JPN Pride

Kaleidoscope



Os passarinhos cantavam. Algo incomodava sua tranquilidade. Um ar frio percorria entre sua orelha agora. Um calafrio.

Por algum motivo, se sentia quente e com frio ao mesmo tempo. Como se estivesse com a cabeça para fora de alguma caverna e o corpo lá dentro, aquecido.

Era quase isso.

Abriu vagarosamente seus orbes castanhos e encarou a imensa luminosidade do céu. Piscou algumas vezes e levantou seu tronco, percebendo que estava debaixo de um cobertor. (Que agora havia caído).

Quando aquilo foi parar ali?

Sentou-se na beira do chafariz, dobrando o cobertor que misteriosamente havia aparecido.

Olhou para os lados e viu uma movimentação rotineira por ali. Abaixou a cabeça contra a luz do sol e fitou suas mãos.

Seus cabelos voavam com a leve brisa, e seus olhos –ainda confusos– perceberam que tinha algo ao seu lado, um objeto quadrado. Delicado.

Era uma pequena caixa embrulhada. Um bentou*. Fitou o objeto incomum que havia estado ali desde... sempre?

Esboçou uma face desconfiada. Tateou levemente a caixa, pegando-a logo em seguida. Abriu.

Era um lindo bentou* que esbanjava alegria só de observar. A primeira coisa que pensou: O tatuado.

Sorriu e deixou-se notar que ainda estava quente.

–Nee, nee, porquê ainda não comeu isto? –Disse o jovem que se aproximava com as mãos apoiadas atrás da cabeça.

Ela virou-se para ele um pouco surpresa, um pouco sem graça e até revoltada com a situação.

–Porquê me mandou isto? –E esticou a pequena caixa com a mão esquerda.

–Oras, para a senhorita comer?

–Eu não preciso disto. –Abaixou o rosto.

Um breve silêncio tomou conta do lugar. O único ruído que se ouvia (ou melhor, os altos ruídos) eram o de passos de vendedores e clientes, mães e filhos, homens e mulheres. E os ruídos de animais.

Mas aquela situação parecia isolada dali mesmo compartilhando o mesmo espaço. Ele olhava para ela, pensando no que iria dizer enquanto que a leve brisa fazia seu cachecol (não mais um kimono) voar e voar.

As folhas do parque se desprendiam das árvores e voavam pela cidade. Kyoto estava linda naquela manhã. Ishihara caminhou até a garota e abaixou-se. Levantou o rosto da garota com seus leves dedos e a encarou.

–Elegância.

Ela se assustou. O que era aquilo? Sabia o significado, porém não entendia ao que estava relacionado. Achou por um momento que aquele jovem tocador de Shamisen era louco.

–Elegância?

–Elegância. –E pronunciou novamente sem nem ao menos piscar.

Ainda com a mão em seu rosto, Ishihara a retirou e levantou, pousando agora a mão na cabeça da garota.

–Miyavi...

Takamasa olhou em volta.

–Você entende o que eu quero dizer, certo?

Hesitou. Queria dizer que sim, mas não acreditava muito na ideia que estava tendo.

–Esse é o meu nome artístico.

A garota bufou. Pensou que fosse algo mais importante.

–Você consegue estragar com um momento legal como esse, não é? –Ela revirou os olhos.

Ele se exaltou.

–Mas oras! É uma coisa bonita de se dizer! Melhor do que Ishihara Takamasa, não é mesmo? Miyavi é tão sofisticado... Tão belo... É um contemplado nome a se ter, não acha?

–Não. –Riu.

–Ah, qual é! Miyavi é tão... Elegante. –Olhou a sua volta. –Tudo aqui é tão simples... O que ressalta ainda mais a beleza e a elegância deste lugar. É algo tão raro que temos privilégio de presenciar.

Refletiu. Realmente, era um lugar ótimo. Um pouco abatido com o desastre, mas ainda continuava belo.

Agora ela entendia o que ele quis dizer. A beleza, a elegância daquele lugar. Aquele lugar era o Japão.

