Jaque: A Epopeia da bandida

Juninho (AKA Entre o Amor e a Razão)


“Escuta aqui, doutora” um dos rapazes falou. “O patrão tá ocupado agora, mas vou te passar o número dele.”

“Tá certo, parça” respondeu a garota, um tanto decepcionada. Registrou o contato em sua agenda sob o nome de “Juninho Traf”, uma vez que já entendera que as entregas se referiam a produtos de procedência ilegal. Despediu-se e continuou sua jornada.

Decidiu que voltaria à praça, já que notara que a movimentação das pessoas se concentrava no convidativo lugar, mas, ciente do risco que correria ao aparecer lá com tamanha circulação de pessoas portando um carro furtado, dirigiu-se primeiramente ao estacionamento que por ali ficara. Chegando ao local, Jaque nota uma movimentação suspeita. Sendo audível que se tratava de uma confusão generalizada, a garota nota que a policia ali estava e, junto a ela, cerca de seis garotas falando em vozes alarmadas e em profundo agastamento, alegando que um roubo acontecera seguido de uma ameaça de morte.

“Tudo mentira” pensou Jaque. “Provavelmente estão tentando seduzir o policial”. A garota muito sabia quando estas situações se passavam. Ela própria já tivera que recorrer a esse meio para conseguir dinheiro, quando todos os empregadores formais lhe viravam os olhos pela sua maneira de falar e seu jeito “prepotente” nas palavras de muitos. Jaque riu-se um pouco com a lembrança. Não simplesmente ganhara bom dinheiro fazendo isso, mas também ficara rica um dia, antes de tudo aquilo acontecer...

Jaque puxou o celular e mandou mensagem para o contado que previamente lhe fora oferecido. Olhou novamente o nome que ela própria havia posto. Parecia um nome perigoso, mas ao mesmo tempo, sentia um frio na barriga e uma queimação em outras partes do corpo. Imaginara alguém ameaçador e atraente, um tanto perigoso. Jaque não podia esconder seu gosto por este perfil de homens. Tomou coragem e mandou uma mensagem: “Oi, é a Jaque das encomendas”. Segundos depois, veio a resposta:

“Eai, depois vamos marcar pra você pegar aqui os produtos.”

“Preciso levar algo?” Indagou.

“É bom ter uma arma” o desconhecido lhe respondera secamente.

“Okay vou tentar conseguir”

“Quando conseguir passa aqui pra pegar os bagulhos e eu poder te pegar?” Conforme a resposta veio, Jaque deu riso malicioso, enquanto o frio de seu estomago aumentara. Certamente, um dos seus companheiros havia descrito sua aparência. A garota sentia que ficara levemente excitada com a situação e esquecera-se do que se passava ao seu redor. Levantara a cabeça, o rosto ainda avermelhado e quente e vira que as garotas já haviam despachado o policial. Deu-se conta então que elas estavam provavelmente envolvidas em negócios ilegais. Compadecendo-se do grupo (e interessada em armar-se para suas futuras entregas), saiu do carro e aproximou-se decidida.

Tudo se passou rápido.

Jaque fez uma rápida amizade e, com seu alto poder de persuasão, convencera as garotas (as quais nunca soube o nome) a lhe fornecerem uma arma (escolhera por conta própria um pé de cabra), assaltou pedestres que se encontravam em uma pequena lojinha, agrediu um deles que tentava ridicularizar a ação que fora pobremente e muito ligeiramente arquitetada e fugiu no carro que não lhe pertencia. Agora com condenação tripla em potencial - roubo, furto, agressão e formação de quadrilha – Jaque saía irresoluta e sentindo uma sensação de poder que percorria seu corpo dos dedos dos pés aos fios de cabelo, alastrando-se pelos glóbulos oculares até lhe cegarem a vista. Tamanho era seu êxtase que não percebera que o mundo a sua volta continuava a acontecer. De repente uma colisão lhe trouxe de volta para a realidade. Um carro havia chocado contra seu próprio durante a fuga e o sentimento de ódio tomara o lugar do deslumbre, apoderando-se da adrenalina que se formara em consequência da soma dessas ações.

