Jaspes e Jades

Capítulo 4 — [Cenário] Histórico


Corpos jaziam no campo de batalha. A neve caía do que podia ser um céu de uma manhã ou de uma tarde. O tempo era insignificante para aquelas duas incansáveis figuras, que se digladiavam sob as nuvens de um céu coberto. Espadas chocavam-se repetidas e incontáveis vezes, o suor escorria da testa dos dois espadachins.

Ele era rápido, sabia evitar golpes com reflexos invejáveis. Era habilidoso com ambas as mãos: a esquerda empunhava a espada com uma maestria trabalhada ao longo de mais de meio milênio; a direita era perigosa e podia agarrar sua inimiga para puxá-la ao encontro de sua lâmina ou jogá-la na direção de alguma árvore ou pedra.

Ela era viril, imprevisível. Era um espetáculo mortal que quase parecia uma dança. Ela sabia prever os movimentos do outro guerreiro, dando-se a liberdade para mover-se de forma irregular. Passos em falso enganavam até os mais experientes. Jogava sujo também, atirando neve nos olhos do outro para cegá-lo momentaneamente. Seus golpes eram pesados, carregados de uma energia explosiva.

O chão seria branco, não fosse pelas gotas de sangue e a terra revirada pelos passos agressivos dos dois oponentes. Trocavam espadadas por quase duas horas agora. Estudavam-se, analisavam cada passo, cada ato de ataque ou defesa. Já se conheciam há tanto tempo… Já batalharam tantas vezes. E mesmo assim, era como lutassem pela primeira vez. De novo. E de novo.

Erzsébet avançou de novo, em um golpe horizontal e de difícil desvio. Gilbert defendeu-se em milésimos de segundo, chutando-a para longe. Ela recuou, uma mão sobre a região atingida, logo na boca de seu estômago. Sua respiração falhava; seu diafragma estava danificado. Ele riu, aproximando-se numa investida rápida. Sempre que ele ficava confiante, ele investia e atacava na vertical, como numa execução. A espada de Erzsébet já aguardava a dele um pouco acima de sua cabeça, contra-atacando-o com um movimento de sua perna para que o albino perdesse o equilíbrio e caísse.

Sem dó, ela pisou sobre a mão esquerda dele, quebrando um ou dois dedos e fazendo-o largar a arma. Rapidamente, ele levou a mão direita ao seu cinto, armando-se com uma adaga de prata e desferindo um corte contra a perna que o prendia ao chão. A húngara, entretanto, fora oportuna ao afastar-se instintivamente dele, ganhando apenas um corte superficial na parte de trás de sua perna. Poderia ter perdido a luta se a lâmina cortasse os tendões, atrás do joelho.

Gilbert sabia utilizar ambas as mãos, mas a direita era mais fraca que a esquerda devido a um ferimento antigo nos ligamentos. Erzsébet avançou, golpeando-o de novo e de novo, num frenesi de ódio. O soldado prussiano não poderia manter a defesa daquele jeito nem a atacar enquanto ela continuasse desferindo aquela sequência de golpes. Só lhe restou recuar.

Claramente em desvantagem com uma arma de curto alcance, ele deveria desferir golpes certeiros e arriscados. Ela cortava horizontalmente, e ele abaixava-se para subir em sua direção. O punhal cantava ao deslizar pelo vento. A espada uivava em resposta toda vez que passava perto demais dos ouvidos dos combatentes.

Era como assistir dois incansáveis lobos brigando. Dentes à mostra em provocação, tentavam desestabilizar um ao outro enquanto perseguiam-se em círculos. Seus sangues misturavam-se um ao outro em suas faces e pelos, tornando-se pinturas de guerra de seus clãs. Duas belas criaturas nascidas para lutar.

Lutaram por mais algum tempo. Estavam exaustos, mas recusavam-se a parar. Ele investiu uma última vez contra ela, até que Erzsébet segurou-o pelo braço ruim e jogou contra o chão. Confiscou a adaga, arremessando-a para longe e finalmente desarmando seu inimigo. Prendeu-o com o peso e a força de seu corpo enquanto ele debatia-se, tentando soltar-se. Entretanto, ambos sabiam que ele estava fraco demais para obter êxito em sua libertação, e sua luta lentamente cessava, até a húngara sentir a fraqueza abater-lhe o corpo.

Seu próprio peso trouxe-a para baixo, desabando sobre a figura cansada de seu oponente. Confuso, Gilbert encarou-a e viu-se refletido nos olhos dela. Ela, encontrou-se presa naquelas duas esferas vermelhas como o sangue que decorava seus uniformes. A neve caía sobre ambos os espadachins, cobrindo-os com seu manto de branco e pureza.

Não havia mais batalha. Os flocos desciam, anunciando o fim de um duelo. Fazia silêncio e apenas o som das respirações afobadas dos dois preenchia o ar. A adrenalina logo esvaía-se dos corpos cansados daquelas duas nações, deixando-os sós no frio. Erzsébet, que estava por cima, podia ouvir os batimentos do coração de quem queria morto há poucos minutos. Gilbert enlaçava seus braços por sobre aquela que estava determinado a matar.

De repente, paz. Dois guerreiros reconheciam o empate.

Mas acima de tudo, duas bestas reconheciam-se humanos.