VI – JEMMA

Isso é errado Jemma. –Melinda May diz jogando um monte de papeis na mesa de jantar, onde Jemma está sentada tranquilamente jogando xadrez sozinha.

Jemma engole em seco, uma rápida olhada nos papeis em cima da mesa e ela sabe muito bem quais são esses papeis.

—Mamãe... –Jemma começa incerta e diante do olhar nada amistoso da mãe logo acrescenta –Eu posso explicar...

As duas ficam em silêncio, percebendo que a filha não dirá mais nada, Melinda diz em um tom duro:

—Estou ouvindo.

—Eu pedi a Daisy para falsificar sua assinatura nos papeis, pois sabia que você não deixaria que eu entrasse na SHIELD. –Jemma se viu dizendo de uma vez e instantaneamente se encolheu ao perceber que havia delatado a irmã.

—É óbvio que foi Daisy quem falsificou. –Melinda diz enquanto pega uma das folhas com sua assinatura e analisa a cópia perfeita, não tardando em sussurrar –A facilidade que sua irmã tem para realizar coisas erradas me assusta.

—Ela seria uma boa espiã. –Jemma se vê repetindo o que ouviu a avó comentar com o avô algumas vezes, quando pensou que ela não estava prestando atenção, e instantaneamente congela, afinal de contas ela sabe que é muito errado, sequer cogitar essa hipótese para si mesma, quem dirá para sua irmã.

—Não quero saber o modus operandi Jemma, quero saber o motivo. –Melinda diz surpreendentemente mais calma.

Jemma se vê desviando o olhar da mãe e falando:

—Eu amo a bioquímica mãe, a SHIELD pode me ajudar a entender mais, Deus, eles estudam até alienígenas, eu só quero aprender.

A gêmea mais nova se vê então encarando a mãe com os olhos brilhando em expectativa.

—E bem... você e papai estiveram lá e eu gostaria disso, sabe ajudar as pessoas a minha maneira. –Jemma diz sinceramente e não percebe que a postura de sua mãe vacila por rápidos segundos.

—Jemma... você não precisa fazer isso porque nós fizemos. –Melinda diz olhando a filha nos olhos.

—Não é por isso mamãe... –Jemma se vê dizendo suavemente e então adquirindo uma postura mais firme, que deixaria até mesmo sua avó orgulhosa, ela acrescenta –De qualquer forma essa é a minha decisão, se a senhora não me apoiar agora, eu estarei entrando quando fizer dezoito anos. Então só cabe a senhora atrasar a minha carreira ou permitir que eu seja livre para fazer minhas escolhas.

E de repente o silêncio caiu entre as duas.

Jemma encarou os olhos da mãe com tanta intensidade, que ela própria não sabe de onde tirou tamanha coragem para encarar a infame Melinda May.

Após o que pareceu ser uma eternidade, Melinda entregou a filha uma pasta.

—Acho que seria mais apropriado você entrar com documentos assinados legitimamente. –Melinda diz enquanto observa a filha arregalar os olhos vendo os formulários preenchidos por ela.

Jemma então deixa a pasta de lado, e levantando-se de sua cadeira muito rápido, ela corre até a mãe e a envolve em um abraço apertado.

—Obrigada mamãe. –Jemma diz em uma voz quase chorosa, não tardando em sussurrar –Eu não vou te decepcionar, prometo.

Em resposta ela sente sua mãe apertar ainda mais os braços em volta de si e sussurrar:

—Eu sei que não vai, só quero que tenha cuidado.

Jemma assente ainda nos braços da mãe, enquanto pensa que não deveria ter escondido suas intenções da mãe e muito menos fazendo de sua irmã cumplice em um crime, não que ela tivesse que pedir duas vezes à Daisy, isso foi errado.

No entanto, nos braços de sua mãe, sentindo todo o amor, carinho e respeito que a mãe tem por ela, Jemma sabe que não se trata apenas de aprender mais ou sua carreira, se trata de um legado. Isso é certo.

VII – DAISY

—O que é isso mamãe? –Daisy diz assim que a mãe coloca os papeis com sua assinatura falsificada em sua escrivaninha.

Isso é errado Daisy. –Melinda diz com um olhar nada contente.

Daisy demora alguns segundos decidindo que atitude tomar a partir de agora: negar por mais alguns minutos ou parecer culpada....

