Enquanto caminhava em busca de seu objetivo, a visão daquele jovem rapidamente enturveceu-se até tornar-se completamente negra. Ele permaneceu em pânico por alguns segundos até que uma pequena luz brotou no horizonte. A pequena iluminação foi aproximando-se até ele notar que essa luz era emitida de uma lamparina carregada por um sujeito de vestes negras.

Mesmo que a lamparina conseguisse emitir alguma luz, isso apenas revelava que não havia nada naquele lugar. A escuridão era predominante e ele ficava cada vez mais confuso. O sujeito de vestes negras sentou-se numa cadeira que anteriormente não estava ali e abriu um grande livro:

–Contarei uma história muito interessante, permaneça atento! -Ordenou a figura.

A luz não era o suficiente para ser possível ver seu rosto por isso sua identidade mantinha-se desconhecida:

–Eu poderia saber quem é você? -Perguntou Kurokawa confuso.

A figura escondeu seu sorriso atrás do grande livro que carregava em suas mãos:
–Porque todas as vezes que nos encontramos você faz a mesma pergunta? -Perguntou a figura. -Mas vamos deixar isso de lado por enquanto.

O homem de negro levantou-se de sua cadeira e estendeu seu braço para a direita, no mesmo instante, um grande circulo luminoso surgiu longe dali na direção de seu braço:

–Estamos num lugar que as vezes está claro e outras está escuro. -Respondeu o jovem de negro. -Eu posso clareá-lo por alguns segundos mas apenas você pode embranquecê-lo por completo.

O circulo luminoso rapidamente desapareceu como se fosse consumido pela escuridão:
–Poderia parar de falar por metáforas? -Perguntou Kurokawa ainda mais confuso.

A figura sentou-se em sua cadeira e colocou seu livro novamente em seu colo enquanto desistia de sua explicação:

–Se não entendeu, apenas esqueça! -Disse ela (a figura) se preparando para iniciar a leitura de seu livro. -Se quiser, você pode ignorar minhas palavras e vagar por esse mundo mas duvido que encontrará algo.

Kurokawa considerou explorar esse mundo misterioso mas acabou por desistir quando lembrou-se que não possuía iluminação para isso:
–Tudo bem, irei escutar a sua história!

O jovem de negro lentamente começou a ler:
–Há algum tempo atrás, num lugar não muito longe daqui vivia um jovem muito triste. Ambos, seu pai e mãe haviam falecido mesmo antes de ele compreender o significado de felicidade. Assim, ele vivia seus dias numa casa grande, fria e deprimente. Todos os seus dias eram iguais, sempre sua rotina era a mesma, nunca havia diversão em sua vida. O cérebro humano é capaz de feitos incríveis tais como esquecer de acontecimentos indesejados e até mesmo criar personalidades e dividir o sofrimento entre elas.

Kurokawa interrompeu:
–Essa mudança de assunto não foi um pouco brusca? -Perguntou ele.

–Não me interrompa! -Exclamou a figura. -Esse era o único ponto positivo desse jovem, ele era dotado de um cérebro excepcional. Caso não fosse, esse pobre jovem teria perdido sua sanidade em alguns poucos anos. Seu cérebro dilatou sua percepção de tempo, isso fez com que longos anos se tornassem apenas alguns dias. Diferente das outras pessoas, ele não conseguia apenas ignorar seu passado e sorrir inocentemente, ele foi de certa forma impregnado com a escuridão desse mundo. Devido a esse fato, sua personalidade se tornou bastante fechada e até mesmo assustadora e não demorou muito para ele se isolar. Sem amigos, inevitavelmente ele começou a buscar formas de se entreter, primeiro lutando contra delinquentes e mais tarde entrando no mundo de Invisible Play.

Kurokawa voltou a interromper:

–Invisible Play? O que é isso?

–Já disse para não me interromper! -Exclamou a figura voltando a sua leitura. -Nesse mundo ele conheceu amigos, viveu aventuras e finalmente experimentou a felicidade. Conforme se tornava mais acostumado com sua felicidade, sua personalidade foi se tornado mais amável e sociável. Mas algo fatídico aconteceu, o mundo de IP é um lugar onde apenas os fortes sobrevivem e isso causou a morte de seus amigos. Seu alicerce mental novamente desabou. Quando estava quase a perder sua sanidade, seu cérebro decidiu que era melhor apagar as memórias desse seu tempo feliz.

–Isso quer dizer ele esqueceu para sempre daqueles seus amigos? -Perguntou Kurokawa.

