Jiban End

Sob uma nova perspectiva


Ao entrar novamente na sala de cirurgia, Yoko viu o parceiro inconsciente na cama, com curativos reforçados nos locais dos ferimentos. Ele parecia tão indefeso naquele momento, mas ela sabia que aquilo era apenas temporário, e que em breve ele voltaria a ser o Naoto de sempre: educado, solícito, leal, companheiro e ainda mais valente do que ela imaginava.

— Sente-se aqui, Srta. Yoko. – pediu Halley. – Estique o braço e relaxe.

Logo após as orientações do robozinho, um braço mecânico desceu com uma agulha acoplada nele e fez todo o procedimento. Poucos segundos depois o sangue já estava sendo bombeado para uma bolsa que logo seria repassada a Naoto.

Ela permaneceu ali sentada por cerca de quinze minutos até a bolsa se encher. Quando finalmente terminou, foi a vez de a máquinas voltarem a assumir a missão de inserir a agulha no braço de Naoto para iniciar o processo de transfusão. Yoko observava tudo bem de perto e queria ficar junto do parceiro até ele acordar.

— Eu posso ficar aqui com ele, Halley? – perguntou ela, ainda bastante preocupada.

— Não vejo problemas nisso, Srta. Yoko. Acho até que o Naoto vai ficar feliz em vê-la quando acordar.

A policial sorriu com o comentário do robozinho, que saiu da sala logo em seguida, deixando os dois a sós.

Yoko, mesmo não querendo admitir, estava fraca e exausta depois de tudo pelo que havia passado naquele dia, então se sentou novamente em uma cadeira ao lado da cama e iniciou sua vigília silenciosa. Já bem próxima do parceiro, ela observou suas feições serenas enquanto ele dormia, ainda sob o efeito da anestesia.

Além de Naoto ser considerado por todos que o conheciam como um “cara muito gente boa”, não havia como negar que também era um homem atraente, e Yoko, assim como qualquer outra mulher, não tinha deixado de notar esse fato, embora ele próprio parecesse não se dar conta disso. Mas mesmo estando com o parceiro praticamente todos os dias, aquela era a primeira vez que o observava daquela maneira: tão próxima, tão íntima. E enquanto fazia isso, ergueu a mão, quase que inconscientemente, e tocou carinhosamente o rosto do rapaz. Em seguida ajeitou seus cabelos, pois os fios escuros e lisos, que quase sempre estavam bem penteados e arrumadinhos, agora caíam naturalmente desordenados por sobre sua testa.

Ao fazer isso, Yoko soltou um suspiro lânguido e ali, sentada naquela cadeira, começou a relembrar tudo o que os dois já haviam passado desde o dia em que tinham se conhecido e só naquele momento, foi que ela passou a entendê-lo melhor.

Apesar de existir um consenso entre todos do departamento de polícia, de que Naoto, às vezes, pudesse ser um pouco atrapalhado, isso nunca tinha realmente interferido negativamente na qualidade de seu trabalho como policial. Na verdade, isso até acabava lhe conferindo um certo charme peculiar.

Não demorou muito para que ele se tornasse querido por todos os colegas, nem para que ganhasse o respeito e o carinho da nova parceira, chegando ao ponto de ela ser até mesmo capaz de confiar sua própria vida a ele. Mas Naoto não tinha sido o único a conseguir ganhar sua confiança rapidamente. Na mesma época, também havia surgido o misterioso Jiban, que quase que com a mesma rapidez, também se mostrou ser alguém em quem ela podia confiar.

Desse momento em diante, Yoko passou a se sentir uma pessoa privilegiada, porque não tinha dúvidas de que, se seu parceiro não estivesse por perto para ajudá-la num momento de dificuldade, certamente Jiban estaria, e agora ela entendia o porquê. Sempre tinha sido Naoto. Ele continuava a protegendo, mesmo sem que ela se desse conta, e descobrir isso fez com que a moça passasse a vê-lo com novos olhos.

Ela se perguntava incrédula, como poderia ter trabalhado ao seu lado por tanto tempo e não ter percebido certas coisas. Bem, ela até tinha percebido algumas, mas preferiu acreditar que era apenas a sua imaginação agindo e forçando coincidências que talvez nem existissem, principalmente quando o assunto era Jiban.

