Internato Limoeiro

Capítulo VII - Nem tão ruim


Diferente daqueles que iam para casa aos fins de semana, os alunos que ficavam no internato sentiam que as horas passavam mais devagar, principalmente após o almoço, momento que trazia uma sensação de preguiça.

Na biblioteca, Gabriela estava junto de Cascão e Milena revendo os conteúdos da aula de química. Enquanto as meninas pareciam focadas, o rapaz brincava com um lápis.

"E então eu coloco o número atômico do carbono e… Cascão! 'Tá prestando atenção?" a loira falava até ver que o rapaz sequer estava na página certa.

"Ah, meninas, hoje é sábado! Não é dia de falar dessa parada aí que não vai completar em nada na minha vida." Cascão falou com a cabeça apoiada na mão.

"Aí que você se engana! É muito importante saber disso pra…" a de cabelos curtos falava até o rapaz soltar um resmungo alto.

"Esquece um pouco disso e se diverte. Vocês duas nunca relaxam, perceberam? É foco demais em aula, em jogo, nota…" Cascão enumerava nos dedos.

"Por que será, hein? Somos bolsistas, o que cobram de todo mundo, cobram o dobro da gente." Milena lembrou.

"É, mas se vocês nunca ficarem de boa nem no fim de semana... 'cês vão surtar." o rapaz alertou.

"E o que você sugere?" Gabriela perguntou cruzando os braços.

Cascão sorriu para ela com a sobrancelha erguida e a loira olhou surpresa enquanto a morena ria.

"Já vi que sobrei. Vocês dois vão ficar aqui ou vão pro quarto do Cas?" Milena perguntou.

"Milena!" Gabriela exclamou sentindo o rosto esquentar.

"Não tinha pensado em ir pro meu quarto, mas seria uma boa. Hoje eu ‘tô lá sozinho e tenho um jogo lá que você vai adorar, Gabizinha!" ele disse com um sorriso.

A loira estava corada e olhou para a amiga, que tinha um sorriso malicioso.

"Mas… nem dá pra eu ir pra lá! Os inspetores vão barrar." lembrou.

"A não ser que um certo alguém nos dê cobertura enquanto entramos lá." Cascão disse mudando seu olhar para Milena, que assentiu.

"Posso ajudar! Em fim de semana não tem muito inspetor, e eles sabem que os alunos preferem ficar no celular." concordou enquanto fechava sua apostila.

Gabriela até tentou manter a expressão calma, mas não evitou um sorriso bobo de nervosismo por ir até o dormitório do ficante.

“Então tá. A gente vai e, assim que chegarmos no quarto, a gente te envia uma mensagem pra dizer que chegamos sem sermos pegos.” ela disse e a amiga assentiu.

Os três foram até o prédio verde e, de fato, não tinham inspetores por ali e nem alunos, a maioria estava espalhada pelo internato. Assim que os dois subiram a rampa, Milena ficou um tempinho escorada na parede que tinha ali esperando a amiga avisar quando chegasse ao quarto. Enquanto estava ali, sentiu ser observada e, quando olhou para o lado, revirou os olhos.

"O que foi? Nunca me viu?" questionou com um tom de voz sério.

"Distraída? Nunca! Mas que ficou linda sem estar focada em alguma coisa… ficou demais." o rapaz falou enquanto se aproximava dela.

"Ai, Felipe, vai dar em cima das suas peguetes, vai." Milena falou abanando com a mão e o loiro sorriu.

"Ciúmes?" Felipe perguntou de frente para ela, que revirou os olhos.

"Não viaja, garoto." respondeu de braços cruzados.

O loiro se espreguiçou enquanto se aproximava mais da moça.

"Tá esperando alguém?" perguntou apontando para trás com o polegar.

"Não, 'tô só dando cobertura pra um casal." a moça respondeu.

"Eu posso te fazer companhia." Felipe sugeriu piscando um olho enquanto esboçava um sorriso provocante.

A moça engoliu em seco.

"N-não precisa, Felipe." falou hesitante.

"Eu faço questão, e outra… faz tempo que não ficamos sozinhos… só nós dois." ele disse e ela forçou um sorriso, se a amiga não enviasse alguma mensagem, era muito provável que cedesse aos encantos de Felipe que, ela querendo ou não, ainda mexia muito consigo.

