Jaque: A Epopeia da bandida

O inicio do fim (aka Nasce uma STAR)


Seus olhos lentamente se fechavam e sua respiração, outrora ofegante, ia se dissipando pouco a pouco de seus pulmões.

“Até que não foi uma vida ruim” pensava a garota, enquanto seu pulso se desvanecia. Ria um riso conformado, enquanto pensava no sol que vira brilhar momentos antes. Embebida em uma poça de seu próprio sangue, Jaqueline Mandrake, ou Jaque, como gostava de ser chamada, emitia um ultimo e audível suspiro.

Uma imensidão vazia dera lugar à consciência fervilhante de Jaque, o que durou uma eternidade em sua mente. Minutos, horas, ou até milênios se passaram em um vácuo insonoro até que uma voz ecoou no interior da sanidade inconsciente da garota:

“Hum, eu gosto de você, sabia!? Não é hoje que você vai morrer!”

Um som infernal tomou o lugar do silencio. Seus pensamentos, obscurecidos até um momento atrás, tornaram-se tão palpáveis quanto a sensação do ar percorrendo suas vias nasais e o sangue pulsando em suas veias. Jaqueline Mandrake acordou em um lugar diferente. Uma cidade diferente. Acima de sua cabeça, uma placa grafava “Bem-vindo a Origin City, População 50”. Levantou-se e lendo o conteúdo, exasperou-se.

“Caralho, que merda foi essa?” Indagou-se enquanto olhava atentamente para todas as direções. Não entendia como segundos antes ela estava em uma gangue, possuía uma arma e era movida por pequenas ambições materiais e agora estava ali, em um lugar que nada lhe era familiar. Lembrou-se de olhar para si mesma. Sua pele azeitonada completamente intacta. As marcas de tiro de segundos atrás (eram segundos?) sumiram. Sua roupa macia que ostentava uma marca famosa grafada em um pano comum dera lugar a um roupão branco, um tanto curto para um roupão convencional, um tanto longo para o gosto da garota. Fitando a si mesma em um espelho que ali na rodoviária estava, pôde ver com clareza seus olhos castanhos e expressivos a trança lateral em seus cabelos que lhe acompanhara desde a segunda instancia de sua infância.

Por sorte ou acaso, o espelho refletia também um carro preto que parecia vazio. Aproximou-se lentamente, e, olhando nervosa para os lados, forçou a maçaneta. Ao perceber que o veiculo havia sido esquecido aberto adentrou-o, sentindo a sensação que a muito conhecia: o prazer do crime, que lhe fazia sentir uma leve ardência na barriga, uma vontade incontrolável de rir e uma sensação cega de poder. Por mais sorte ou uma quantidade normal de acaso (até porque este não é quantificável) as chaves haviam sido ali esquecidas. Jaque deu a partida e, sem pensar muito, dirigiu-se a uma loja de roupas. O fascínio extasiado do ato lhe tirara o foco da sobrenaturalidade dos eventos ocorridos a pouco.

A garota muito ligava para marcas famosas, pois, no lugar onde nascera (ou “sua quebrada” como chamava orgulhosa) portá-las era símbolo de ostentação. Traziam-lhe um orgulho e faziam-lhe sentir como uma parte da classe mais rica da sociedade, que vivia em “outra quebrada” e que sempre olhava com desdém aquelas da primeira. Escolhera, por conseguinte, uma blusa cropped que grafava um enorme símbolo Gucci como um estandarte imperial e uma calça de moletom. Pagou o que havia pegado (com um dinheiro que só agora notou que portava).

“Você tem estilo, viu, ô garota!” a atendente exclamou ao ver as roupas escolhidas pela garota. Jaque olhou para a senhora que aparentava ter pouco mais de cinquenta anos, riu em aquiescência à afirmação e saiu no carro que havia furtado.

Dirigiu-se para o hospital.

No carro, a música ecoava em um volume muito elevado “Bandida estilosa e chega roubando a cena, Menina sedutora causadora de problema”. Enquanto ouvia a musica despertava um fulgor em seu espirito, e inconscientemente a inspirava.

A jornada, no entanto, infrutífera, a levou de volta à praça da cidade, onde dúzias de habitantes se encontravam todos os dias. Era um dia ensolarado, e a garota, ao observar uma senhora que portava elegantes roupas sair de um carro de luxo, aproximou-se desenvergonhadamente.

