“O vento diz que é hoje em meio à multidão / Que eu vou encontrar a dona do meu coração”

Me Encontra - Charlie Brown Jr.

O dia amanheceu sorrindo em São Paulo naquele sábado, o sol brilhava intensamente e as nuvens flutuavam devagar. Clarita não se lembrava da última vez que havia visto um dia tão bonito como aquele. Eram seis da manhã e ela já estava de pé. Por mais que tentasse negar estava ansiosa, não podia mais esperar para rever Beto. Saindo do banho ela olhou para o uniforme impecavelmente passado em cima da cama. Não era exatamente nesses trajes que ela imaginou o reencontro dos dois, mas mesmo assim ficou feliz ao ver sua imagem refletida no espelho do guarda-roupa.

Na noite anterior, ela tinha decidido ir de uniforme para o trabalho para o caso de acordar atrasada, e mesmo que estivesse dentro do horário não mudou os planos. A calça legging bege e a camiseta rosa claro somadas à sapatilha também bege e o laço azul no cabelo a faziam parecer uma menininha. “Também com essa altura...”, Clarita pensava ainda se admirando. Balançou a cabeça rindo, ela precisava crescer mais alguns centímetros.

Assim que terminou de se arrumar, tomou uma xícara de café e foi trabalhar. Ela andava sem pressa pelas ruas aproveitando a doce brisa que vez ou outra ia de encontro com seu rosto. Foi uma das primeiras a chegar ao local, encontrou Tobias e Maria Cecília que lhe cumprimentaram com um sorriso nervoso. Logo depois Lê e Francis apareceram e assim o restante dos funcionários.

— Bom dia pessoal — Maria Cecília disse ao ver todos dentro do Café. — Eu gostaria de poder lhes dizer para não ficarem nervosos com a chegada do Júnior, mas eu mesma não me agüento de aflição.

Os funcionários riam levemente.

— Mas eu preciso lhes dizer para ser o mais natural possível. Trabalhem como sempre trabalharam, tenham fé nos seus talentos, nas suas simpatias, e tudo vai dar certo.

“Tomara que você tenha razão...”, Clarita olhava para Maria Cecília atentamente. Ela torcia para que tudo realmente desse certo naquela manhã, pois não era somente seu emprego que estava em risco.

— x —

— Por que eu tenho que ir? — Beto repetia a pergunta pela milionésima vez.

— Porque você é da família, vai herdar aquilo tudo algum dia — Júnior tentava convencer o cunhado.

— Isso se você e a Carol não tiverem filhos — Beto contra-argumentava.

— Mesmo que a gente tenha — Júnior explicou. — Você foi criado pela gente mais como um filho do que como um cunhado ou um irmão, aquilo tudo vai ser seu também.

— E a sua namorada vai conhecer o lugar, vai trabalhar lá — Carol dizia. — É seu dever acompanhá-la.

Beto bufou. Odiava quando Carol usava Érica para chantageá-lo. Ele não queria ir ao Café Boutique, não naquele dia. Ele queria era ir até o Orfanato e perguntar a diretora do paradeiro de seus amigos: Mosca, Mili, Pata, Rafa, Vivi, Cris, Bia... Todos eles deveriam ter os seus dezesseis para dezessete anos agora. Queria saber onde se encontravam, por quem tinham sido adotados.

Mas queria ainda mais saber por onde andava certa garotinha de cabelos loiros que ele costumava chamar de nanica.

— Tudo bem eu vou — ele respondeu cansado de discutir. — Mas contra a minha vontade.

— Claro Beto, claro — Carol disse enquanto via o irmão ir para o quarto se arrumar, seria uma longa manhã.

— x —

Era pouco mais de oito e meia quando Lê avistou um carro prata parando em frente ao Café, saiu as pressas para avisar aos colegas que finalmente a família havia chegado. Quando Clarita ouviu a noticia sentiu seu coração acelerar ele havia voltado.

Seus olhos fitavam intensamente a porta a espera do rapaz, ela queria saber como ele estava, o quanto havia mudado. Estava tão concentrada nisso que nem ouviu quando um cliente a chamou e foi preciso que Francis a cutucasse para que ela fosse a mesa, totalmente contrariada.