X

Enquanto isso, no dormitório 220A, a moça se sentia tão frustrada com Cascão que até esqueceu de enviar mensagem à amiga. Não sabia ao certo, ou não queria assumir que sabia, o que esperar do convite, mas quando chegou lá, sentiu-se desanimar quando viu que, de fato, era para um jogo que havia sido convidada.

"Esse jogo é do Cebola, a gente já jogou umas vezes essa semana e até no ano passado, já que a gente já dividia o quarto." ele disse enquanto abria um tabuleiro.

Gabriela olhou entediada.

"Você joga com o Cebola?" perguntou escorada na cômoda.

"Sim, o cara não é chato o tempo todo." Cascão respondeu.

"Eu duvido." ela comentou e o moreno riu.

"Você é do mesmo dormitório que a Penha, né? Alguma vez tentou falar com ela?" ele perguntou e a loira riu.

"A Penha é uma péssima pessoa, Cascão, não dá pra falar com ela. Talvez o Cebola só não enche seu saco porque você é você." a moça pontuou.

Cascão deu de ombros.

"Sei lá, vai ver o grupo deles nem é tão ruim assim como a gente pensa." comentou.

A moça soltou um riso irônico.

"Fale por você mesmo! Ano passado eu fiquei com dois caras do time e fui chamada de rodada o ano todo, fora que naquele jornal ridículo saiu que eu era inteligente demais pra quem veio de escola pública, diziam que eu subornava professor, Cascão! Eu não passo horas estudando e fico aqui aos fins de semana pra ouvir isso!" Gabriela lembrou gesticulando com as mãos.

"Eu pensei que você não ia embora por causa do…" ele falava até ela interromper.

"Também. Mas estudo é o outro motivo. Enfim… não sei se quero jogar, não, Cas." ela disse enquanto se aproximava dele.

O rapaz olhou para ela.

"E quer fazer o quê? O jogo é legal." ele disse e a moça suspirou, esquecia que às vezes Cascão era bem lento.

"Não sei, estamos só nós dois aqui…" ela falou com um sorriso sugestivo.

Cascão olhou confuso antes de entender o duplo sentido que seu convite havia trazido. O rapaz esboçou um sorriso tímido e já ia falar algo quando ouviu batidas na porta.

"Vejamos quem está nesse quarto hoje...Cássio! Vim limpar o quarto, Cássio, está aí?" a voz do zelador soou e os dois arregalaram os olhos.

"Eu… ér… 'tô trocando de roupa. Já abro pro senhor. O que a gente faz? Ele vai achar que 'tava rolando outra coisa aqui!" ele respondeu e logo sussurrou para a moça.

Gabriela estava digitando algo em seu celular.

"Tinha esquecido de mandar mensagem pra Mi, ela deve estar por lá ainda." ela sussurrou.

"Vai logo, garoto! Não tenho o dia todo!" o zelador exclamou batendo na porta.

"Já 'tô indo, calma!" Cascão exclamou sem se mover.

O zelador parecia impaciente pelos resmungos que soltava até, do nada, gritar.

"Ei, vocês dois! Se separem! Beijos são proibidos e meninas nem são permitidas aqui!" a voz dele soou enquanto parecia se afastar da porta.

"Corre, Mi!" a voz de Felipe soou e os dois morenos se entreolharam surpresos, mas logo Cascão abriu a porta e a loira saiu se escondendo no primeiro quarto com a porta aberta que achou.

x

A moça olhava pela fresta da porta para a direção em que o zelador se encontrava e parecia zangado enquanto limpava a testa com um paninho.

"Molecada abusada!" o homem exclamou.

A loira estava prestes a sair quando ouviu passos e uma voz masculina atrás de si.

"Oi, Gabriela.” cumprimentou fazendo com que ela desse um pulo de susto e se segurasse para não gritar.

Assim que olhou para trás amedrontada e viu ser Jeremias, respirou aliviada.

"Jeremias! Quer me matar do coração? Que susto, menino!" ela exclamou baixo e ele riu.

"Foi mal. O quarto do Cascão é o outro." o rapaz apontou para o lado.

"Eu sei, acabei de sair de lá. Quer dizer, n-não é nada disso que você 'tá pensando, e-eu 'tava…" ela dizia já desesperada ao fim e ele riu mais.

"Calma! Eu nem disse nada. O zelador 'tá por aí, quer ajuda pra sair daqui?" o moreno perguntou e ela abriu um sorriso.

"Quero!" aceitou e os dois saíram do quarto, ela bem atrás dele.