Jaque saiu decidida do carro, armada com seu pé de cabra. Ia em direção ao carro desferindo centenas de palavrões por segundo, que involuntariamente tornavam-se ameaças de morte. Empunhando com maestria sua arma, a garota estava prestes a desferir um golpe.

Do outro lado da rua, uma viatura do departamento de policia de Origin se aproximava. Jaque sentia seu ódio pulsando e desse, uma alegria queimava ligeiramente em algum local de seu cérebro. Seus músculos do braço e ombro se flexionaram ao passo que a garota tomava impulso, porém, abruptamente seu celular vibrara em seu bolso. No mesmo instante, repensou tudo que se passara e abaixou a arma.

“Toma cuidado, hein, vagabunda” Falou para a motorista responsável pelo acidente. O policial se aproximou ligeiramente e ela simplesmente articulou “Não foi nada, seu policial.”, indo em direção ao carro.

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Juninho era quase tudo o que Jaque esperava. Cabelos em um corte que lembrava um moicano, raspado dos lados e grande acima da cabeça, de uma coloração castanho escuro que lembrava seus próprios, lábios finos e convidativos que eram humidificados por sua língua enquanto falava, pele branca e coberta em tatuagens – visíveis em seu tórax nu que, devido à magreza e provavelmente alguns anos de exercícios, exibiam músculos bem definidos. No entanto, ao contrário de sua crença, Juninho não exibia o perfil de cara mal que Jaque imaginara. Era gentil, tinha uma voz doce e tratava todos os seus funcionários com amenidade. O lugar que estavam também não era nada assustador (talvez porque precisavam de uma fachada insuspeita), e a garota sentia-se confortável.

Descobriu que deveria seguir uma rota a fim de concluir as entregas e o rapaz se prontificou a ajudá-la em qualquer problema que surgisse. O que impressionava Jaque durante a ação fora que o traficante era incrivelmente tímido, o que da mesma forma a intimidou ligeiramente.

Seguiu sua rota sem muito questionar e, imaginando coisas das quais nem ela mesmo lembrar-se-ia depois, a garota perdeu o controle da direção e seu carro ficara preso em uma escadaria, próximo a um grande prédio comercial. Ela, entretanto, não se abalara. “Quando é que a gente vai se bjar?” Jaque digitou e encaminhou decidida a mensagem para aquele que lhe despertara tamanho fascínio.

Segundos se passaram até que a resposta chegou: “Por mim, podia ser agora mesmo.”

Vendo uma oportunidade dupla (Jaque astuciosa como era) narrou sua situação e o pediu para salvar daquela circunstância que inacreditavelmente conseguira se envolver.

O gentil traficante chegou dentro de poucos minutos. Suas ações conotavam profundo interesse na garota e seu olhar, embora barrado por uns óculos espelhados, certamente condizia com suas ações. Preocupado com ela ao ver seu carro naquele estado, levou-a ao hospital.

Jaque sentia algo inexplicável quando estava junto a ele no carro. Um impulso lhe pregara uma peça e lhe forjara em poucos segundos um plano. A garota iria fingir que um de seus brincos havia caído abaixo do banco onde o sedutor homem estava. Ao tentar agarrá-lo, ela faria movimentos sugestivos (pensara em por a mão em suas pernas e delicadamente encostar os lábios em seu shorts amarelo, que possuía um volume convidativo aos seus olhos). Jaque passara então a admira-lo, estudando o melhor jeito de se aproximar. Sentia sua pele esquentar novamente. Uma gota de suor, causada pela apreensão, lhe escorria. Movimentou-se lentamente para arrancar um dos brincos de sua orelha. Estava prestes a realizar a proeza estudada. Seria agora. Julgando o risco, decidiu que seria no três em uma contagem progressiva e lenta. Um. Dois. Três...

“Chegamos” Juninho disse subitamente.

“Opa, pois bora lá” A mulher falou desconcertada.

A visita ao hospital fora estranha. Juninho insistira em massageá-la constantemente enquanto o remédio para contusão lhe era aplicado por intermédio do soro. “Tenho que massagear essa princesa” falava com um sorriso meio torto olhando para Jaque. “É, e esse volume todo aí?” A garota perguntou descaradamente. “O que?” desconcertado, o rapaz continuou a tentar lhe agradar sem dar procedimento ao comentário.

