Era uma manhã ensolarada de primavera no Reino de Marley, onde os camponeses colhiam os frutos de suas vegetações, os burgueses vendiam suas mercadorias e os lordes passeavam de um lado para o outro.

No meio das moradias à vitoriana, andando pela estrada de pedra, uma carruagem preta com dois ocupantes seguia ao seu destino. Ninguém andando pelo reino prestava atenção nesse automóvel de rodas de madeira, pois era insignificante demais em comparação aos preços de frutas ou a beleza das roupas de alta costura.

Os dois ocupantes estavam olhando entediados para a paisagem afora da janela semi-aberta pelas cortinas. Estavam sentados um de frente para o outro, tentando ignorar a presença do outro. Não era como se odiassem, mas preferiam não se olhar na cara.

O primeiro ocupante era um homem esguio de trinta e pouco anos que escondia o próprio rosto com a sombra de seu chapéu marrom. O segundo ocupante era um garoto de doze anos que usava uma farda preta igual dos Cavaleiros Reais de Marley. Os seus nomes eram Kenny Ackerman e Levi Ackerman, respectivamente.

— Você vai ficar de guarda-costas da criança chamada por Eren Jeager. - falou Kenny. A sua voz era grave e rouca, mas alta o suficiente para escutá-lo - Ele mora numa mansão no campo com uns empregados eldianos selecionados pelo Rei. A Rainha não sabe sobre a sua existência, assim como o resto dos marleyanos.

Levi continuou observando a paisagem afora sem falar nada. A carruagem seguia além da cidade, entrando numa parte do campo. Kenny estalou a língua num "tsc" e fechou as cortinas da janela, o que fez o garoto de olhos azuis cinzentos lançar um olhar fulminante para o seu tio.

— Não entenda mal, garoto. - falou Kenny, cruzando os braços. Os seus olhos da mesma cor azul do garoto transmitiam frieza - Ninguém deve saber onde é essa mansão, nem mesmo você.

— Como é que vou entrar em contato com você se acontecer alguma coisa? Sem saber onde eu estou? - questionou Levi. Apesar de ainda ser uma criança, ele tinha o mesmo tom maduro de um adulto - Vai enviar um pombo-correio ou o quê? Um cachorro com uma mensagem na boca?

Kenny ficou em silêncio por alguns segundos, ajeitando o chapéu em sua cabeça.

— Não é uma má ide... - ponderou.

— Kenny, não. - interrompeu Levi rapidamente.

O homem soltou uma risadinha seca.

— Não se preocupe com isso, criança. - falou ele com leveza - De vez em quando vou pedir para um dos meus dois irmãos ir até lá quando eu não puder. Você vai precisar apenas passar um relatório escrito numa folha.

Levi baixou um pouco os seus ombros. Desde que entrou no treinamento do Clã Ackerman, o garoto não conseguiu ver a sua mãe. Ter a oportunidade de se encontrar com ela de novo o deixou mais relaxado.

Kenny aproximou-se de Levi, apoiando os braços nas próprias coxas. A expressão do homem era séria.

— A sua missão atual é manter Eren Yeager seguro. - falou num tom sombrio - Se tiver que torturar alguém, torture. Se tiver que prender alguém, prenda. Se tiver que sumir com alguém, suma. Se tiver que matar alguém, mate.

Levi engoliu em seco, tentando disfarçar a sua inquietação. Ele se lembrava do teste final de seu treinamento e não era uma lembrança agradável para se recordar.

— Não importa o que você for fazer desde que mantenha o garoto em segurança. - continuou Kenny no mesmo tom - Tirando as pessoas que trabalham na mansão, ninguém mais sabe que ele é um príncipe e, por isso, é chamado por "jovem mestre", então evite ao máximo chamá-lo pelo seu verdadeiro título porque nem a própria criança sabe que é um príncipe. Entendeu?

— Sim. - respondeu Levi como estivesse obedecendo uma ordem mesmo a contragosto

Kenny voltou a se encostar no encosto do banco, cruzando os braços ao peito. Ele não havia mais nada a dizer e Levi entendeu isso, então ficou em silêncio.

*

— Acorde. - falou a voz rouca familiar - Já chegamos.