Assim que chegaram ao início da rampa, ela sorriu para o rapaz.

"Valeu, Jerê! Agora vou atrás da Milena que talvez quer comer meu rim." ela disse saindo rapidamente e o novato riu.

X

Como Jeremias já estava de saída quando deu de cara com Gabriela, caminhou rumo à área verde como já pretendia. Quando chegou lá, sentou-se em um banco com sombra e não ficou muito tempo sozinho já que logo alguém se sentou ao seu lado. Era Sofia.

"Oi, Jeremias!" ela cumprimentou.

"Sofia! Não sabia que ficava aqui aos fins de semana." ele disse.

"Sim, prefiro ficar por aqui." a moça falou.

"Então você gosta do IL? Raridade." o rapaz comentou.

Sofia tombou com a cabeça para os lados.

"Até que sim. Nem tudo aqui é ruim. E você? Preferiu ficar também?" perguntou curiosa.

"Nem tanto, eu preferia estar na fazenda dos meus avós. Mas é longe, eles acharam que seria melhor eu voltar só em feriados mesmo." ele respondeu.

"Seus pais também moram nessa fazenda?" ela perguntou.

"Não, eles 'tão em… na verdade, eu não sei onde eles 'tão no momento." Jeremias respondeu enquanto parecia pensativo.

Sofia sorriu constrangida.

"Desculpe, não queria entrar em um assunto delicado." desculpou-se e o rapaz riu.

"Ah, não. Meus pais não me abandonaram, se foi isso que você imaginou. Eles são jornalistas que seguem o estilo 'ativistas', então dificilmente estão por aqui. Eles acharam que seria melhor eu terminar meus estudos sem mudanças repentinas, então fui pra casa dos meus avós, mas a escola de lá era péssima e ficar vindo todo dia pra cidade seria muito cansativo, então vim parar no IL." o rapaz explicou.

A morena assentiu.

"Acho que seria cansativo mesmo." concordou.

"E você? Como veio parar aqui?" ele perguntou.

A de cabelos curtos o encarou antes de se ajeitar no banco.

"Não costumo falar isso pra muita gente, mas você é um cara legal. Eu vim pra cá depois de ser expulsa da minha antiga escola por dar um soco na boca de um menino." respondeu e o rapaz arregalou os olhos.

"Sério? E por que você deu um soco na boca do cara?" ele perguntou.

Sofia olhou para o céu azul e apertou os olhos levemente pela claridade.

"Eu sempre fui gorda, mas até o começo da minha adolescência eu não me incomodava com isso. Mas parece que incomodava os outros…" ela começou.

"Esse menino era um desses. Ele vivia fazendo piadinhas e eu ignorava, mas um dia ele começou a fazer piadinhas sobre o tamanho das minhas… ér… roupas de baixo. Eu me senti tão humilhada que…" ela continuava com o rosto avermelhado pela raiva das lembranças.

"Que eu não pensei muito, só agi. Quando me dei conta, a boca dele 'tava sangrando, um monte de gente gritava e minha mão fechada ‘tava tremendo e cheia de sangue. Meus pais foram chamados na hora e nem tive uma segunda chance, fui expulsa de cara. Até recomendaram aqui." continuou.

"Meus pais disseram que seria melhor eu ficar por aqui direto, mas porque seria bom pra mim em vários aspectos. E, no fundo, até que é. Hoje em dia é." concluiu forçando um sorriso.

"O cara mereceu. Mas como assim só hoje em dia? Há quanto tempo você estuda aqui?" Jeremias perguntou ainda surpreso com o relato.

“Três anos, entrei quando ainda tinha ensino fundamental. E na época eu também sofri bullying aqui, mas diferente de antes… eu tive ajuda de uma pessoa: a Penha." Sofia respondeu com um sorriso.

O rapaz abriu a boca surpreso.

"Penha? Aquela que fala com sotaque de francês? Sério?!" ele questionou e Sofia assentia com um riso.

"Sim, ela também era novata. Ela tem um jeito diferente de xingar alguém, é como se ela tivesse um olhar que… sei lá, que passa uma ideia de desprezo. Ela xingou as pessoas que faziam bullying comigo com esse jeito dela e disse que eu não devia deixar ninguém falar assim comigo, principalmente por eu poder me defender." a moça lembrou.