–Irei perdoar sua intromissão de agora em diante. -Disse o jovem sentado na cadeira com um tom orgulhoso. -Não, é impossível para um cérebro simplesmente apagar uma memória, ele apenas pode esconde-la em algum lugar.

–Então onde o cérebro desse jovem guardou as memorias felizes dele?

A figura sorriu e voltou a ler o livro:
–Uma nova personalidade foi criada e as memórias foram escondidas nela. Essa nova personalidade foi condenada a sofrer o que aquele jovem não suportava por toda a eternidade, e com o tempo essa personalidade foi se tornando cada vez mais asquerosa, maliciosa, vingativa e cruel. O jovem voltou a sua vida normal, como se nunca houvesse conhecido seus amigos. Mas isso apenas iniciou um ciclo, o garoto voltava a procurar passatempos, entrava no mundo de IP, conhecia amigos e perdia-os.

–Acho que sinto um pouco de pena desse garoto. -Afirmou Kurokawa abaixando sua cabeça.

A figura sentada na cadeira não pode segurar sua gargalhada:
–Então você sente pena desse jovem? -Disse o jovem de negro levantando-se de sua cadeira. -Você sente pena dele?

O ser de negro gargalhou intensamente por algum tempo, depois de recuperar seu fôlego ele sentou-se novamente em sua cadeira:

–Conhecendo amigos e esquecendo-os, essas memórias foram cravadas na outra personalidade daquele jovem. Essa personalidade juntou ódio e poder enquanto esperava por uma chance de fugir de sua prisão. Não demorou muito para essa chance acontecer. O jovem havia conhecido companheiros fortes e dessa vez a relação deles era mais forte do que nunca, logo o choque de perde-los também seria mais forte do que nunca. -A figura da cadeira fez uma pausa e ficou alguns segundos com uma cara pensativa. -Dessa vez, apenas um amigo do jovem morreu mas esse era o amigo com quem ele guardava a relação mais próxima. O garoto entrou em pânico e foi nesse momento que aquela personalidade obscura surgiu.

–Senhor, essa história tem um final ruim? -Perguntou Kurokawa receoso.

–Todas as histórias tem finais ruins, o que importa é o ponto de vista. -Respondeu a figura baixando o livro. -Espere e você descobrirá se é ruim ou não.

O jovem de negro levantou seu livro e prosseguiu com a leitura:
–A personalidade sombria disse coisas terríveis para o garoto e atormentou-o de todas as formas possíveis mas algo inesperado aconteceu. Ele não esqueceu de seus amigos, porque dessa vez eles eram importantes demais para serem esquecidos. Mas não foi tão simples assim, o garoto quase foi morto por uma maldição chamada "bons sonhos" (N/A: Ler capítulo 39). A maldição fez com que o garoto sonhasse com a época mais feliz da sua vida e tentou prende-lo ali para todo o sempre!

–Senhor, porque você não me explique melhor sobre esse mundo de IP? -Perguntou Kurokawa.

–Não me chame de senhor! Temos a mesma idade! -Respondeu a figura de forma estressada. -E explicar sobre o mundo de IP não é relevante.

Já incomodado com essas pausas, a criatura voltou a ler:
–O jovem não foi cativado por aquela mentira e de alguma forma conseguiu voltar a realidade. Mas sua personalidade sombria apenas ficou mais furiosa com isso e num fraquejo do garoto, essa personalidade dominou seu corpo. A personalidade possuiu o corpo do garoto e com ele destruiu tudo e todos a sua volta. Mas numa das batalhas acabou por encontrar um inimigo realmente formidável, apesar de conseguir derrota-lo, o corpo dele sofreu danos severos.

–Isso quer dizer que ele morreu? -Interrompeu Kurokawa.

O narrador apenas ignorou a pergunta feita por Kurokawa e continuou lendo sua história:
–Apesar de seus ferimentos serem profundos, o garoto não morreu, mas sua sorte não havia sido tamanha. Os ferimentos em sua cabeça ocasionaram uma amnésia e agora ele vaga por esse mundo sem suas memórias.

–Só? -Perguntou Kurokawa perplexo. -Acabou assim?

A criatura de negro levantou-se e foi embora com seu livro em baixo de seu braço, instantes antes de ser consumido pela escuridão ele sussurrou:

–Claro que não...ainda continua...

No intervalo de tempo de uma piscada, tudo a sua volta voltou ao normal. Kurokawa levantou-se e prosseguiu sua busca pensando que aquilo não havia passado de um sonho.