“O meu melhor amigo / É o meu amor”

Velha Infância - Tribalistas

— Oi... — a voz de Clarita saiu num sussurro, não queria quebrar o contato entre seus olhos e os de Beto, mas queria falar com ele também.

— Oi — ele respondeu sorrindo. — Você cresceu...

— Não dava para ficar nanica para sempre — ela respondeu sem graça.

Ele riu. Ela se lembrava do apelido.

— Você... você... — ele não tinha o que dizer, a não ser que ela estava mais linda do que antes. — Bem, você mudou um bocado.

— Jura? — ela não achava que estava assim tão diferente, quer dizer, ela ainda era ela.

— Pelo menos na aparência. Você cresceu oras!

Clarita riu.

— Você não mudou tanto assim.

— Sério?

— Pelo menos na aparência...

— Usando minhas frases contra mim? — ele disse se fingido de bravo, o que a fez corar imediatamente. — Senti falta disso.

— Eu também — ela admitiu.

— Beto, amor, o que está havendo aqui? — Érica chegou de repente fazendo a expressão de Clarita mudar de felicidade para desgosto rapidamente.

— Bem, Érica essa é a Clarita — ele disse desconfortável — ela é minha amiga, aliás, minha melhor amiga.

Clarita sorriu com o que ouviu, embora preferisse não ter ouvido o que veio a seguir.

— E Clarita essa é a Érica — ele apontou para a garota — minha namorada.

Clarita não soube por quando tempo ficou sem respirar, mas de repente se sentiu zonza e quis vomitar. Talvez impedir o ar de circular pelo cérebro não tenha sido um boa ideia.

— Clarita o pedido — Francis a chamou, livrando-a de mais um segundo na presença da tal Érica que abraçava Beto possessivamente.

— Com licença — ela pediu, saindo da roda de conversa sem olhar para Beto, sabia que se o fizesse esqueceria até de seu próprio nome.

Foi até a mesa entregou o pedido e enquanto voltava pôde ouvir Júnior dizer a Maria Cecília:

— A única mudança que vamos fazer aqui é a Érica, ela é namorada do Beto e precisava de um lugar para fazer um laboratório para um filme que ela vai protagonizar, então ela vai trabalhar aqui durante alguns meses.

Não podia ser. Ela teria que olhar todos os dias para a cara de Érica e ainda vê-la aos beijos e abraços com Beto sempre que ele aparecesse por lá. Isso só podia ser piada, alguém lá em cima realmente não ia com a sua cara.

— x —

Beto ouvia as três mulheres conversar, mas seus pensamentos estavam em outro lugar. Um lugar bem distante, onde sua vida não era tão complicada e ele não tinha que tomar decisões difíceis. Um lugar esquecido sob o passar do tempo, dos anos...

— Olha Clarita eu vou te perguntar uma coisa, mas você tem que dizer a verdade ta? — os olhos de Beto encaravam os da menina quase sem piscar.

— Tudo bem, pode perguntar — ela deu de ombros, não tinham segredos um com o outro.

— Tudo bem, lá vai éverdadequevocêbeijouoPaulo — ele soltou de uma vez.

— O quê? Beto eu não entendi nada — ela balançou a cabeça confusa.

— Eu quero saber se você beijou o Paulo — ele disse num sussurro.

Clarita arregalou os olhos.

— Não! Não Beto. Não!

— Não fica brava, eu só queria saber se era verdade.

— Não é verdade. Quem te disse isso?

— Não importa.

O silêncio pairou dentro do quarto no qual Clarita dormia com as outras meninas.

— E se eu quisesse beijar você? — Beto perguntou envergonhado.

— O que tem? — Clarita o olhou confusa.

— Você ia deixar?

— Não sei. Quer tentar?

— Não sei. Posso?

Ela não respondeu, apenas o encarou. Beto entendeu aquilo como um sim e colocou seus lábios sobre o da menina, não ficaram nem cinco segundos daquele jeito e ele logo se afastou. Clarita estava com vergonha e ele estava feliz. Simplesmente muito feliz.

“E pensar que um mês depois eu estava indo embora daqui...”. Beto balançou a cabeça não podia ficar se lembrando disso.