Ela anotava o pedido pacientemente de costas para a porta, mas isso não a impediu de sentir a mudança na atmosfera do Café assim que o novo patrão colocou os pés dentro do estabelecimento. Clarita quis se virar, mas não o fez, o cliente era prioridade. Quando terminou de anotar virou-se rapidamente para levar o pedido até Francis, mas acabou chocando-se contra uma garota e acabou caindo no chão.

“Ótimo, bela maneira de demonstrar eficiência Clarita. Continue distraída assim e o próximo lugar onde você irá cair é na rua”, enquanto se levantava ela pode ouvir a garota se desculpar e alguém ajudá-la a ficar de pé.

— Sinto muito — Clarita disse colocando o avental no lugar ainda sem olhar a garota. — Eu realmente não a vi.

— Não tem problema — a garota foi simpática e Clarita se permitiu olhá-la.

Era bonita. Tinha o cabelo castanho escuro solto e usava uma maquiagem leve, pela roupa que ela usava logo ela pode notar que a garota não era da cidade. O jeans escuro e uma blusinha verde escuro brilhante somado a sandália de salto obviamente foram percebidos por ela.

Clarita quis se lembrar de onde já havia visto aquela garota, mas seus olhos foram instantaneamente atraídos pela presença de um rapaz que estava ao lado dela. “Não pode ser”, ela pensou boquiaberta, “Ele não”.

— Está tudo bem? — ele se dirigiu a Clarita e o coração da garota bateu mais forte.

Era ele. Os mesmo olhos, o mesmo sorriso, o mesmo modo de falar. Só podia ser.

— S-sim... Cl-claro — droga, ela estava gaguejando na frente dele. — Com licença.

Saiu o mais rápido que pode, não ia conseguir parar em pé com ele ali na sua frente. Quando chegou ao balcão viu que Maria Cecília e Júnior conversavam e Carol falava animadamente com Lê. Sentiu o olhar curioso de Tobias sobre ela e se virou para encarar o amigo.

— Que foi? — ela perguntou tentando parecer calma.

— Parece que você viu um fantasma — ele disse simplesmente.

— Claro que não. Tome — ela entregou o pedido e o viu sair rumo à cozinha.

— Mais alguém do orfanato trabalha aqui Lê? — Clarita ouviu Carol perguntar.

— Claro, vem cá que eu vou te mostrar quem é — elas estavam vindo em sua direção, Clarita sabia. — Carol se lembra da Clarita?

— x —

Clarita. Aquele nome ecoou na cabeça de Beto fazendo-o virar bruscamente na direção onde sua irmã e sua antiga vizinha, Letícia, estavam. Piscou fortemente várias vezes até se dar conta do que estava acontecendo, a garota loira com quem falara há alguns minutos estava ali diante dele conversando confortavelmente com Carol. A garota loira, que devia ser só mais uma garçonete, era na verdade seu amor de infância.

— Está tudo bem amor? — a voz de Érica o despertou de seu transe.

— Claro — ele tentou disfarçar.

Era óbvio que nada estava bem. A garota que ele sempre amou estava diante dele e ele não podia nem sequer tocá-la, primeiro porque ela era uma funcionária e ele de certa forma o patrão, e isso não seria bom para a imagem de nenhum dos dois; segundo porque ele tinha uma namorada que por sinal estava ao seu lado e terceiro porque ela certamente deveria ter alguém, uma garota bonita como ela não poderia estar sozinha.

— Beto venha cá — ele ouviu Carol chamar, sentiu um arrepio percorrer seu corpo.

Aproximando delas devagar ele pensava em maneiras diferentes de começar a falar com Clarita, mas em todas elas ele iria fazer besteira.

— Olha como a Clarita se tornou uma moça bonita — ela disse alegremente obrigando-os a se olhar.

Os olhos dele fixaram-se nos dela e nenhuma palavra precisou ser dita. Ele havia cumprido a sua promessa, nunca se esquecera dela voltara, mesmo que indiretamente, para reencontrá-la. E ela ficou a espera dele, ficou a espera desse momento. E para ambos aquilo era a maior das alegrias que alguém podia ter.