O mesmo país que estava sofrendo com certas catástrofes, mas que mesmo assim estava pronto para se reerguer e continuar lutando. Aquele país que imerso em conflitos socio-econômicos ou até políticos continuava a lutar, a crer, a acreditar.

Por algum motivo, aquela conversa tivera efeito em Akane. Ela se sentia muito melhor.

E a brisa não mais incomodava. ~

.

–E então, não vai comer? –Apontou para o bentou.

Ela olhou para baixo e ainda raciocinando o que o jovem havia dito, pronunciou:

–É o quê...?

Ishihara ficou em silêncio com um bico hilariante. Desabou-se a rir.

–Olhe para você, hahahaha!

Ela observou irritada.

–Olhe aqui, eu não vou comer nada!

Sua expressão voltou ao normal. Ele ficou em silêncio encarando-a para que no momento seguinte dissesse:

–Você quer achar sua irmã? –Colocou as mãos sobre a cintura.

A menina paralisou. Pensou cuidadosamente no que o jovem quis dizer. Como assim encontrar sua irmã? Ele estava louco? Isso era impossível, desde que ela não sabia nem se ela estava viva.

–O q-quer dizer... Com isto?

Miyavi tremeu por um momento.

O tatuado sempre fora acostumado a ter de tudo de melhor e nunca havia se preocupado tanto com a população. Mas naquele momento ele se sentia obrigado a fazer alguma boa ação. Não sabia o porquê daquela necessidade, mas sentia que precisava fazer algo.

Apesar de sua personalidade brincalhona e infantil, ele nunca agia por impulso e era muito inteligente. Mas agora, ele estava disposto a fazer algo para ajudar alguém (que não fosse ele).

Akane por outro lado não achou que ele fosse tocar no assunto desde que ele havia estado em silêncio quando a pequena contou a história do ocorrido.

Era um momento e tanto para que os dois ficassem em silêncio.

–É claro que quero. –Porém disse ela.

–Então... Quero que saiba que vou te ajudar a achá-la.

Tremeu.

–M-mas como?

–Vamos ao local investigar. Eu tenho influência o suficiente para fazer isso.

Ela não sabia o que dizer. Será que ela acharia a irmã e até... Os pais? Não, isso seria demais. Mas talvez... Nunca se sabe, ela ainda poderia manter a esperança de ter toda a sua família de volta.

Mas... Se sua irmã estivesse viva, ela não estaria mais lá. Já faz mais de um mês, seria quase impossível.

De qualquer maneira ela insistia em tentar.

–Tudo bem. –Bufou. –Quero que saiba que lhe agradeço pelo que está fazendo. –E pegou o bentou, largando-o logo em seguida.

O jovem tatuado estendia os braços para um grande abraço.

Akane o abraçou com toda a gratidão que teria em seu espírito.


~x~x~x~x~


Depois daquele momento no parque, Miyavi nunca havia se sentido tão bem. Aquela garota por mais rústica que parecesse... Parecia ser uma joia para ele. Por alguma razão (sobre)natural ele queria ir além nisso. Queria ver a criança feliz. Queria poder sentir a satisfação de fazer Akane sorrir.

Mas para isso ele teria que fazer muito... E talvez em vão.

Se por algum lamento a irmã de Akane não estivesse viva, o que o tatuado iria fazer? Em sua mente ele planejava tudo o que fosse preciso para encontrá-la. Mas e então? E depois? Akane viveria com a irmã (da qual não sabemos o nome e nem sequer a aparência) da qual provavelmente não teria onde morar também?

Seria ainda mais cruel.

Por um lado, se não encontrasse a irmã, a pobre criança estaria sozinha e sem família... E o fardo eventualmente cairia no tocador de Shamisen.

De ambas as situações, ele haveria de ficar com a garota. Isso lhe dava dor de cabeça.


–Miyavi? –Sentiu “cutuques” delicados em suas costas.

Eram toques tão macios...

Takamasa se virou e avistou os enormes orbes castanhos encarando-o.

–...Sim? –Perguntou esfregando os olhos.

–É meio dia. –Mexeu no cabelo. –Se lembra? Você me trouxe de volta para sua casa, mas depois voltou a dormir.