“Salve, parça, tu que é a dona dessa máquina?” perguntou à senhora.

“Oi” ela respondeu desconfiadamente. “Sim, por quê?”

“Por nada não tio, a gente pode dar um papo?” perguntou Jaque, e após o consentimento da senhora, desferiu “entra ai no carro, vamo dar uma volta!”.Desconfiada o suficiente, a mulher entrou.

Após algumas milhas, Jaque estacionou em um lugar onde não se via ninguém e o único ruído audível era a eterna ópera de sons mecânicos que toda cidade parece executar diariamente.

“Então, parça” começou a garota, “Notei que você tem um carrão da porra, e tá portando essas roupa de madame. Tem como você fortalecer com nós aí? Cheguei agora, to sem nenhum pingo de dinheiro, preciso começar minha vida né?!”

Um silêncio de alguns segundos seguiu a afirmação da garota, até que a mulher finalmente respondeu:

“Olha, senhora, vou te dar uma ajudinha aí porque já estive onde você esteve, toma.” Entregou a quantia de dez mil dólares e, ainda desconfiada perguntou “Desculpa, qual seu nome?”

“Meu nome é Drika!” respondeu Jaque, em estado de êxtase. Não acreditava que usar essa desculpa realmente funcionara. Não podia deixar de ponderar sobre a inocência da desconhecida. “Ops, é Jaque! Menina, esqueci meu próprio nome...” Enfim disse, dirigindo-se para o lugar de onde vieram.

A chegar Jaque desferiu:

“Valeu aí, parceira, é nós! Qual é seu vulgo mesmo?” Mas antes de ouvir a resposta, a garota saíra contente com sua própria capacidade de persuasão.

“Um dia ainda serei dona dessa quebrada” pensava confiante, enquanto dirigia velozmente e inconsequentemente pelas vias movimentadas daquela que um dia viria a ser sua cidade.

Ao chegar a um lugar qualquer, que mesmo a garota não prestara atenção, Jaque avistou dois rapazes estaticamente conversando próximo a um carro de tonalidade fúcsia ou rosa choque (não sabia bem distinguir àquela distancia). Atraída pela cor e pela perspectiva de conseguir mais dinheiro com o uso de seu recém-descoberto poder de persuasão, Jaque aproximou-se.

“Salve família!” cumprimentou-os da forma mais amistosa que lhe vinha à mente.

“Salve!” responderam em uníssono.

Jaque começou a titubear algo em uma fração de segundos. Os habitantes daquela cidade eram estranhamente simpáticos. Ao sair do carro, foi recebida com elogios a suas voluptuosas formas e sua inconfundível maneira de andar. A garota, confiante em seu corpo que era apenas ria e agradecia, e enquanto o fazia, notou que os rapazes que estavam admirando-a trajavam roupas bastante semelhantes. Calças de uma coloração rosa que berrava aos olhos em um impressionismo abstrato terrivelmente agradável, e ambos tinham os torsos nus. Elas combinavam com o carro. “Facção cor-de-rosa” pensou a garota, que era treinada nas formas de devassidão que o mundo, em sua desigualdade, obriga os homens comuns a se dissociarem do tido como moral e se conglomerarem no que se julga ser torpe.

“Olha bebês, Tô atrás de um trampo, fazer uns negocinho pra ganhar dinheiro.” Falou sem arrodeios, após um efêmero dialogo de honrarias postas à garota.

“Bom, você pode tá realizando umas entregas pra nós, princesa” respondeu o rapaz mais baixo, o qual a falta de vestimenta na parte superior do corpo permitia a visão de uma tatuagem tida como presságio de prisão, membro de uma gangue sanguinária, declaração de morte a policia, ou um personagem de quadrinhos. Não lembrava muito bem a simbologia, mas de qualquer forma sabia que não era uma homenagem à criança interior que ali habitava.

“Tá bem” Jaque respondeu irresoluta. Acostumara-se a ser “avião” em sua antiga vida, e acreditava ser um dinheiro fácil. “Com quem eu pego os produto?”

“Vou chamar o patrão aqui” Disse o rapaz sacando telefone. “Alô, Juninho? Tem uma garota aqui interessada em fazer entregas... Tá chegando? Ok!”

No mesmo instante, não longe dali, não perto dali e talvez ali mesmo, alguém observava tudo, atentamente e, francamente, divertindo-se largamente. “Fiz bem em trazer essa garota de volta! Futuro ela tem... MUITO!”