Judith

Capítulo 3 – O destino pregando peças


Pray - Sam Smith

"Talvez eu ore, ore

Talvez eu ore

Nunca acreditei, e você sabe

Mas eu vou orar."

Felicity Smoak

Estou o próprio pó.

Há dias.

Já se faz quase uma semana que estou trabalhando como uma condenada, conseguindo manter meus olhos abertos graças ao café fraco de Curtis. Mas confesso que sairia mais no lucro colocando palitos de fósforos nas pálpebras para mantê-las abertas, assim como o Tom faz nos desenhos animados.

Essa loucura está acontecendo somente pelo fato de Caitlin ter tirado férias e viajado com Barry para a Califórnia. Não nego que minha amiga estava precisando tirar uns dias com a família, a Smoak Technologies é capaz de nos fazer de prisioneiros se não tomarmos cuidado. Mas onde estaria o erro? O próprio erro sou eu, porque me acostumei com o trabalho magnífico de Caitlin, porque por mais que as ideias revolucionárias saiam da minha cabecinha, ela quem é a estrutura desse lugar, arruma a papelada, monta as tabelas, manda e desmanda nos funcionários e garante a paz desse lugar.

Eu sou encarregada pelas ideias, o laboratório e os computadores são a minha preocupação ou deveriam ser! Só que os poucos dias em que Caitlin está longe são o bastante para me deixarem com os cabelos em pé. Minha mesa está repleta de papéis, pilhas de envelopes com a documentação de todos os nossos parceiros do mundo tecnológico e, bom, eu não sei lidar com toda essa burocracia.

— Chega! — levanto da cadeira acolchoada de rodinhas, colocando toda a minha frustração para fora. Eu desço um andar, mais um e por fim, encontro o laboratório, só que dou com a minha fuça em uma porta transparente de vidro. Eu ainda não me acostumei com esse novo sistema, as portas dos laboratórios só se abrem com reconhecimento facial, eu desenvolvi esse projeto que deu super certo para empresas de alta segurança, até mesmo em presídios. Mas algo está errado, porque estou parada feito um dois de paus e simplesmente as portas se negam a abrir, não me reconhecendo.

Diga a senha.

Uma voz robotizada surge do além.

— Como é que é? Eu sou a senha. O meu bendito rosto é a senha!

Diga a senha.

A porcaria da voz robotizada repete a frase irritante.

Mas antes que palavras mal educadas escapem dos meus lábios, consigo ver através da porta transparente Curtis caindo em uma gargalhada ao lado de Bumblebee, nosso robô.

Sacaram a referência? Eu e Curtis somos um pouco amantes de Transformers.

— Abre essa merda! — grito. Mesmo sendo óbvio que eles não tenham ouvido o que eu disse a porta se abre e claro que ele deve ter feito leitura labial.

Olá. Seja bem-vinda à segurança máxima.

Novamente a voz robótica.

— O que está acontecendo aqui, Curtis?

— Laila, obrigado pela recepção. Está dispensada! — ele desliga o tablet e o guarda.

Até mais, Mister Terrific.

— Mister? Terrific? — cruzo meus braços.

— Bom, é só uma programação. Estou desenvolvendo um novo sistema de segurança e quis brincar um pouco! O que tem de mais Felicity? Você precisa relaxar.

— Não me diga que tenho que relaxar!

Grito.

Alto.

Curtis e Bumblebee se assustam.

Caramba, eu estou há dias sem descansar se quer por vinte e quatro horas. Não tinha noção de como Caitlin era fundamental para o andamento dessa empresa, a verdade é que minha área burocrática não existe e que eu preciso de um spa com pedras quentes nas costas, rodelas de pepino nos olhos e uma boa máscara refrescante no rosto para expulsar todas as rugas que ganhei nessa semana.

Caitlin precisa voltar.

Minha melhor amiga e sócia precisa voltar.

Rápido.

Antes que eu enlouqueça.

— Chefinha, há algo de errado?

— Tudo errado, Curtis. Tudo. — meneio a cabeça, jogando-me em um puf gigante. Eu afundo nele. — Caitlin está viajando, estou sem a minha amiga, sem Judith e sem contar que a minha carga aqui dentro duplicou! A minha mesa está cheia de papéis para assinar e organizar!