Pensou em levantar, mas estava seminu.

–Pode me dar alguns minutos, sim?


A garota dirigiu seus passos para fora do quarto e desceu as escadas de madeira para o primeiro andar.


O tatuado se trocou devidamente, colocando uma regata branca e um casaco de mangas compridas de cor marrom. Quando não decidia se vestir à la “era samurai + casaco” ele era bem estiloso. Colocou suas luvas que não poderiam faltar, escondendo suas tatuagens dos dedos. Para terminar, colocou uma calça jeans barata, um pouco rasgada.

E com seu jeito um tanto egocêntrico, colocou uma boina enfeitada de bottons.

Desceu as escadas deslizando seus dedos pelo corrimão. Dirigiu-se a cozinha.

Preparou-se a frente do fogão que havia, pegando alguns utensílios no armário.

–Eu vou preparar a minha comida... Porque não traz o bentou para que eu o esquente? –Gritou para que a garota (que estava no cômodo principal) escutasse.

A garota pegou o objeto e foi à cozinha, deslumbrada com o cômodo.

Era um espaço branco, brilhante... Não tinha dos melhores eletrodomésticos porque afinal estávamos em 1945. Mas era tudo um tanto... Bonito.

–Sua casa é muito bonita...

Miyavi riu.

–Obrigado, acho que essa casa é o fruto do meu esforço.


~x~x~x~x~


Após contemplarem o almoço no kotatsu e agradecendo devidamente, Ishihara indagou:

–Sabe o que eu estava pensando...?

Afirmou negativamente com a cabeça.

–Ninguém que anda comigo se veste assim. E você está suja, deve se lavar! –Passou o dedo por uma mecha de cabelo, enrolando-a e enrolando-a... –Eu vou comprar roupas para você!

–Não precisa! –Disse honestamente. –Eu posso me banhar, mas as roupas... Realmente não são necessárias!

–Ah, são sim! Ah quanto tempo você as veste?

–... Duas semanas. –Bufou. –Após a minha fuga eu consegui passar por inúmeros lugares, porém nenhum deles foi permanente. Cheguei a passar alguns dias em casas de japoneses, mas nenhum deles se ofereceu a me ajudar a arranjar emprego ou algo do tipo...

–Você tem quatorze anos. Emprego nessa idade é quase inexistente.

Ela consentiu.

–De qualquer maneira, vá tomar um banho! Eu vou ver algumas roupas para você.

E então ela subiu as escadas para o segundo andar. Estava meio perdida. A direita na escada, encontrava-se o quarto do tatuado. E ao lado esquerdo... Nunca se atreveu a explorar. Conseguia ver que tinha um espaço livre ao fundo (pois não havia paredes, era dividido apenas por pequenas grades de madeira), mas o cômodo rente a escada estava trancado e não parecia ser usado com frequência.

O corredor no qual ficava o quarto de Ishihara mostrava uma portinhola ao fundo. Era pequena, e nele havia os ideogramas de banheiro gravados na madeira.

Ficou frente a frente com a tal porta, analisando a madeira envernizada. Pousando sua mão na maçaneta, abriu a porta e entrou no banheiro. A banheira já estava pronta por algum motivo (talvez ele já havia pensado nisso). E então despindo-se, entrou na água.

Miyavi caminhou para a entrada da casa, colocou seus sapatos e correu pela cidade. Ele parecia determinado. Corria tão apressado como se estivesse procurando por algo a mais. Daquele jeito desengonçado, é claro, ele provocava risadas de crianças e jovens. Parou em algumas lojas e comprou as roupas para a criança. Após uns vinte minutos ele estaria de volta.

As roupas da qual comprara eram totalmente novas com uma aparência um tanto delicada e infantil. Não tinha certeza se a pequena iria aceitar, mas julgando por sua bondade ele deduziu que ela cederia.

Comprou uma camisa branca de botões, uma linda fita para colocar em seu colarinho e um vestido azul de bolinhas beges servindo como um colete em seu “suposto” busto. Também comprou meias de cor cinza e um sapato de madeira marrom.