"Aquilo me atingiu e começamos a andar juntas e todo mundo meio que tinha medo de mim porque eu me impus. Com isso, o bullying acabou e o grupo que tinha o Toni, Cebola, Denise e Carmem, que saiu do internato, nos chamou pra andar com eles, mas na época eles não eram tão influentes assim." continuou.

"Eles começaram a fazer os trotes e provocações e o povo meio que começou a ter um pouco de medo de ser alvo, mas também queriam ser como eles. E chegamos aonde estamos hoje." concluiu.

Jeremias levantou uma sobrancelha.

"Ou seja, o grupo só é forte por sua causa." ele disse e ela deu de ombros.

"Não sei. Mas nós cuidamos um do outro." a moça disse.

O rapaz negou.

"Não acho. Me desculpe, mas não acredito que vocês cuidam uns dos outros. Cebola e Toni te tratam mal; a Penha eu nunca prestei muita atenção; e a Denise…duvido que ela saiba tratar alguém bem." ele disse.

"Você tem uma ideia muito equivocada da Denise, Jeremias." Sofia comentou.

"Ela mesma causa isso. Ela fez uma matéria sobre a Ramona e sobre a Mônica que claramente fez mal a elas, e ela nem conhecia as duas!" o rapaz exclamou.

Sofia suspirou enquanto mordia o lábio inferior.

"Eu não gosto de falar da vida alheia, mas a Denise…" ela falava até ser interrompida por uma voz masculina chamando Jeremias.

"Jeremias, amigão! Demorei pra te achar! Vamos jogar futebol!" era Timóteo e outros rapazes.

"Eu 'tava conversando com a Sofia, Titi." Jeremias disse e todos encararam a moça.

"Não se preocupe, eu já 'tava de saída." ela disse se levantando e saindo.

O moreno simplesmente foi puxado pelos demais, que pareciam animados.

"Responde uma coisa, mano, ela 'tava fazendo bullying com você?" um dos atletas perguntou.

"Não, ela não faz bullying comigo." o novato respondeu e os demais vaiaram maliciosos.

"Então ela 'tá a fim de você. No seu lugar, eu já dava um chega pra lá nela. Vai queimar tua imagem, parça, tem um monte de gatinha querendo ficar com você." Titi comentou e o outro revirou os olhos.

*

Um tempo depois, na biblioteca, Do Contra se espreguiçou enquanto bocejava, havia ficado praticamente o dia todo lá lendo vários livros. Porém, estava entediado, então, decidiu andar pelo internato. O fato de o rapaz não ter muitos amigos fazia o lugar ficar mais insuportável do que já era, mas ainda achava melhor do que ir para casa e ouvir diversas coisas irrelevantes para si.

Ao chegar no refeitório, decidiu se sentar em uma mesa para comer o lanche da tarde e observar os demais alunos e, por acaso, ouviu uma conversa entre Gabriela e Milena, que estavam na mesa ao lado.

"Quase fui beijada na boca pelo merdinha do Felipe e tive que correr em uma rampa, correndo o risco de levar uma vassourada do zelador, pro Cascão te enganar? Sacanagem!" Milena comentou após dar um gole em seu suco.

"Ele não me enganou, foi sincero até demais. E… eu sei lá, miga, foi meio frustrante saber que ele queria realmente jogar." Gabriela disse brincando com o restante de suco em seu copo.

"O jogo pelo menos era bom?" a outra perguntou.

"Nem chegamos a jogar e, sinceramente, quem chama a namorada pro seu dormitório dizendo que vai jogar e realmente era isso?" a loira questionou incrédula.

Milena riu. E até mesmo Do Contra, que imaginou a cena.

"Gabi, você realmente queria transar com ele? Assim, do nada?" ela perguntou e a outra engasgou.

"Não, transar não. Mas… sei lá, uns beijinhos não seriam tão ruins assim." respondeu e a amiga riu.

"Sei… mas eu não sabia que vocês estavam namorando." a morena comentou.

A de cabelos curtos deu de ombros.

"Ah… a gente 'tá ficando desde as férias, eu acho que já posso considerar, né?" ela disse.

"Não sei. O que acha, Do Contra?" a voz de Milena soou e o rapaz olhou surpreso.

"O quê?" ele questionou envergonhado e as duas riram.

"Acha mesmo que não percebemos você prestando atenção na conversa? Vem cá, junte-se a nós. Se a Ramona que é toda tímida te acha legal, você deve ser legal mesmo." Gabriela disse fazendo um gesto para que ele se aproximar.