— Beto! Beto! — ele ouviu Érica chamar.

— Hum — respondeu ele.

— Vamos dar uma volta? Quero conhecer a cidade — ela disse fazendo bico.

— Claro — ele respondeu sem entusiasmo. — Vou me despedir do pessoal e nós vamos.

— Tudo bem, eu te espero aqui.

Ele concordou com a cabeça e foi até Carol avisar que iria levar Érica para dar uma volta. Despediu-se de Letícia, e foi até onde Clarita estava conversando com o tal Francis.

— Hey nanica — ele chamou fazendo-a se virar para ele, pode notar um pequeno sorriso se formando nos lábios da menina e sorriu também. — Eu estou de saída, mas não ia fazer isso sem me despedir de você.

Ela concordou com a cabeça.

— Bom, até logo então — ela disse sorrindo.

— Até — ele respondeu se virando.

De repente ele parou e se perguntou: por que não? Voltou rapidamente para onde Clarita estava e lhe deu um beijo demorado na bochecha, fazendo-a ficar vermelha de tamanha vergonha e surpresa. Ele sorriu para ela e saiu levando Érica pela mão. Seriam longos dias.

— x —

Clarita seguia o casal com os olhos ainda sentindo seu rosto quente. O local onde Beto havia beijado estava formigando e ela queria que aquela sensação durasse para sempre. Lembrou-se do sonho que teve com ele há alguns dias, será que algum dia ele a beijaria de verdade? Será que sua boca ficaria dormente tal qual sua bochecha naquele momento? Provavelmente não, ela nunca iria saber, afinal de contas ele tinha uma namorada, que apesar de visivelmente ciumenta não aparentava ser má pessoa.

— Clarita que foi isso? — Francis a chamou, ela notou um tom diferente em sua voz, que era sempre calma ao falar com ela, ele estava bravo.

— Isso o quê? — ela preferiu fazer-se de desentendida.

— Isso entre você e o cunhado do patrão — disse ele. — Ele mal chega aqui e já vai te dando apelidinhos e beijinhos?

— Ah bem, é que eu e o Beto éramos muito amigos quando crianças — ela explicou docemente. — O apelido é muito antigo.

— Mas e o beijo?

— Ah Francis é só um beijo de amigo.

— De amigo? Eu vi como ele olhou para você Clarita! — ele sussurrou, tentando não alterar a voz para não chamar a atenção das pessoas.

— Ah Francis deixa de bobagem — ela respondeu simplesmente. — O Tobias me beija na bochecha o tempo todo, até você já fez isso, por que o Beto não pode?

— Deixe-me ver porque ao contrário de mim ou do Tobias ele não quer só sua amizade ou sua bochecha, Clarita — ele disse como se fosse óbvio. — Ele quer algo a mais, só que se você não viu, ele tem namorada. Isso é errado!

— Olha Francis eu agradeço a sua preocupação — ele a olhou. — Sério, de verdade, mas eu sei me cuidar e eu também sei que o que existe entre o Beto e eu é somente amizade. Uma grande e antiga amizade.

— Assim espero viu Clarita, esse Beto aí me cheira a encrenca — ele respondeu de forma dura.

Clarita abriu a boca para retrucar, mas algo dentro dela a impediu, talvez Francis estivesse certo, ficar muito perto de Beto poderia custar seu emprego.

— Tudo bem Francis — ela suspirou por fim. — Você está certo. Eu vou manter distância dele.

Francis sorriu pela primeira vez naquele dia e Clarita pode notar que ele estava realmente preocupado com ela e não apenas com ciúmes como ela havia pensado. Ela sorriu de volta em sinal de agradecimento e foi atender uma mesa ao fundo do salão do Café Boutique.

— x —

Beto e Érica andavam pelas ruas com os olhos curiosos, ela maravilhada com a cidade queria passar em todos os lugares possíveis, ele entusiasmado sentia falta daquilo tudo. O tempo passava devagar, como deveria ser para que eles pudessem aproveitar tudo o que lhes era oferecido pelo ambiente.

— Amor? — Érica chamou.

— Sim?