Se vestisse isto, seria praticamente uma boneca.

Estava ansioso para mostrar isso à Akemi. Quando chegou ao Machiya, subiu as escadas apressado e ao chegar à porta do banheiro, ele bateu.

–Posso entrar? –Perguntou indeciso.

Iria esperar a pequena se banhar para que pudesse lhe dar as roupas, mas o breve “sim” dela o espantou.

Girou a maçaneta e se viu com a garota e um escovão dentro da banheira. Ela parecia meio perdida, sem saber o que fazer. Estava corada.

Ele também.

–Eh, eu comprei suas roupas, veja, veja. –Levantou a mão com uma sacola.

Sorriu. A garota ficou alguns segundos em silêncio, mas depois se pronunciou:

–Eu, é... –Desviou o olhar. – Pode me ajudar a esfregar as costas? –Mostrou o esfregão. –Eu não consigo alcançar...

O tatuado inspirou fundo. Fechou os olhos e deu um sorriso sincero, exaltando seu piercing. Tirou as luvas e soltou a sacola no chão, correndo para o banquinho próximo. Sentou-se e pegou o esfregão da mão da menina. Esfregando suas costas, ele disse:

–Suas roupas estão muito bonitas, viu?

–Obrigada por comprá-las. Quando puder eu te pago.

–Não se preocupe... Isso é um presente.

E começou a passar o esfregão na sensível pele da criança. Ela era tão branquinha sem toda aquela poeira... Era tão bonitinha. Uma japonesa legítima.

Não se sentia confortável fazendo aquilo, porém teimava que não tinha nada demais. Se pretendia ficar com aquela criança teria de se acostumar com isso.

Mas ela era tão... Angelical. Pura como a neve... Intocada e branca. Transbordava inocência e um sentimento tão inexplicável como... Não havia exemplos. Ele pensava em coisas tão descritivas e tão detalhadas que em sua humilde mente (e humana, é claro) não conseguia organizar toda aquela algazarra de sensações, esquecendo-se e lembrando-se logo em seguida o que havia pensado só de olhar para a garota. Não seria apto a descrever sequer uma frase sobre o que em sua pele se passava. Por alguns minutos deixou-se entregar por esses pensamentos, mas ainda ajudando a garota (e inconscientemente estava sendo o mais devagar possível), ele decidiu bloquear estas correntes de ideias que lhe passavam pela cabeça, o que aumentou ainda mais as sensações que lhe envolviam. Só então, decidira voltar ao mundo físico e continuar (um pouco mais rapidamente) o serviço que estava fazendo.

Por outro lado, a garota explodia-se em timidez. Ela estava com a cabeça abaixada e tentando esconder o máximo possível suas partes íntimas. (Não que ele estivesse interessado em vê-las). Em sua mente, uma combustão de sentimentos contrastantes emergia-se e ela sentia-se perdida. Como lavar-se mentalmente estava sendo impossível, ela tentava se manter distante de seus pensamentos como se estivesse com medo deles. Seus cabelos emaranhados e castanhos cobriam-lhe a face... Da qual tão rósea e corada estava.

Os dois estavam fazendo a mesma coisa: fugindo de seus pensamentos. Pareciam idênticos mentalmente.

Depois de um sufocante silêncio (não muito, pois ambos estavam em seus respectivos mundos), o mais velho pronunciou:

–Terminei. –Soltou o esfregão na banheira e levantou-se, indo em direção à saída. –A toalha está do seu lado. Quando terminar, sinta-se a vontade para se secar. Vista a camisa e a bermuda que está na sacola e me chame.

Fechando a porta, Miyavi sentiu que estava saindo de outro mundo. Pousou a mão na testa e xingou-se em nomes tão peculiares e ocultos possíveis que se confundiu no que pensava.

“Aquela garota tem 14 anos, Miyavi! Você se atreveria em sentir algo por ela?” Resmungava.

Ela era uma criança. Ele era um adulto, com quase meia vida vivida! Vinte e três anos de experiência (ou quase) nas costas!

Mas espera aí.