Do Contra pensou duas vezes em aceitar o convite, mas estava tão entediado que decidiu ceder e foi até elas. Era estranho se sentar com mais duas pessoas.

"E ai? Acha que ela já deveria considerar namoro? Eu acho que não." Milena disse enquanto terminava seu suco.

"Ah, eu não sei. Depende de como vocês se relacionam, né?" o rapaz respondeu ainda sem graça.

A loira sorriu para ele.

"É a primeira vez que vejo você falando com alguém, real. Mas então eu não posso considerar? 'Tô contando com seu olhar masculino." ela disse.

"Eu não sei, você precisa ver isso com ele." Do Contra afirmou.

"Concordo. E ai, Do Contra? O que fazia sozinho por aí?" Milena perguntou.

"Gosto de ficar sozinho." respondeu.

"Gosta ou se acostumou?" a de cabelos curtos perguntou.

"Gosto." reafirmou.

"E tem motivo?" a morena perguntou.

O rapaz deu de ombros.

"Não, simplesmente gosto. Assim como quem gosta de ficar acompanhado simplesmente gosta." respondeu.

"Argumento sólido." Gabriela disse.

A mesa ficou silenciosa de repente. Mas logo foi quebrado por Milena, que sorriu enquanto acenava.

"Ramona!" exclamou e os outros dois olharam.

"Oi!" Ramona apareceu com sua mochila nas costas.

"Ué? Já sentiu falta do IL?" Do Contra perguntou surpreso.

"Meu pai ia pro aeroporto e minha mãe 'tá preparando as coisas da lua de mel dela, então preferi voltar. Assim já acostumo a passar meus fins de semana aqui." a ruiva respondeu.

"Então vai se juntar ao grupo daqueles que ficam aqui direto?" Gabriela perguntou.

"Acredito que sim." Ramona respondeu.

"Eu diria bem-vinda, mas é meio triste se formos ver. Hoje, por exemplo, ‘tá bem entediante." o rapaz comentou.

Gabriela estralou os dedos.

"Não se colocarmos um esporte no meio! Vamos jogar vôlei!" sugeriu animada.

"Eu não sei jogar vôlei." Ramona revelou.

"Eu também não." o moreno disse.

A loira sorriu abertamente.

"Vai ser um prazer ensinar! Não aceitamos não como resposta." disse abraçando a amiga de cabelos longos e negros.

"Nem vôlei eu jogo e caí na contagem, percebem?" Milena comentou risonha.

A loira levantou em um pulo.

"Vou lá obrigar os meninos a me ajudarem com a rede e jogarem com a gente! E vocês dois vão jogar!" ela disse e apontou o dedo para Ramona e DC.

Os dois se entreolharam com um sorriso.

"Acho que não temos escolha." ele disse.

"Não mesmo. Vem me ajudar!" a loira disse puxando o rapaz, que nem teve tempo de rejeitar.

"Vamos lá, Ramona, tenho que pegar umas coisas no quarto." a morena disse levantando e as duas começaram a andar.

"Eu realmente não sei jogar vôlei, vou acabar passando vergonha lá." Ramona disse preocupada.

"Relaxa, eu também não sei. E muitos dos meninos que 'tão lá também não." a outra revelou.

As duas continuavam o caminho quando uma cabeleira loira se aproximou delas enquanto corria com uma bombinha usada para encher as bolas.

"Mimi! Gabi Falou que você vai jogar vôlei com a gente, quero ver você arrasando, gatinha!" o rapaz disse antes de mandar um beijo e seguir seu caminho.

"Menino bobo." a cacheada disse enquanto ria.

Ramona lançou um sorriso que surpreendeu Milena.

"E esse sorriso safado aí? Ramona, Ramona!" ela disse e a ruiva riu.

"É seu crush?" ela perguntou.

"Não, esse é o Felipe, que eu ficava ano passado. Ele ainda aparece pra me paquerar." Milena respondeu.

"E funciona?" a ruiva perguntou e a outra suspirou enquanto assentia.

"Eu ainda gosto dele, mas 'tô tentando superar. O cara fica todo dia com uma menina diferente, isso é muito… doloroso." a veterana confessou e a outra assentiu.

"Imagino. Você já disse pra ele que te incomoda?" Ramona perguntou.

"Nunca tive coragem suficiente, mas quem sabe um dia?" ela disse e as duas chegaram no quarto.