Jaque sentia-se sexualmente atraída por Juninho desde o inicio, de fato. Mas algo em toda a assistência e em seu jeito sereno e atencioso lhe chamava mais atenção a cada segundo que a garota passava a conhecê-lo melhor. Jaque sentia-se romanticamente atraída agora, e ela odiava isso! Não podia se sentir assim! Ela era responsável pelo seu próprio destino e não poderia deixar ninguém intervir, não importa quão sexy, romântico e, sim, rico e influente também, ele era! Jaque seria a dona de seu próprio império!

Entretanto, ali, aos poucos, como começou os sentimentos negados por ela, Jaque entregava-se. Permitiu ser cortejada sem muito fazer contra. Antes de a breve viagem de carro que se iniciara ali minutos atrás acabar Jaque sentia que estava gostando do doce anti-herói. Não obstante, o garoto estava evidentemente atraído, com seu olhar bobo e sua voz tremula, avançava confiante os sinais que eram abertos pela garota.

“Vamo na loja de roupa ali? Preciso me trocar” O rapaz disse, repousando a mão nas pernas ansiosas de Jaque.

“Ok” e enquanto respondia, Jaque sentia o impulso de tomar a mão que ali estava e pousa-la um pouco acima. Mas ela se contentaria também em tomar sua mão e simplesmente a ter contra a sua, numa troca de calores humanos que, na visão da garota, tornaria o mundo mais tolerável pelo menos por alguns instantes.

Chegando à loja, adentraram e lá escolheram vestuários para si. Enquanto a vendedora adentrava a parte inferior da loja para embalar as compras, Juninho tomara a mão de Jaque na sua, olhando fixamente seus olhos. Era uma sensação estranha. Sentia que Jaque era tão bonita que ele podia chorar ali mesmo. Não de emoção, tristeza, dor ou medo. Simplesmente por apreciar quão bela aquela criatura em sua frente conseguia ser meramente pelo ato supérfluo de respirar. Aproximou-se lentamente do rosto da garota. A respiração de ambos, ofegante há alguns minutos ia suavizando a cada milímetro encurtado. Seus olhos se fecharam. Sentia o doce cheiro feminino, envolto em uma camada externa de perigo, enquanto se aproximava.

“Todo mundo com a mão pra cima” Alguém gritou repentinamente ao adentrar a loja com um chute que escancarara a porta. Armados e inteiramente cobertos, cinco homens entraram ameaçadoramente, ignorando outros clientes e focando-se nos dois que estavam perto do balcão.

“O que é isso?” uma adolescente de cabelos cor de rosa perguntou assustada.

“Cala sua boca que nosso negócio não é contigo, tio” Falou outro dos homens que portava uma metralhadora. “Nosso negocio é com aqueles dois ali!”

“Que é isso, pô?” Juninho respondeu. “Me mata, mas deixa ela ir.” Disse abraçando Jaque.

“Ah é, são um casalzinho?” Disse o primeiro homem “pois quero ver darem um beijinho, ai.”

Sem pensar muito, mas estranhamente menos assustada, Jaque beijou enfim aquela boca que a muito ansiava. Sentia que ele apertava seu corpo fortemente contra o dele, de forma que a garota não queria que aquele momento acabasse tão rápido. Não ouviu nada por um tempo.

“Aeeeee” gritaram os assaltantes em comemoração. “Tá aprovado viu, chefe!” e ao falarem, saíram rindo e conversando alto.

“Esses cara são foda!” Juninho falava rindo. Jaque, no entanto, não se impressionara nenhum pouco. Em verdade, se alguma coisa, a demonstração lhe trouxera certo sentimento de asco.

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Dias se passaram e a relação de Jaque e Juninho ia evoluindo gradativamente em termos de volúpia. Porém o sentimento da garota era confuso. Gostava dele. Gostava de beijá-lo. Gostava de sentir o calor do seu corpo próximo ao seu. Gostava quando lhe acariciava gentilmente os cabelos e gostava quando vorazmente lhe tirava as vestes e a jogava na cama. Gostava de sentir o gosto de ferro consequente das armas que ele portava quando, em momentos íntimos, colocava os seus dedos na boca da garota. Mas não podia deixar de se perguntar: era o momento certo pra se entregar assim?