Levi abriu os olhos no mesmo instante em que a porta da carruagem foi aperta pelo cocheiro, mas teve que fechá-los novamente por causa dos raios solares do final da tarde. Kenny saiu primeiro, ignorando a mão oferecida do cocheiro, que deu de ombros e baixou a mão educadamente. O garoto de olhos azuis cinzentos saiu logo em seguida, tomando cuidado para não cair por causa das leves tonturas que tornavam a sua cabeça pesada.

A mansão logo à frente era alta e larga igual de um nobre europeu da Era Vitoriana. Chamava a atenção pelo enorme jardim cheio de flores lilases e árvores frutíferas em volta além da entrada ornamentada da moradia.

Levi ficou olhando ao seu redor. Não sabia em que parte do Reino Marley estava e não conseguiu calcular direito a distância entre a cidade até o campo, pois dormira sem perceber durante o caminho. Apenas lembrava que era ainda de manhã quando saíram, mas agora era final da tarde.

"Kenny deve ter botado alguma droga forte no meu chá", pensou o garoto, esfregando os olhos com as costas das mãos. Ainda se sentia sonolento e um pouco tonto, o que era uma sensação estranha para ele. Durante o treinamento, ele teve que experimentar algumas drogas, venenos e álcool como provas de resistência. Descobriu-se que possuía uma alta tolerância nas três coisas, tendo poucas reações adversas.

Kenny conversou um pouco com o cocheiro antes da carruagem ir embora. Levi olhou a carruagem até sumir de sua vista. Voltou a sua atenção para a mansão, pensando no próximo passo que deveria dar.

Levi andou em direção da porta e parou em frente dela. Quando estava prestes a bater, a porta foi aberta violentamente e atingiu o rosto do garoto, que caiu sentado no chão. Uma empregada e um empregado, ambos quase da mesma idade que o garoto de olhos azuis cinzentos, apareceram com expressões de desespero no rosto enquanto gritavam:

— Jovem mestre! Apareça, por favor!

Os dois correram em direção dos jardins. Um homem, provavelmente o mordomo, apareceu e olhou para Levi, que esfregava o nariz que foi machucado pela porta.

— Você é...? - falou o mordomo numa voz grave - Levi Ackerman, certo?

Levi lançou um olhar mal-humorado para ele, que não se incomodou.

— Sou o moedmo dessa mansão e trabalho para o Sr.Fritz. - apresentou-se o mordomo - Sou Keith Shadis, mas pode me chamar apenas de Shadis, se preferir.

Keith cruzou os braços, exibindo uma expressão de desgosto. Levi deduziu que ele não fosse tão velho como aparentava. Ele era careca com uma pele ligeiramente bronzeada e rugas marcadas na testa. Também possuía olheiras em torno de seus olhos que o faziam parecer um homem assustador junto de sua altura alta.

A intuição de Levi dizia que esse homem era muito mais do que aparentava.

— Peço perdão por esses dois idiotas. - falou o mordomo - Sasha e Connie são duas crianças de dez anos e novatas como empregados. Estou treinando esses dois o melhor possível, mas parece que as minhas instruções entram por um ouvido e sai por outro.

Levi falou nada. Levantou-se, ajeitando a sua farda. Keith o encarou seriamente.

— Você não tem língua, não, garoto? - falou ele com certo desdém - Vai ficar calado o tempo inteiro?

— E eu sou obrigado a falar? - rebateu Levi, sem pensar.

Keith bateu uma mão na cara, esfregando os olhos castanhos com os dedos enquanto resmungava algo como "puta que pariu, outra criança problemática".

— Você é o novo guarda-costas do Eren Yeager. - Levi assentiu - Não foi uma pergunta, criança. - falou Keith duramente - Ouça bem o que eu vou falar. Você não deve de jeito nenhum ceder aos caprichos de Eren igual aqueles dois idiotas. Eren sabe ser um manipulador. Connie e Sasha caíram direitinho nas palavras do menino. Agora... - o mordomo suspirou - Bem, você já viu o resultado.

"Ótimo...", falou Levi para si mesmo, mal-humorado. "Essa missão vai ser o Inferno".

— O que aconteceu para o Eren sumir? - perguntou Levi, tentando focar na missão.