—Daisy... –Melinda diz interrompendo seus pensamentos.

—Eu sei mamãe, mas Jemma queria tanto. –Daisy diz verdadeiramente.

Melinda suspira enquanto Daisy faz o possível para parecer arrependida.

—Você tem que parar de pegar atalhos na vida Daisy, isso é errado. –Melinda diz quando se senta no beliche sem tirar os olhos da filha.

—Eu não peguei... –Daisy começou a sua defesa, sendo parada apenas por um olhar de Melinda.

—Entrar no sistema da escola e alterar as suas notas, culpar os esquilos por seu trabalho malfeito no jardim da nǎinai, colocar as roupas coloridas para lavar com as brancas e agora falsificar minha assinatura Daisy? Tem mais alguma coisa que eu não saiba? –Melinda diz olhando fixamente para a filha.

Daisy limita-se a negar com a cabeça.

—Daisy eu te amo tanto e sei que desde a morte do seu pai as coisas não estão indo como deveriam, mas eu estou tentando e queria que você fizesse o mesmo. –Melinda se vê dizendo sinceramente à filha.

Daisy desvia o olhar, a simples menção da morte de seu pai era difícil, não importa quanto tempo passe.

—Vou tentar não pegar atalhos da próxima vez. –Daisy se vê dizendo um pouco a contragosto.

No mesmo instante Melinda lhe dirige um olhar não muito satisfeito.

—Eu quero uma promessa Daisy. –Melinda diz firmemente, sem nem mesmo vacilar.

Daisy bufa levemente antes de dizer:

—Nós duas sabemos que não podemos prometer algo que talvez não podemos cumprir,

Melinda mais uma vez dirige um olhar nada amistoso à filha.

—Tudo bem. –Daisy inicia e acrescenta a contragosto –Eu prometo não pegar atalhos novamente.

Melinda a encara fixamente e Daisy teme que por um minuto a mãe note que os dedos de seu pé direito estejam cruzados.

—Espero que cumpra sua promessa. –May diz dando mais uma olhada para a filha, antes de então se levantar e mudar de assunto –Estou indo pedir o jantar, algum pedido especial?

Daisy faz que não com a cabeça e Melinda então se retira do quarto das filhas.

Apenas quando vê que a mãe fechou a porta, Daisy finalmente solta o ar que nem sabia que estava segurando em seus pulmões.

Isso é errado, mas convenhamos que eu sou muito boa nisso. –Daisy murmura enquanto analisa os papeis que sua mãe esqueceu de levar embora.

VIII – MELINDA

Desde que saiu do escritório do diretor, Melinda May estava determinada a rasgar os malditos documentos falsificados e ter uma conversa muito séria com Jemma May Coulson.

No entanto, Melinda esqueceu-se que das duas filhas, era Jemma quem havia herdado aquele olhar sonhador quando fala de algo que gosta, exatamente o mesmo que Phil ostentava sempre que falava sobre algo que amava e apenas ela sabia o quanto sentia falta desse olhar.

Claro, teve a parte inicial em que ela confessou tudo, pois Jemma diferentemente da irmã gêmea possuía muita dificuldade em mentir, apesar de tudo isso quando Melinda May viu sua filhinha defendendo o que acredita ela não conseguia acreditar, era uma atitude que deixaria Phil orgulhoso, pois apesar de tudo ela também se orgulhou.

E claro, houve aquela ameaça implícita de Jemma e ela conteve-se para não revirar os olhos, ali estava Jemma mostrando que também era sua filha.

Tendo outra alternativa, mas sabendo que era inevitável que um dia Jemma entrasse na Academia, Melinda se viu obrigada a dar sua benção, que foi na forma daquela pasta cujos papeis com sua assinatura real estava. Afinal de contas, por mais que quisesse impedir a filha, uma parte dela sabia já há algumas horas que aquela batalha estava perdida.

Apesar de no fim acabar por concordar com a filha mais nova, Melinda ainda teve que deixar Daisy saber que estava a par de suas transgressões, que para sua dor de cabeça estavam cada vez mais frequentes.

A noite encerrou-se com as três comendo comida chinesa e por algum estranho motivo, Melinda se viu na necessidade de ligar para a mãe.

— Qiaolian. –Lian May disse após o terceiro toque de seu celular.