— Papéis? — a cara que ele faz é de surpresa.

— Sim, papéis.

— Quem ainda usa papéis em pleno século XXI? — Curtis pergunta intrigado.

— Eu também não entendo. Parece que milhares de árvores foram destruídas para que aqueles documentos chegassem na minha mesa!

— É que você sabe... Caitlin não acredita na tecnologia.

— Como alguém pode não acreditar na nuvem? Caramba, é só arquivar e fim! — suspiro, acabada, morta.

— Ah... A nuvem. — agora é Curtis quem suspira e dos seus olhos parecem saltar dois corações. O que podemos fazer se somos amantes da internet?

— Agora estou quase sendo soterrada com tantos documentos. E você não vai acreditar no que eu acabei de descobrir! — meus olhos espremem, levanto-me do puf com muita dificuldade e com passos curtos vou me aproximando de Curtis que alerta vai dando passinhos para trás assim que chego mais perto.

— Eu não fiz nada! Não dessa vez.

— Existe um almoxarifado no primeiro andar e lá existem caixas e mais caixas com todos os documentos da Smoak Technologies. — os cabelos dos meus braços arrepiam só de imaginar um lugar com prateleiras e recheado com papéis e mais papéis. Isso ainda existe? Eu poderia contar aos meus netinhos que um dia um lugar desses existiu. Sei lá. Vou pensar em torna-lo um museu futuramente.

Caitlin realmente é o contrário de mim.

Odeia a tecnologia e suas facilidades.

— Deus... — agora é Curtis que se joga no puf em posição fetal.

— Você precisa dar um jeito nos papéis que estão na minha mesa.

— Eu? Essa não é a minha função!

— O que acabou de dizer? — volto a direcionar meus olhos espremidos e fuziladores em direção a Curtis que rapidamente se reporta.

Ele balbucia.

Faz beicinho.

— Felicity...

— Não vem não, eu tenho alergia a esse retrocesso. Você é quem vai organizar todos os documentos para que eu assine e depois vai descer até aquele museu de almoxarifado e colocar por ordem alfabética nas caixas. — dou de ombros. Isso é tão aliviador.

— Por que eu? — ele murmura.

— Simples. Porque sim! — sorrio feito um anjinho.

— Ah... — ele reclama igual ao Chaves quando leva uma bronca do senhor Girafales. E eu só consigo rir.

O peito de Bumblebbe começa a apitar.

Indicando que há uma ligação para mim.

— Bumblebbe, transfira para meu celular.

Ele faz de imediato e rapidamente o atendo.

A voz é desconhecida.

Felicity Megan Smoak?

Sim.

Sou o capitão Quentin Lance da polícia de Starling City.

Polícia?

Calma aí.

Será que eu me tornei uma fugitiva da polícia? Eu não me lembro de ter feito nada ilegal nesses últimos dias. Sim, eu comi uma barrinha de cereal no Supermercado esses dias antes de registrar o pagamento, mas eu a paguei. Tenho como provar com a notinha que deve estar perdida em algum lugar obscuro no meu carro.

Ah, teve o dia em que cortei um carro passando pelo acostamento, mas em minha defesa, era uma velhinha que estava na direção do carro da frente que andava como uma tartaruga, ela mal estava conseguindo enxergar a estrada.

É, eu devo ser um péssimo ser humano.

Isso não é algum engano? — pergunto incerta.

Infelizmente não há nenhum engano, senhorita.

Aconteceu alguma coisa?

Um acidente. A polícia da Califórnia achou o seu contato como emergência.

Acidente?

Califórnia?

Caitlin?