Desde a primeira aparição do Policial de Aço, a atenção de Yoko tinha se voltado totalmente para ele. Mesmo sem saber quem ele era ou o que ele era, a moça o admirava com todas as forças de seu coração. Aquele era o policial perfeito, forte, valente e que aparecia coincidentemente toda vez que ela estava em um beco sem saída. Agora ela descobria que não era tão coincidentemente assim. O destino sabia mesmo brincar quando queria.

As lembranças fizeram com que a policial começasse a imaginar tudo o que Naoto havia passado sozinho durante aquele tempo e isso lhe causou um forte aperto no coração. Ela o olhou novamente, tomou uma de suas mãos para si e não conseguiu mais segurar as lágrimas que há tempos marejavam seus olhos. Elas desceram aos borbotões quando Yoko se lembrou que Yanagida tinha dito que Naoto já havia morrido uma vez e voltado milagrosamente à vida. Ela sequer conseguia imaginar como aquilo poderia ter sido possível e se deu conta de que se não fosse pelo Dr. Igarashi, ela nem teria chegado a conhecê-lo.

A moça também imaginava como deveria ter sido traumatizante para o parceiro passar por toda aquela experiência surreal, sem ao menos poder falar abertamente sobre o assunto. Com certeza ele carregava consigo memórias ruins, mas escondia isso muito bem de todos, assim como também fingia, em certas ocasiões, um descuido com o trabalho que não lhe era inerente, apenas para proteger os amigos e não despertar suspeitas sobre sua outra identidade. As condições de seu retorno realmente não tinham sido fáceis, mas Naoto entendia que elas eram necessárias e as respeitava, pois sabia melhor do que ninguém do que Biolon era capaz.

Naoto não mantinha segredo apenas sobre sua outra identidade, ele também era reservado quanto alguns aspectos de sua vida pessoal. Ele não costumava falar sobre sua família, mas Yoko sabia que ele havia perdido os pais muito cedo e que os Igarashi o haviam acolhido carinhosamente não fazia muito tempo.

A única coisa que nunca tentou esconder foi seu carinho para com a pequena Ayumi, a quem ele amava como a uma irmã, e por isso estava tão desesperado em encontrá-la.

Mesmo ele não se abrindo completamente com a parceira, ela via que por mais que tentasse carregar esse peso sozinho, às vezes ele desabava. E agora ela entendia que aquilo não era só preocupação, era culpa também, já que a menina tinha desaparecido por causa de Biolon, e indiretamente, por culpa de Jiban. Por sua culpa.

Havia muito mais sofrimento em Naoto Tamura do que ele deixava transparecer e saber disso, tinha afetado Yoko de um modo inesperado. Ela, que geralmente não costumava ser muito emotiva, estava falhando miseravelmente em tentar não se deixar levar pelo profundo sentimento de compaixão pelo parceiro, que aflorava junto com suas lágrimas em meio àquele momento de reflexão. Ela sabia que tinha que ser forte, porque agora, Naoto precisava de companheiros que o ajudassem, não de lágrimas inúteis que só serviam para molhar seu rosto, então respirou fundo e tratou de se controlar e começou a pensar em coisas mais amenas, que a fizeram sorrir.

Ela se lembrou de todas as reprimendas que havia dado no parceiro, mas que ele sempre tinha aceitado com bom humor. Sorriu ainda mais ao imaginar o que deveria estar passando pela cabeça de Seichi naquele momento. O chefe provavelmente ainda estava em choque, mesmo tendo visto tudo com seus próprios olhos.

Justamente enquanto ela imaginava isso, Seichi entrou na sala. Ele deu apenas um passo para dentro do lugar e parou. Cruzou os braços e ficou encarando Naoto em silêncio, até finalmente decidir chegar mais perto. Tirou os óculos, limpou as lentes com a ponta da gravata e depois os colocou de volta. Ele que era tão falador, estava quieto e sério, o que deixou Yoko preocupada.

— Tudo bem, Seichi? – perguntou a moça.

Ele olhou para ela com um semblante fechado e inquisitivo, até que não resistiu e desabou na cadeira do lado oposto da cama.

— Mas não pode ser possível! – disse ele enfim, levantando as mãos com seu jeito espalhafatoso, depois batendo-as nas coxas com um estalo, fazendo Yoko achar graça. – Fala pra mim que isso é uma brincadeira muito bem elaborada por vocês. Vamos, Naoto, já pode parar. Vocês me pegaram mesmo dessa vez!

— Do que você está falando, Seichi? – perguntou Yoko, sem entender nada.