— Mais uma de suas desobediências. - respondeu Keith com desgosto - Eren começou a reclamar e fazer o maior drama porque não queria mais estudar matemática para a prova que o instrutor dele vai passar e nem ficar na biblioteca, então Connie e Sasha se sensibilizaram e encerraram os estudos por hoje. No momento em que deram às costas, ele já estava correndo. O seu plano teria dado totalmente certo se ele não tivesse esbarrado numa pilha de livros em cima da mesa, o que chamou a atenção dos dois idiotas. Depois disso, os outros empregados da mansão começaram a correr atrás do Eren.

"Eu nem sei dizer qual é o lado mais imbecil nessa história", pensou Levi, resistindo a vontade de falar em voz alta.

— Então, ele desapareceu de algum jeito. - concluiu ele, murmurando - Quantos anos tem o Eren?

— Oito anos. - respondeu Keith.

Levi franziu a testa, indignado. Keith revirou os olhos.

Eu sei. — resmungou o mordomo - Como diabos cinco adultos e três crianças não conseguiram pegar o ser mais novo que habita nessa casa? Não me pergunte e nem quero saber também.

Levi concordou internamente. Nem ele queria saber a resposta.

— Eu sei que você está cansado, pois está com uma cara mais morta que viva - comento Keith -, mas poderia nos ajudar a encontrar o Eren? Se essa criança inventar de ir mais além do campo será um desastre.

— Irei encontrar Eren Yeager. - garantiu Levi - O meu trabalho é ficar de olho nele. Não vou permitir que vá para longe.

Um canto da boca do mordomo ergueu sutilmente.

— O meu palpite e dos outros empregados é que ele esteja ao redor da maior árvore nesse lugar. - informou Keith. A sua voz estava menos bruta - Eren gosta de subir ou ficar deitado nessa árvore. É só seguir pela minha esquerda que vai acabar encontrando. Venha comigo.

Keith foi na frente e Levi o seguiu. Os jardins eram simples, mas muito floridos. Era possível identificar várias flores de infinitas cores, mas apenas um tipo e uma cor se destacavam mais que as outras flores. Levi não sabia qual era essa flor, mas ela tinha uma cor misteriosa; um lilás azulado e brilhante. Quase perguntou para o mordomo que flor era aquela, mas foi interrompido com a voz da jovem empregada.

Sasha tinha o seu cabelo castanho avermelhado todo desarrumado do rabo-de-cavalo e os seus grandes olhos amarelos estavam fixos para as folhas num tom verde vivo de uma árvore enorme. O seu longo vestido preto de empregada estava sujo de terra assim como o avental branco. A garota era dois anos mais nova que Levi, porém chegava a ter a mesma altura do garoto.

Ela virou-se para o mordomo. Um largo sorriso iluminou o rosto da empregada.

— Shadis! - estremeceu, como tivesse se lembrando de algo desagradável. O seu sorriso se tornou ansioso - S-Senhor Shadis! E-Encontrei o jovem mestre! Está lá!

Apontou um dedo para o meio das folhas. Levi se aproximou. Os seus olhos azuis cinzentos foram diretos para um garoto de oito anos.

Eren Yeager estava sentado num galho da árvore enquanto balançava as pernas no ar. Os seus olhos verdes como o mar emitiam um brilho de superioridade ao encarar Levi, Keith e Sasha, como se fosse um verdadeiro príncipe e soubesse o seu lugar.

— Eren! - chamou Keith. O garoto o encarou - Desça já dessa árvore!

O tom de ordem do mordomo pareceu não surtir efeito na criança, que apenas mostrou a língua.

— Não vou, seu careca! - retrucou Eren.

— Sou careca e sei muito bem disso! - Keith não pareceu nenhum pouco abalado, mas o olhar de Sasha era de pena - Você vai descer dessa árvore e cumprimentar educadamente o seu mais novo guarda-costas!

Eren olhou para Levi, que se manteve calado.

— Eu não pedi um baixinho magricela como guarda-costas!

Sasha se engasgou. Keith endureceu a expressão.

"Mas também é um mimado", Levi acrescentou em sua descrição mental sobre Eren. Ele colocou a mão na bainha da espada. Como se tornou um Cavaleiro Real, Levi estava permitido a usar um cinto com uma espada afiada feita de prata. "Eu não sei o porquê estou ficando irritado... Apenas acho que seria uma boa ideia fatiar esse garoto".