Não pode ser...

~~~

Oliver Queen

Está frio por aqui, assim como o calafrio perturbador que percorreu pela minha espinha assim que Thea atendeu meu celular por acidente. Ela não precisou me dizer nada, porque os seus olhos de pavor me atingiram, encheram de lágrimas e ali pude perceber que não era uma boa notícia.

Minha irmã não costuma chorar, ela é uma durona, mas aquele telefonema em meio à manhã a fez chorar. E sem trocarmos uma única palavra desde o momento em que o telefonema acabou, nos abraçamos forte, um abraço confortante antes mesmo de me dizer o que realmente aconteceu. Afinal de contas o que disseram a ela para que reagisse de tal maneira? Eu estou assustado, meu coração apertado e ao mesmo tempo batendo tão rápido como um perfurador de solo.

— O que aconteceu?

Sussurro ainda dentro do abraço de Thea.

— Você precisa vir comigo até a delegacia de Starling City.

Delegacia?

Eu não vou a uma delegacia desde os meus tempos de garoto quando era fichado por algum policial que queria arrancar dinheiro dos meus pais alegando que eu dirigia bêbado.

Mas desde então nunca mais toquei meus pés em um lugar desses.

Será que fiz alguma merda sem ter percebido?

— Eu não estou entendendo, Thea.

— É que... — seu peito contrai, os ombros caem junto à cabeça e ela começa a chorar como uma criancinha. O meu coração volta a acelerar, estou com os olhos arregalados sem saber como agir até que sua cabeça volta a se levantar, a mão macia toca meu rosto com a barba por fazer e dali sai um carinho tão suave que me faz fechar os olhos momentaneamente. E, então, ela continua. — A polícia da Califórnia encontrou seu número nas coisas de Barry... Ollie, aconteceu um acidente.

— Acidente?

— Eles não conseguiram. — sua cabeça faz um movimento negativo.

— Não conseguiram o que Thea?

Suo frio.

Passo as mãos pela cabeça.

Que porra é essa? O que está acontecendo?

— Barry e Caitlin não voltam mais.

— Você não está querendo dizer que...

Ela assente de vagar.

As forças nas minhas pernas se perdem e meu corpo cai para trás sendo segurado pela estante atrás de mim que balança.

Eles não voltam mais. Nunca mais.

Thea preferiu nos levar até a delegacia de Starling City com o seu carro, porque eu não estou nos meus verdadeiros juízos desde que soube da notícia. Na verdade, desde então eu ainda não consegui dizer nada, estou calado e do meu rosto ainda não rolou nenhuma lágrima.

Ela encosta o carro em uma das vagas, saímos do carro em direção à delegacia e ainda de longe consigo enxergar Felicity de braços dados com Donna. Ela parece acabada, os olhos avermelhados e as bilhas azuis como dois cristais quebrados em pedaços tão pequenos que seriam impossíveis de serem colados. As portas do lugar se abrem e assim que nos aproximamos Thea a abraça fortemente assim como me abraçou pela manhã quando descobrimos o acontecido. Elas estão trocando lágrimas pesadas enquanto eu apenas as observo ainda calado, porque não consigo assemelhar os fatos.

Felicity me olha.

Esperando que eu reaja de alguma maneira.

Mas não sai nada.

Eu não me mexo.

— Donna, você me ajuda? Precisamos cuidar do velório.

A mãe de Felicity apenas assente com a cabeça e as duas são levadas por dois policiais que nos esperavam.

A loira de expressão acabada meneia a cabeça lentamente até que eu me aproxime, mas eu só coloco uma das mãos no seu ombro onde ela fecha os olhos e a acaricia com sua face sedosa.

Meu coração palpita rapidamente.

— Não me diga que a Judith...

— Não, ela não! — sua voz é cortante e albergada.

— Onde ela está?

— O conselho tutelar da Califórnia está a trazendo junto com Barry e Caitlin, eu fretei um voo para diminuir todo o transtorno. Judith ficará por lá até que tudo seja resolvido, o policial Quentin disse que precisamos conversar com o advogado da família, só que eu não consigo pensar em nada ainda.

Um suspiro atormentador foge dos meus pulmões.

Não é como se eu estivesse aliviado.

É uma reação que eu não consegui segurar.

— O que será da nossa pequena?

— Eu não sei.

E Felicity realmente não sabe.

Nós dois não sabemos.

Porque estamos simplesmente perdidos.

~~~

A noite chegou tão rápido como em um piscar de olhos.