— Disso. – disse ele apontando para seus dois subordinados. – Eu admito que foi muito bem bolado e que eu quase cheguei a acreditar que o Naoto era o Jiban, mas agora já deu. Vamos parar com a palhaçada e voltar ao trabalho.

— Mas como é que a gente ia inventar uma coisa dessas, Seichi? – perguntou Yoko, ainda incrédula pelo chefe estar questionando algo que era evidente. Ele estava claramente atravessando um sério momento de negação, o que era, de certo modo, compreensível.

— Mas... mas não pode ser, Yoko! Como é que um atrapalhado como o Naoto pode ser o policial supremo de todo o Japão?

— Eu também duvidei de início, então sei que é difícil de acreditar, mas você viu com seus próprios olhos, não viu? Pensa bem, Seichi. É só se lembrar das vezes em que você esteve com o Jiban. – falou a policial, fazendo com que o colega puxasse pela memória. – O Naoto estava junto alguma vez?

— Não... – respondeu o policial, pensativo. – Mas isso é porque ele é um covarde e sempre foge quando o bicho começa a pegar.

— Tem certeza? – continuou instigando Yoko. – Em várias dessas vezes o Naoto estava com a gente, mas sempre sumia de repente no meio da confusão. Aí o Jiban aparecia “milagrosamente” para nos ajudar e depois que ele ia embora, o Naoto reaparecia como num passe de mágica, e cada vez vinha uma desculpa mais esfarrapada do que a outra.

— Ué, mas isso só confirma o que eu acabei de dizer: covarde. E ainda por cima, mentiroso.

— Certo. – continuou Yoko calmamente, tentando fazer com que Seichi se desse conta da verdade por si só. – Mas pensa em quantas vezes você deu bronca nele e ele nunca se queixou. Qualquer um já teria se queixado. Eu, com certeza, já teria feito isso.

— Mas como é que ele ia se atrever a reclamar, se eu sempre tive razão?

— Ok. Mas agora junta tudo isso e vai ver como faz sentido: o Naoto sempre sumia, porque ele se transformava em Jiban e também nunca se importou com suas broncas, porque elas só vinham para comprovar que ele estava fazendo seu teatro perfeitamente para poder manter sua identidade secreta e proteger a gente do Biolon. – resumiu Yoko. – Veja o que aconteceu com a Ayumi: mesmo eles mantendo tudo em segredo, Biolon percebeu a conexão entre os dois e agora a menina está por aí, sabe se lá onde e correndo perigo. Isso tudo não faz sentido para você?

Ele ficou em silêncio por um tempo, depois deu um longo suspiro.

— Ele é mesmo o Jiban, não é? – disse o policial cabeça dura, finalmente dando o braço a torcer. Mesmo ele sendo a mais teimosa das criaturas, ele sabia que contra fatos não havia argumentos.

— Sim. Por mais que você queira negar, essa é a verdade que está bem diante dos nossos olhos. – confirmou Yoko.

— Mas como foi que eu não percebi isso? – se perguntava, indignado consigo mesmo. – Logo eu, que sou tão esperto! E como foi que você percebeu?

— Bom, eu não tinha certeza, mas com o tempo, comecei a achar que pudesse haver uma possibilidade e hoje eu resolvi arriscar. – revelou ela. – Além de todas essas coisas, também tinha alguns outros detalhes, principalmente quando ele achava que ninguém o estava observando. Eu presenciei algumas vezes certas mudanças de postura, algumas atitudes que me lembravam de Jiban. Detalhes quase insignificantes, que ele logo tratava de disfarçar, quando se dava conta de que havia chamado a minha atenção sem querer. Então, de uma hora para outra, ele voltava a ser o Naoto de sempre, cheio de sorrisos e desculpas, me deixando confusa e achando que estava inventado teorias doidas.

— Nem tão doidas assim, não é? – observou Seichi.

— Pois é. – concordou a moça, com um sorriso discreto.

— E agora, o que faremos? – preocupou-se o superior. – Não podemos lutar sozinhos contra Biolon e o que aconteceu hoje foi a prova disso. Tentamos ajudar e só conseguimos quase matar Jiban.

— Acho que a única coisa que podemos fazer é voltar ao trabalho e esperar pela recuperação do Naoto. Por mais que não sejamos páreos para Biolon, precisamos continuar lutando e honrando tudo o que ele tem feito por nós. Eu sei que ele vai sair dessa. Nós só precisamos aguentar firme até lá e ajudar as pessoas da melhor maneira possível. Não seremos pegos de surpresa novamente!

Seichi concordou em silêncio com um menear de cabeça.