Keith colocou uma mão no braço do Levi, olhando o garoto de forma intimidadora.

— Não perca a sua calma. - sussurrou o mordomo - É assim que tudo começa.

Levi entendeu. Eren conseguia esgotar a paciência dos outros, que acabavam por fazer tudo o que o príncipe queria.

— Quantos anos você tem?

Levi demorou uns segundos para entender que Eren fez a pergunta para ele.

— Doze. - respondeu o Ackerman.

— Entendi... - falou Eren com uma curiosidade ingênua. Então, abriu um sorriso inocente - Por que você é tão baixinho?

— J-Jovem mestre! - gaguejou Sasha numa voz aguda - Perguntar sobre o nanismo dos outros não é educado!

Keith deu um cascudo na cabeça da garota, que grunhiu.

— Olha só quem fala! - o mordomo voltou a olhar para o príncipe - Eren, demonstre o mínimo de respeito com Levi Ackerman! A falta de altura nele não é relevante!

Levi não se sentia humilhado. Já estava acostumado a escutar comentários sobre a sua altura durante o treinamento do Clã Ackerman. Por ser da Família Principal, ele tinha uma reputação a manter e foi o que conseguiu mesmo com a sua altura abaixo da média, pois o garoto era forte e esperto para vencer todas as provas.

Porém, ele se sentira irritado quando Eren o chamou de "baixinho magricela". Não entendeu o motivo de imediato, mas, depois de algum tempo, encontraria a resposta.

Levi deu um passo a frente, chamando a atenção do mordomo, da emprega e do príncipe que continuava sentado num galho da árvore.

— Eren Yeager. - falou Levi num tom indiferente, mas a sua voz era calma e suave - Como seu guarda-costas, eu não posso deixá-lo correr quaisquer riscos. Por gentileza, desça.

Eren soltou um risinho.

— Você fala de uma maneira estranha. - comentou debochando.

— Desça. - repetiu Levi.

Eren desmanchou o sorriso e parou de balançar as pernas ao vento. O seu olhar se tornou frio.

— Não quero.

— Desça. - repetiu Levi novamente - Agora.

Eren jogou os braços para cima e balançou as pernas em protesto.

— Eu não quero! - gritou o garoto de olhos verdes - Eu quero ficar aqui! Ninguém vai me ti...

Sasha colocou as mãos na boca. Keith arregalou os olhos e soltou um palavrão. Eren se desequilibrou e soltou um gritou ao cair de frente do galho da árvore, porém não foi ao chão porque Levi o segurou por debaixo dos braços.

Esclarecendo o desequilíbrio: Levi havia chutado o tronco da árvore porque perdera a paciência ao lidar verbalmente com o jovem príncipe.

— Eu não gosto de repetir, então escute e lembre bem do que vou falar. - falou Levi ainda indiferente, mas a sua voz se tornou firme - Eu não vou fazer o que você quiser. Eu não sou o seu mordomo e muito menos o seu empregado. Sou o seu guarda-costas, ou seja, você deve fazer o que eu mandar para o seu próprio bem. Deu para entender, jovem mestre?

Depois que falou essas palavras, o garoto de olhos azuis cinzentos percebeu a maneira grosseira ao se dirigir diante de um príncipe e se preparou para receber uma enxurrada de reclamações, mas acabou por ser o contrário. Eren apenas o encarava com os olhos verdes arregalados enquanto exibia perplexidade em sua face delicada.

— Está bem.

Levi soltou Eren lentamente, impressionado consigo mesmo. Não imaginava que conseguiria fazer uma criança concordar com o que dissesse, ainda mais um príncipe difícil como Eren se mostrou ser.

Ao que parecia, não era só o garoto Ackerman que estava impressionado. Sasha e Keith olhavam para ele com descrença. Estavam se perguntando como ele conseguira fazer que Eren reconhecesse o seu lugar.

Falando no jovem príncipe, Eren continuava a encarar Levi, mas havia apenas uma curiosidade inocente em seus grandes olhos verdes, como se o outro fosse uma criatura interessante que gostaria muito de conhecer.

Levi teve um mau pressentimento sobre isso.