. Eu aperto o botão pause e os olhos de Felicity me metralham.
— Você está ficando louca? Quer alardiar nosso esconderijo? — a sua gargalhada nunca foi leve quanto a de agora, ela encosta a testa no meu ombro, roçando a ponta do nariz perfeitamente fino.
— Judith não vai acordar e os vibradores gigantes não vão conseguir entrar aqui! — ela me mostra o molho de chaves. — Eu tranquei a porta! Mas Shhhhiu, eles não podem ficar sabendo. — volta a sussurrar, agora tão próximo ao pé do meu ouvido, que me faz malditamente arrepiar.
A porcaria do meu pau não pode funcionar sob efeitos de maconha.
Ele nunca funciona, não pode me desapontar agora.
O dedo de Felicity escorrega no botão pausar voltando a liberar a música.
O quadril dela se mexe de vagar de um lado para o outro à medida que seus braços escorregam na mesma direção, fazendo barulhos com os dedos polegares ao mesmo tempo em que corre a melodia. Os olhos estão fechados, os lábios avermelhados entreabertos, o calor infernal dentro dessa sala. Ou é o efeito alucinógeno ou estamos no próprio inferno, quero dizer, ou eu estou no meu próprio inferno.
Engulo a seco quando a bunda de Felicity empurra meu quadril para o lado no momento em que a música entra na parte do rap. Ela está se divertindo. É real.
— Christina Aguilera não é uma das sua preferidas? — ela risca o lábio inferior com a língua notoriamente para me provocar.
— Prefiro a Shakira.
Felicity nega a minha afirmação.
— Só está dizendo isso porque não sabe dançar!
— O que é?
Agora ela mecheu em uma ferida.
Sou um dançarino de primeira, não queira me ofender.
— Você não sabe dançar. — as mãos de Felicity passeiam pela altura do meu peito que tensiona. Como sempre. Os cotovelos paralisam por ali ao mesmo tempo em que as mãos entrelaçam os dedos atrás da minha nuca, os olhos caídos e ligeiramente avermelhados voltam a se fechar junto com o ritmo da música que continua.
Eu deveria rebater.
Mas meu quadril acompanha o seu, de um lado para o outro, estamos na mesma sintonia. Ao crescer do refrão, minha mãos puxam a pequena cintura de Felicity para mais perto, acabando com a distância de poucos milimetros entre nossos corpos. Um grunhido fica preso na garganta, mas ela não diz nada, apenas permanece com os olhos fechados curtindo a melodia. Nossos pés seguem uns aos outros, dando-nos uma performace incrível.
É muito sexy.
Cristo, meus neurônios estão virando poeira.
A empurro para longe e Felicity abre os olhos pela primeira vez depois de um tempinho e quando a rodo como um peão antes de puxá-la de novo, ela gargalha. A risada se torna ainda mais audível quando seus seios voltam a impactar meu peitoral, unindo nossos abdomens. Estamos rebolando tão lascivamente, ambos os olhos fixos, quando a levanto no alto deixando que Felicity apenas apoie as duas mãos nos meus ombros, estamos rindo de novo, pouco nos importando com a realidade que existe de baixo de toda a fumaça pela casa.
Ao encostar novamente os seus pés descalços no chão, as mãos de Felicity voltam a escorregar pelo meu peito, estacionando por ali. Nossos narizes roçam também lentamente por leves segundos até que ela abaixa um pouco a cabeça a descansando na altura do meu ombro esquerdo. Diferente da última canção, nós estamos apenas trocando passos curtos, até que ela volta a rir baixinho.
— Quando o efeito acabar, eu vou querer matar você!
— E eu vou voltar a te odiar.
Felicity levanta seus olhos intrigada.
— Agora não está odiando?
O sussurro, a música baixa, se continuar assim meu coração vai sobressair como uma escola de samba. E por enquanto, não estou preocupadoem acordar Judith ou com os vibradores gigantes nos esperando lá fora, porque o que importa de verdade é como eu vou conseguir entender o que realmente está acontecendo comigo, com o meu corpo e todas essas sensações estranhas. Ah, e meu pau só não está aceso como uma tocha olímpica por motivos de maconha, eu nunca consigo sentí-lo quando estou sob efeitos, eu simplesmente não consigo funcionar.
— Não.
— Confessa que você até gosta de mim.
— Não te suporto a metade do dia... E a outra metade também!
Nós dois rimos.
Minha cabeça pende para baixo buscando aquele cheiro de mais cedo, mas não encontro, porque agora tudo o que está em Felicity é a sua colônia natural, e eu já comentei o quando a adoro da mesma forma. Ele é tão malditamente característico. Droga.
— Estamos quites.
Os pêlos da nuca arrepiam assim que sentem minha barba rala roçar a sua pele fina do pescoço na tentativa de sentir seu cheiro. Felicity assente com a cabeça me deixando levantar o queixo para que eu possa olhá-la com mais atenção, tudo está acontecendo naturalmente, não há sentido, não existe se quer alguma pressão sobre nós dois, tudo o que temos é uma música de fundo. Eu quero beijá-la, quero muito, por mais que eu saiba que tudo vá acabar aqui e amanhã nada vai ter acontecido de fato, as noites mal dormidas irão continuar, a loucura com as fraudas, o gênio forte de Felicity ao descobrir a casa uma bagunça. Mas por hora, eu só quero beijar essa mulher, com o seu concentimento dessa vez.
Os nossos hálitos se encontram assim que nossas bocas se abrem, nossos olhos também estão abertos, fixos, trêmulos. É agora, antes que eu possa me arrepender por estar fazendo isso ou por nunca ter feito.
A tensão está tão sólida que daria para cortar com uma faca.
Voltamos a roçar as pontas dos nossos narizes. Nos sentindo.
Os olhos se fecham em sintonia.
E no momento em que nossos lábios estão prontos para se misturar, a música acaba.
O choro de Judith aguça nossos sentidos.
— Judith! — Felicity me empurra, mantendo certa distância.
Eu engulo a seco.
Engolimos.
— Preciso preparar o jantar!
Meus pés se atrapalham.
— Vou dar um jeito nessa fumaça!
Nossos corpos se trombam quando tentamos ir ao mesmo tempo em sentidos diferentes.
— Cuidado!
— É você que tem que olhar para onde anda!
Acho que o efeito passou. A realidade voltou.
É, talvez tenha sido melhor assim.