— Do que você mais gostava aqui?

Clarita. Ele quis responder, mas viu que não era certo dizer aquilo porque 1) Érica era sua namorada, 2) Clarita devia ter um namorado, 3) isso seria totalmente canalha de sua parte.

— De poder brincar com os meus amigos — ele respondeu, o que era em parte verdade.

— E esses seus amigos... — ela hesitou em questionar, Beto sabia que ela não tinha certeza do que realmente dizer. — Bem, você sabe onde eles estão agora?

— Não — ele respondeu, o tom triste em sua voz não passou despercebido. — Quer dizer, Clarita e Lê estão no Café, os outros não faço ideia.

— Será que elas não sabem?

— Talvez.

— Você poderia perguntar a elas, eu mesmo posso fazer isso por você já que agora vou conviver com as duas em grande parte do tempo.

— E você faria isso por mim?

— Claro que sim! Eu quero ver você feliz e quero conhecer sua história.

— Você não iria achar graça nela. Não tem nada de interessante— ele disse. — Eu era um garoto comum, com uma vida comum, amigos comuns, fazendo coisas comuns, e depois virei cunhado de um cara cheio da grana e passei a ser um garoto comum que tinha um cunhado rico.

— Mesmo assim! Eu quero conhecer todos os seus amigos!

— Tá bom, tá bom. Prometo que você vai conhecê-los.

— Isso!

— E agora?

— O quê?

— Como assim o quê, Érica. O que a gente faz agora?

— Ah já sei — ela exclamou ficando de frente para ele.

— O quê?

Beto não obteve sua resposta com palavras, ao invés disso, ele sentiu os lábios de Érica irem de encontro aos seus em um beijo tranquilo. Ele costumava gostar desses beijos, mas parecia que agora não tinham o mesmo sabor. Apesar disso deixou-se envolver sabia que era o certo, sabia que essa era sua vontade, ou pelo menos deveria ser.

— x —

O dia passou devagar demais para Clarita que andava de um lado para o outro sem parar um segundo sequer, a verdade era que a simples hipótese do filho do doutor José Ricardo aparecer no Café já havia gerado um aumento repentino no número de clientes, a maioria repórteres que queriam conseguir ao menos uma frase do homem.

Quando a hora de fechar finalmente chegou Clarita estava exausta, seu único desejo era chegar logo em casa e tomar um longo banho.

— Bom pessoal tenham uma boa noite e um bom domingo — Maria Cecília disse enquanto esperava Tobias sair da cozinha.

— Igualmente — Lê respondeu, enquanto limpava uma das mesas.

Assim que Tobias chegou ele e a noiva saíram rumo a porta, foi a vez de Francis se despedir. Ele desejou um boa noite às duas colegas e saiu.

Clarita estava organizando os cardápios concentradamente que nem ouviu quando Letícia a chamou.

— Clarita!

A mesma se assustou com a voz da amiga.

— Oi Lê!

— Presta atenção garota, eu estou te chamando a um tempão e você aí viajando.

— Eu só estava concentrada — ela retrucou, embora não fosse verdade.

Ela estava mesmo pensando no que Francis lhe disse sobre Beto não querer apenas sua amizade. Isso era impossível, não? Afinal de contas eles ficaram anos sem se falar. E ele nunca disse que gostava dela de um jeito diferente. E mesmo que tivesse, já não era mais a mesma coisa.

— Certo, então vamos embora?

— Vamos, que eu já estou morta — Clarita brincou.

No caminho, Letícia tagarelava qualquer coisa que Clarita nem se esforçava para ouvir, mas desejava que ela não notasse. Quando finalmente se viu em casa, ela se jogou no sofá e respirou fundo. Havia passado com certo sucesso pelo primeiro dia, esperava que isso continuasse acontecendo.

Seguiu para o quarto onde pegou um pijama e uma toalha e rumou para o banheiro. A medida que a água encontrava sua pele ela se sentia mais relaxada e tranquila. Saiu do banho e foi direto para cama, estava sem fome e com muito sono. Não demoraria a dormir, só esperava que não tivesse que encarar os olhos de Beto novamente em seus sonhos.