Os corpos de Caitlin e Barry foram trazidos em um avião fretado pela Smoak Technologies enquanto Thea e Donna ficaram responsáveis pela papelada do velório. Mas eu não estou lá dentro com todos, prefiro o vento frio que está aqui fora, que me embala e me mantém firme.

Barry era órfão, pode ser uma brincadeira do destino, mas seus pais também foram mortos em um acidente trágico quando ele era apenas um garotinho. Foi assim que o conheci, nossos pais eram amigos e “adotaram” Barry assim que souberam do acontecido, sem se quer pensar duas vezes. Por outro lado, a família de Caitlin é muito pequena e, digamos, que ela sempre foi brigada com os pais que não aceitavam seu casamento com Barry. Eles diziam que almejavam muito mais para a filha deles e que Caitlin não estava aos pés de Barry, um simples corretor de imóveis.

Mas eles vieram para ver a filha pela última vez, todos nós estamos aqui para vê-los pela última vez.

— Isso te lembra alguma coisa? — a voz de Thea surge por trás de mim, me resgatando.

— Mamãe.

Ela apenas meneia a cabeça.

— Está frio aqui fora, não acha melhor entrar um pouco? — as mãos quentes massageiam minhas costas. Nesse momento já estou sem aquela gravata apertada envolta do pescoço, alguns botões da camisa social estão abertos. Se Barry estivesse aqui ele faria questão de acertar o nó da minha gravata e fechar os botões, porque acima de tudo ele era um lorde.

Eu sorrio ao lembrar.

Porque gostava de chama-lo de coxinha.

— Estou melhor aqui fora. — sussurro.

— Quer conservar um pouco?

— Agora não...

— Estou indo embora com o papai e Donna. Você ficará bem?

— E Felicity?

Minha voz balbucia.

Merda.

— Ela quer ficar mais um pouco. — Thea aperta meu ombro mais uma vez. — A assistência funeral está pronta para levar os corpos, você não quer se despedir?

Sorrio de soslaio.

— Lá dentro são apenas dois corpos, eu já me despedi dos dois há um tempo.

— Você está certo. — ela suspira ficando na ponta dos pés para me dar um beijo na testa, existe um pequeno sorriso na ponta dos finos lábios.

— Eu vou ficar bem, maninha.

— Tenho certeza disso.

Devolvo o carinho de Thea com um beijo nas suas madeixas cheirosas, mas antes que ela se vá, suas mãos tornam a segurar a minha.

— Ollie, Felicity está precisando de uma mãozinha lá dentro! Não a deixe sozinha.

Suspiro fortemente.