Assim que Ramona guardou suas coisas e já ia sair com a cacheada que pegou seu apito e cartões vermelho e amarelo, olharam para Sofia, que estava deitada em sua cama com uma feição entediada enquanto desenhava coisas sem nexo. As duas se entreolharam e Ramona assentiu.

"Ér… Sofia?!" Milena chamou e ela olhou.

"Quê?" respondeu.

"A gente 'tá indo jogar vôlei com o pessoal. Quer jogar também?" convidou.

Os olhos de Sofia se iluminaram e um sorriso brotou em seus lábios.

"Quero! Quer dizer… pode ser." ela disse animada e depois tentou se conter.

"Então vamos lá! Já aviso que quem deu a ideia foi Gabriela, então as coisas podem ficar sérias." a de cabelos compridos falou.

"Por mim tudo bem!" Sofia falou sem conseguir esconder a alegria por ter sido chamada para jogar.

*

Na quadra, vários jovens jogavam de um jeito que fugia de todas as regras. Porém, todos, inclusive aqueles que nunca participavam, pareciam se divertir com aquilo.

Em uma troca de jogadores, Cascão foi para a arquibancada descansar um pouco assim como Jeremias e Do Contra.

"Véi, que jogo doido é esse?" ele perguntou e o outro riu.

"Se você que é capitão de time 'tá perdido, imagina eu." o novato disse.

"De futebol! São coisas bem diferentes. Falando nisso, tu precisa melhorar suas jogadas, irmão." Cascão alertou.

"Confesso que eu 'tava meio enferrujado." Jeremias revelou.

"Sei como é. Ah, e Gabi me disse que você ajudou ela mais cedo, valeu!" o outro agradeceu.

"Ah, não foi nada. 'Cê tá voando, hein!" ele comentou subindo e descendo as sobrancelhas e Cascão riu envergonhado.

"Ah, nem 'tô. Eu tinha chamado ela pra jogar." revelou.

"Essa é bem velha." o novato comentou.

"Agora eu sei que ela pensou do mesmo jeito que você, porque eu realmente tinha chamado ela pra jogar, ela que sugeriu outra coisa." Cascão falou e o outro sorriu.

"Então você é um cara de sorte." ele disse dando um soquinho no ombro do capitão do time de futebol.

"Nem tanto, porque, tipo assim… eu gosto bastante dela, ela beija bem pra caralho, é linda, mas…" o veterano falava e o outro fez uma careta.

"Ixi…" esboçou e o outro riu.

Do Contra, que até então apenas ouvia, ficou estático lembrando do que a loira havia dito sobre o relacionamento dos dois.

"Percebe a merda que eu me meti? E o foda é que a gente 'tá ficando faz tempo, mas não rola uma coisa séria entre a gente e eu não quero usar a mina." Cascão confessou.

"Fala pra ela então." Jeremias sugeriu.

"Aí ela não olha mais na minha cara. E a gente convive, né?" o outro lembrou.

"Vai ficar com ela sem vontade? Por puro comodismo?" o outro veterano se manifestou.

"Não é bem comodismo, é só… sei lá. Não sei como dar o fora nela sem magoar, entende?" Cascão explicou.

"Tu precisa se decidir, Cascão. Gabriela é uma mina legal." Jeremias disse.

Cascão bufou.

"Eu sei, por isso não sei o que fazer." ele disse.

"Cascão. Volta pro campo, fi!" Titi chamou e o rapaz voltou.

Do Contra olhou para Jeremias, ironicamente não havia visto seu colega de quarto o dia todo.

"Jeremias, o Toni ainda te incomoda?" perguntou sem rodeios.

Jeremias o encarou surpreso.

"Nossa, isso do nada. Mas não. Desde que entrei pro time, ele parou de me encher. Do grupinho deles só a Denise que ainda ‘tá nessa." ele respondeu.

"Ah, é que… eu não ia falar porque eu prometi que não falaria, mas o Xavier não 'tá com a mesma sorte." o de cabelos lisos disse mais baixo.

"O que o Toni fez agora?" o outro perguntou.

"Quinta eu cheguei no quarto e vi o Toni batendo no Xavier." Do Contra revelou.

"Sério? E o que a coordenação fez?" o novato perguntou.

"Ele não quis falar e isso faz sentido já que o Toni é bem influente aqui e, 'cê sabe, sobraria pro Xavier. Eu quis te contar porque não acho certo ele sofrer sozinho." o outro respondeu.