Juninho, por outro lado, mostrava-se extremamente afetuoso, quiçá apaixonado. Ouvira que a garota queria uma casa no lado rico da cidade e então comprara a casa cuidadosamente escolhida por ela. Sete milhões de dólares havia custado, segundo o próprio corretor, que, por estratégia ou sinceridade, fizera questão de narrar uma lenda que cercava a casa, onde havia sido assassinada uma família de mafiosos que, antes de partirem, jogaram uma maldição na residência. Ao chegar à garagem de sua nova habitação, um carro de luxo (dois milhões, segundo o contador mais uma vez) lhe esperava. O modelo de uma beleza inigualável aos olhos era agora exclusividade da garota. Armara-a com uma metralhadora privilegiada em termos de pontaria.

Não obstante os luxos oferecidos, a família foi apresentada. Dila Montilla, a mãe, advertira a garota que não machucasse o coração de seu filho. Max, o pai, simplesmente retinha-se a elogiar as curvas voluptuosas de Jaque e parabenizar Juninho. Ela, no entanto, sempre respondia com indiferença. Mas sim, naquele ponto, gostava de Juninho. Prezava sua companhia. Era grata por tudo.

Certo dia o casal fora convidado a participar de uma festa particular. Não muito animados, devido à longa jornada de trabalho, decidiram ir por simples capricho e intencionando que o lazer os distraísse da ordinaridade da rotina comum.

A festa fora meio parada. Dançaram, beberam e decidiram ir para casa. Foram, no entanto barrados na saída por uma moça que, por algum motivo, era familiar à Jaque.

“Amiga?” A mulher falou incerta.

“Eai, parça.” Respondeu Jaque, um tanto desconfiada.

“Sou eu, a Naty. Você me pediu dinheiro um dia na praça...”

“Ah, sim!” Jaque lembrava vagamente “E ai parceira, qual foi?”

“Tenho uma oportunidade de emprego pra ti, me procura depois.”

“E de que é esse trampo?”

“É meio segredo” Falou a mulher abaixando a voz. “É pra tu fazer parte da máfia da Yakuza. Me procura depois.” Enquanto dizia, a mulher rapidamente ia se afastando antes que Jaque tivesse qualquer informação adicional. De longe gritou: “Pensa bem, tu vai ficar rica!”

Jaque, desconfiada, olhou para Juninho esperando respostas. Sabia que sua gangue, os amarelos, era inimiga da Yakuza. Temia sua reação, afinal não conhecia ainda os limites da bondade do rapaz.

“É uma boa oportunidade pra ti” o rapaz falou enfim. “Não deixe que eu te impeça em nada” Ratificou com um sorriso sincero.

Jaque permaneceu calada, enquanto o rapaz dirigia em direção à casa milionária de Jaque. Ao chegarem, a garota ainda em estado meditativo com tudo que se passara convidou-o a entrar.

“Não posso, preciso resolver uns bagulhos” Juninho respondeu limitadamente.

“Ok, mas eu não vou poder te esperar... Tô muito cansada, preciso dormir.” Respondeu.

“Tudo bem! Boa Noite!” Beijou lentamente tomando os cabelos castanhos da garota em sua mão esquerda e escorrendo as lentamente para seu pescoço. Sua mão direita pousada nos seios de Jaque. Depois do rápido carinho, olhou nos olhos dela e falou “Te amo.”

Jaque estampou um riso no rosto para o rapaz e despediu-se carinhosamente. Tudo que se passara nos últimos dias vinham a sua cabeça como um ciclone de pensamentos. Flashs de imagens e sons cercavam sua cabeça impiedosamente, não deixando espaço para a garota concentrar-se a pensar uma só coisa de cada vez. Contudo, ao adentrar sua casa, algo de todos esses últimos dias não lhe saia da cabeça. Um pensamento inexorável. “’Te amo’ é uma frase muito forte.”