—Ei mãe, tudo bem? –Melinda disse.

—Eu é que deveria estar perguntando isso, ligações fora de hora não são do seu feitio. –Lian diz e ouve a filha dar uma risada sem graça.

—Jemma se inscreveu na academia. –Melinda disse o que de fato a incomodava.

—Academia...? –Lian repetiu não entendendo o porquê a preocupação de Melinda, até que percebeu de que tipo de academia a filha falava –A academia da SHIELD?

Melinda grunhiu em concordância.

—Mas como você deixou? Como Fury teve a ousadia de recrutar Jemma? Ele sabe que ela só tem dezesseis anos!? –Lian May disse deixando bem evidente a sua opinião.

—Daisy falsificou minha assinatura nos papeis, mas no fim eu acabei cedendo. –Melinda disse resumindo a situação.

—Como você cedeu Melinda? Isso é errado, ela deveria estar tendo o primeiro namorado ou Deus o livre, se rebelando como Daisy. –Lian disse já perdendo a calma no seu tom de voz.

—Eu sei que isso é errado mãe, mas de qualquer forma Jemma sempre foi precoce. –Melinda se viu defendendo suas razões.

—Ao menos não é trabalho de campo... ou é Qiaolian? –Lian se viu não necessidade de questionar.

—É óbvio que não é no campo mãe, ela estará segura nos laboratórios. –Melinda diz e tem quase a certeza que ouviu a mãe bufar.

—Só espero que seja o certo. –Lian murmura.

—Eu também. –Melinda se vê dizendo, apesar de no fundo saber que sua mãe tem razão, isso é errado.

Não demora muito e Melinda encerra a ligação, dessa forma não vendo solução a não ser ir para seu próprio quarto e ir dormir ou encarar o teto por horas a fio, como faz cotidianamente.

Enquanto faz sua rotina noturna, é inevitável que ela não olhe a escova de dentes de Phil ainda no mesmo lugar, um ano se passou e ela ainda não teve a coragem de joga-la fora, da mesma forma que as roupas dele ainda permanecem no mesmo lugar e ela agradece a qualquer ser divino pelo fato das filhas não comentarem nada, diferentemente de sua mãe e o discurso de seguir em frente.

No dia seguinte, enquanto as três fazem o Tai Chi matinal, Jemma irrompe o silêncio milagroso:

—Hanna me dará carona hoje, precisarei estar na faculdade uma hora mais cedo.

Melinda continua seus movimentos, já Daisy se pronuncia:

—Ah não Jemma, eu não quero ir de ônibus.

—Mas Daisy, eu preciso estar mais cedo na faculdade. –Jemma ralhou.

—Mas Jen... –Daisy começa a protestar.

—Se você soubesse dirigir, poderia muito bem pegar Lola. –Jemma disse já irritada.

E prevendo uma briga iminente, Melinda disse em seu tom severo:

—Quietas. Eu levo você Daisy.

Daisy fez o possível, mas May ainda viu um pequeno sorriso vitorioso surgir no rosto da filha.

E assim após terminarem o Tai Chi, as mulheres May-Coulson se preparam para o dia.

Enquanto dirige em direção a escola da filha, Melinda se vê dizendo:

—Daisy, posso sair mais cedo do trabalho, e lhe ensinar os princípios básico da direção.

—Nã... Está tudo bem mãe, tenho natação hoje depois da aula. –Daisy diz dando de ombros desinteressada.

Assim, ao ver a filha caminhando em direção a escola, Melinda não deixa de suspirar diante de mais uma negativa de Daisy as suas lições de direção.

Sem grandes intercorrências os dias passam lentamente, Jemma está ansiosa com a formatura iminente, já Daisy não deixa passar em branco seu desagrado com a escolha da irmã de entrar na Academia da SHIELD, enquanto isso Melinda se vê na obrigação de intervir vez ou outra.

Assim, os dias passam e em uma quinta-feira qualquer o telefone da mesa de Melinda toca.

—May. –Melinda diz com sua falta de emoção habitual.

—Agente May venha até minha sala imediatamente. –Nick Fury disse do outro lado da linha e logo desligou.

Ao colocar o telefone no gancho, Melinda levantou-se de sua mesa imediatamente, afinal de contas uma sensação de haver algo errado instaurou-se em suas entranhas.