"Não, não, você agiu bem, Xaveco 'tá sendo vítima. Se for preciso, eu ajudo ele também." o de cabelos crespos falou.

"Jeremias, salva a gente! 'Tamo' perdendo!" Cascão chamou e ele foi assim que uma pessoa saiu.

Essa pessoa foi Ramona, que praticamente se jogou ao lado de Do Contra com um sorriso.

"Eu 'tô morta!" exclamou.

"E sorrindo? Que morte alegre, hein?" o rapaz brincou e ela riu.

"Ah, você também ‘tá se divertindo." ela falou e ele assentiu.

"Confesso que 'tá sendo legal. Nunca imaginei que me divertiria com algum esporte que não fosse xadrez." o moreno confessou.

"Acho que não é nem o esporte… talvez seja a animação de todo mundo." ela comentou observando os colegas na quadra.

Os dois ficaram em um silêncio, algo que não os incomodou.

"Achei legal ver você falando com Milena e Gabriela." a ruiva quebrou o silêncio.

O rapaz riu um tanto constrangido.

"Elas me pegaram no flagra enquanto eu ouvia a conversa interessante delas, mas até que foram legais. São bem animadas." comentou.

"Capitãs de time. Precisavam ser mesmo." ela disse.

Do Contra olhou para Ramona.

"Preparada para viver seus fins de semana no mais verdadeiro tédio?" ele perguntou.

Ramona riu.

"Não faz muito tempo que cheguei e me senti bem menos entediada que em casa. Acho que isso é ter amigos, né? Se sentir… animada." a moça falou e ele assentiu enquanto se ajeitava no banco, também estava menos entediado desde que ela apareceu, coincidentemente ou não.

"Concordo com você." ele disse.

A moça se virou para ele.

"Ér… tenho uma pergunta... Se você quiser responder, é claro." ela disse.

"Pode falar." o rapaz aceitou.

"De verdade, por que te chamam de Do Contra?" ela perguntou.

Do Contra riu.

"É exatamente o que parece, gosto de ir contra algumas coisas." respondeu.

"Mas não te incomoda? Não acho que você seja tão… contrário como o apelido faz parecer." a moça questionou.

O rapaz riu novamente enquanto apoiava as mãos no banco.

"Não me incomoda, eu acho até divertido. E outra, eles me chamam de Do Contra porque não sou ‘normal’, mas o que é ser normal? Julgar alguém sem conhecer? Ignorar o bullying porque alguém é filho de alguém? Nunca pensar além? Se isso é ser normal, não sei se quero ser assim." o rapaz respondeu simples.

Ramona o encarou pensativa e ele olhou para ela.

"Todo mundo sempre me olha assim quando respondo alguma coisa do tipo. E, geralmente, em questão de dias, ou horas, a gente nunca mais conversa." ele disse tentando esconder que aquilo não o alegrava.

A ruiva riu.

"É aí que 'tá, Do Contra. Como a Denise disse no jornal, geralmente as pessoas que vem estudar no IL não vêm com a intenção de interagir. E eu vim. Será que eu estou dentro desse ‘geralmente’ que você disse?" ela falou e o rapaz, pela primeira vez, abriu um sorriso largo e involuntário, mas não disse nada. Apenas ficou ali na companhia de sua amiga.

*

De volta à quadra, Sofia vivenciava uma sensação que há muito tempo não sentia em meio a risos das piadas e provocações de todos. O fato de ninguém demonstrar medo dela a fazia sorrir mais.

"Vai, Sofia! Acerta sem dó!" Gabriela gritou.

"Ei, Gabi. 'Tá competitiva demais, não acha, não?" Felipe comentou.

"Não!" ela exclamou acertando a bola no rapaz que quase caiu para trás.

"Caralho, Gabriela Cassandra! Isso não é queima, não!" Cascão comentou enquanto ria do loiro.

"Ops." falou enquanto sorria para Milena, que negava com a cabeça, havia sido um tipo de revanche por o rapaz ter tentado beijar a amiga sem ela pedir.

“Depois o futebol que é violento!” Cascão comentou.

O céu não demorou a ganhar tons mais escuros que fez com que os jovens abandonassem a já que os inspetores aparecerem alegando que era hora de o jogo acabar. No fim das contas, muitos tinham que admitir: alguns fins de semana no internato não eram tão ruins assim.