Takamasa não estaria se confundindo? De certa forma, aqueles sentimentos eram reais. Ele sentia tudo aquilo pela garota, mas não daquele jeito. Akane parecia um pote de inocência que transbordava alegria e uma sensação... Pura. Mas toda aquela perfeição era perfeita demais. (Risos)

Não que fosse algo ruim, é só que... Ele não imaginava a personalidade daquela garota o acompanhando pelo resto da vida como uma companheira. Talvez como uma filha... Mas como uma companheira seria estranho. Estranho não seria a palavra certa... Ele só sentia que não seria certo.

Era algo muito difícil de explicar. Na cabeça do tocador de Shamisen, ele era o escolhido para cuidar daquela garota com sua vida. O protetor daquela criança. Tinha esse sentimento cravado em sua cabeça, e não seria agradável que se envolvesse com ela. E a relação de idades era realmente estranha.

Contornou o segundo andar, passando da escada e indo ao cômodo sem paredes. Era um tipo de espaço livre que ele usava para descansar, fazer yoga ou apenas refrescar a cabeça. Apoiou-se nas grades que separavam o cômodo do lado de fora da casa.

Fechou os olhos e respirou fundo, com os cabelos a voar.



~x~x~x~x~

Ouviu um grito feminino. “Miyavi!”

Ele correu desesperado, mas diminuiu a velocidade lembrando que havia dito para a garota chamá-lo.

Girou a maçaneta e abriu a porta, vendo a garota com uma camisa grande e uma bermuda preta. Pigarreou e corou instantaneamente.

–Bem diferente do seu look antigo, não é mesmo? –Riu.

–É verdade! –Riu junto com o jovem enquanto secava o cabelo.

Pegou a sacola vagarosamente e foi retirando as roupas pouco a pouco, depositando no banquinho.

–Tome, este é o vestido. –Disse desamarrando a cordinha que juntava os dois lados do colete.

Estendeu o braço com a vestimenta e a garota pegou. Com dificuldade, pôs os braços por dentro dos espaços e passou o resto do vestido por cima, pela cabeça.

Miyavi ajeitou o colete da garota, tomando cuidado para não acontecer nenhum tipo de constrangimento para ambos os lados. Amarrou cuidadosamente. Ajeitou o caimento do vestido. Movimentou as alças da parte superior.

Pegou a fita preta e passou pelo pescoço dela. Amarrou elegantemente um laço e ajeitou.

Logo depois a peça de roupa a ser pega fora a meia cinza que iria até as coxas.

–Quer se sentar? –Ele apontou para o banquinho.

Sentada, a garota esticou a perna direita com o pé também esticado. Takamasa pegou a meia cinza e abaixou. Tomou a sua perna direita e colocou a meia suavemente, fazendo com que não ficasse folgado ou apertado. Ficou receoso quando subia a meia por entre a sua fina perna, mas a garota não parecia mais assustada. Ela levantou uma parte do vestido para que pudesse continuar o trabalho.

Ao chegar ao limite, a meia, contendo um feixe que se conectava com a bermuda, foi ligado. Aquilo era necessário para que a meia não descesse por entre a pele da criança.

Repetiu o processo com a perna esquerda e calçou os sapatinhos de madeira na pequena. O tamanho se acomodava exatamente com o pé de Akane.

A garota levantou-se olhando perdidamente para o tatuado, demonstrando que estava perdida.

Miyavi pegou uma escova próxima e escovou os cabelos dela. Passava diversas vezes pelo cabelo, deixando-o tão liso quando seda. De vez em quando se atrevia a passar a mão para ajeitar.

Terminando de escovar a franja, ele soltou a escova e deu alguns passos para trás.

–Uou... Você está linda! As roupas e o calçado serviram certinho!

Ela corada não dizia uma palavra.

Depois de arrumar a bagunça do banheiro, Akane desceu as escadas devagar (pois estava se acostumando com os sapatos). O tatuado passou no quarto, colocou um casaco sofisticado e um cachecol, recolocou as luvas e pegou um objeto, descendo as escadas correndo, quase tropeçando entre os degraus.