Assinto com a cabeça antes que Thea vá.

~~~

Todos já foram embora, os vizinhos da redondeza que adoravam Caitlin e Barry e os pais de Caitlin que se despediram da filha, mas que se quer falaram conosco sobre o acontecido e como ficará nossas vidas daqui em diante. Na verdade, eles pouco se importam com a vida que ela construiu depois de casada com Barry, nem tampouco com Judith que é apenas uma criança que agora se vê sozinha assim como o pai se viu um dia.

A assistência funeral também já levou os corpos.

A casa está vazia, literalmente vazia.

O único som que ouço é do ranger da porta quando a abro. Felicity está sentada no sofá com a cabeça abaixada, como eu nunca havia visto em todo esse tempo que conhecemos um ao outro. Mas o barulho da porta faz com que seu olhar desacreditado me encontre e, então, explodimos um no outro. Porque agora estamos sozinhos aqui dentro, na casa em que nossos melhores amigos viveram toda a vida deles, os momentos mais incríveis e mais tristes.

— Você se manteve o tempo todo lá fora. — sua voz é de quem não tem mais forças. De tanto que chorou, de tanto que expos suas fraquezas e saudade.

Me sento na mesinha de centro frente ao sofá em que Felicity está.

— Não estou acostumado com despedidas.

— Uhum. — a loira volta a chorar baixinho.

Meu Deus, eu realmente devo ser um asno, porque estou sem ação, eu não sei se a peço para que não chore ou se coloco minha mão em seu ombro e digo que tudo vai ficar bem. Simplesmente porque eu não tenho esse direito, eu mal sei o que acontecerá nas próximas horas, nos próximos dias, meses ou anos. Nossas vidas estão bagunçadas, elas viraram de cabeça para baixo em poucas horas depois de um telefonema, eu não posso mentir para Felicity dizendo que tudo vai passar enquanto meu peito ainda estiver pesado da dor da perda que insiste em me prender.

Ela não merece isso.

Ser enganada.

— Eu tinha uma casa em Los Angeles onde eu e meus pais passávamos o veraneio. Barry e uns amigos nossos sempre iam com a gente, mas em um desses verões eu acabei quebrando a perna. — sorrio rapidamente. — Meus pais desistiram de viajar, mas meus outros amigos não. Eles foram mesmo assim, pouco se importaram de me fazer companhia naqueles dias, só que Barry ficou. Ele foi o único que perdeu aquele verão ali do meu lado, me ajudando com risadas e piadas sem graça que só ele ria, mas que eram verdadeiras como de um irmão.

— Oliver... — Felicity ergue a cabeça.

— Depois de uns anos. Vários anos. Minha mãe descobriu que estava com câncer e Barry mais uma vez foi a peça chave para nós, ele sofreu junto com a gente, sorriu quando ela conseguiu vencer a primeira etapa da quimioterapia. Mas também chorou quando descobrimos que não tinha mais jeito.

— Tudo bem se não quiser falar. — o dedo indicador de Felicity toca as minhas mãos entrelaçadas. Um novo arrepio toca a espinha.

— Ele era o meu exemplo, entende? O cara que queria me tornar quando crescesse! Me deu Judith como um presentinho com lacinhos rosados. E agora? O que eu fiz por ele? Nada.

Pela primeira vez desde que descobri sobre a morte de Barry e Caitlin, permito-me chorar. Igual a um bebê que está com as fraudas sujas.

— Pode ter certeza de que ele foi grato.

— Eu sou um fraco por estar chorando. — rio baixo. — Barry dizia que chorar era uma dádiva dos homens e eu retrucava falando que chorar era para os fracos! Porque desde que perdi a mamãe, parei de chorar para que Thea não visse.

— Você não precisa deixar de expor seus sentimentos, sua vulnerabilidade. — dos olhos de Felicity também descem lágrimas como enxurradas. — Nós somos humanos, Oliver.

— O que nós vamos fazer agora?

— Eu não sei. Só está doendo! Porque ao mesmo tempo em que penso em Caitlin, também penso em Judith que crescerá sem os pais. Eu sei muito bem como é crescer sem um pai, mas eu tive minha mãe ali do meu lado para me ensinar tudo que aprendi até hoje, mas e Judith? O que será dela? Das suas referências?

É de cortar o coração em fatias finas, porque a loira permanece chorando de forma angustiadora.

— Eu não sei.

Dou de ombros.

Tão perdido quanto ela.

— Me sinto sozinha, sabe?

— E se eu te disser que também não sei o que fazer?

As mãos de Felicity me puxam para o sofá, fazendo com que eu sente ao seu lado. Ela não precisa falar uma palavra se quer, seus cabelos soltos com alguns fios dourados úmidos pela água salgada que escorre dos olhos encostam na minha camisa social de botões. Estou paralisado como uma pedra rígida apenas sentindo a pele macia do rosto quente dela tocar meu peito enquanto as mãos correm para o mesmo lugar, também descansando por ali.

Eu suspiro ainda assustado, porque sempre que estivemos perto assim era por pura implicância, apenas para trocar algumas farpas como o cotidiano. No entanto, agora é diferente, porque por mais que sejamos pessoas totalmente diferentes nos tornamos o refúgio um do outro nesse momento que é tão difícil para nós dois.

Poderia pedir a ela para deixar de chorar, dizer que tudo irá dar certo, mas as incertezas do que acontecerá daqui em diante me impendem. Então, tudo o que consigo fazer é permitir com que ela deixe as suas lágrimas molharem minha camisa, que suas mãos encontrem conforto do meu peito e que meus braços, por fim, abracem a sua pequena estrutura frágil. Ela está quente como as lágrimas que encostam em mim, e eu permito que aconteça.

Porque por mais durão que eu seja, nossos amigos foram embora.

Nos deixaram.

Deixaram Judith.