Soltou o objeto no kotatsu e chamou a garota para que se aproximasse.

–Venha.

Ela se aproximou. Ele pegou a caixa e abriu-a, com lotes e lotes de maquiagem.

–Você está brincando! Eu não coloco maquiagem! –Recusou.

–Não se preocupe, não irei colocar maquiagem pesada. Só um pó e uma sombra clarinha... Não me atrevo a colocar um batom, juro.

Ela cedeu. Afinal, o jovem tatuado estava fazendo tanto por ela que nem que ele quisesse maquiá-la como um palhaço ela recusaria.

Ela fechou os olhos e esperou.

Ele pegou um pincel e bateu de leve no pó e espalhou pelo rosto da garota. Passava pela maçã do rosto, queixo, testa... Ela era realmente bonita. Miyavi estava perdido de novo. Parou.

Chacoalhou a cabeça e voltou a maquiá-la.

–Pronto. Você está linda. –Disse batendo as mãos, tirando o pó da luva.

Ela abriu os olhos, e se vendo num espelho, disse:

–Mas... Oh! –Se via surpresa.

Ela estava deslumbrante.

~x~x~x~x~


O entardecer caíra e dava boas vindas a uma estrelada noite. É claro que Ishihara Takamasa, o grande tocador de Shamisen havia se limpado e colocado uma sofisticada vestimenta para que a dupla pudesse comer em restaurante.

Deu-se ao luxo de vestir um casaco de botões que se estendia até os joelhos, acompanhado de uma calça jeans. Colocou outro cachecol (mais pomposo desta vez) de cor cinza, e colocou luvas de frio (novamente). Penteou os cabelos deixando-o da forma natural.

Prontos para saírem, Miyavi ofereceu um casaco que havia comprado para ela também, de cor igualmente cinza. Ambos vestiram seus sapatos na saída do Machiya e caminharam lado a lado até o restaurante mais próximo.

Embora a noite estivesse escura (obviamente), e aparentemente perigosa (algo incomum em terras nipônicas), a criança não tinha medo. Apesar das novas roupas, a pessoa era a mesma. Ela tinha uma enorme gratidão pelo tatuado, mas não sentia a necessidade de segurar sua mão ou juntar-se a ele em resposta a isso.

Rapidamente encontraram um restaurante. Acharam uma mesa e sentaram-se esperando o garçom.

–O que o senhor deseja? –Perguntou a Ishihara.

–Gostaria de Gyoza*... E... Nikujaga*. E você Akane?

–Inarizushi*... E gostaria de uma porção de Makizuchi* também.

–Só isso?

–Não estou com muita fome... Obrigada.

O garçom estranhou. A forma que falavam não parecia nem um pouco com uma relação paternal. Apesar de tudo, anotou os pedidos e desapareceu entre as portas de acesso apenas a funcionários.

Miyavi fitou a pequena com seriedade.

–Não fique tímida de pedir comida, está bem?

–Tudo bem...

Desviou o olhar. Ele percebeu.

Após a chegada da comida, ambos sussurraram um breve “itadakimasu” e começaram a comer.

A criança destacou os hashis e pegou aos poucos sushi por sushi.

–Mas então... –Ela disse brincando com o “talher”.

Takamasa a olhou por um ângulo inferior.

–Vamos começar as buscas amanhã. Já aluguei um helicóptero para que possamos acessar o local facilmente. –Pegou um pedaço de comida.

–Tudo bem... Obrigada novamente.

–Sem problema.

O jantar havia sido esclarecedor. Akane estava esperando que Ishihara dissesse algo sobre o assunto mas não queria cobrá-lo. Sabia que o jovem tatuado não era alguém que não cumprisse com suas palavras, mas queria ter a comprovação de que seu sonho ainda poderia ser realizado. Mas acabou pensando no que poderia acontecer depois.

Ela viveria com a irmã? Ou com Takamasa? Deixou para pensar nisso um pouco mais tarde. Saiu de lá feliz, dando a oportunidade para que ambos saíssem do restaurante de mãos dadas.

A noite sorria.