P.O.V Vi

Acordei sentindo a maior dor da minha vida. Minhas costas pareciam que ia explodir a qualquer momento, como se fossem pressionadas por serras e assadas em brasa. Eu não conseguia sentir nenhuma parte do meu corpo que não fossem minhas costas. Meus olhos se recusaram a abrir, e senti minha consciência começar a se perder novamente. Eu não pude fazer nada que não fosse apagar de novo.

Despertei pela segunda vez ainda com uma forte letargia, o máximo que eu conseguia mover eram meus olhos. Agora meu braço também doía feito o tártaro, e mesmo sem vê-lo, dava para perceber que ele estava, na melhor das hipóteses, deslocado. Tentei olhar ao redor, mas a única coisa que eu conseguia ver era escuridão. Não passou muito tempo e desmaiei de novo.

Na terceira vez, eu já conseguia sentir minha cauda, mas não conseguia movê-la. Minha cabeça já se movia um pouco, mas não havia nada a ser visto. Minha cabeça doía um pouco também, e eu mataria por um pouco de água. Minhas pupilas começaram ficar pesadas novamente, mas tentei ficar desperto o máximo possível, com medo de acordar com ainda mais dores.

Foi somente na quarta acordada que eu consegui sentir meu corpo todo. Senti sangue seco na minha bochecha, nas minhas mãos e nas minhas costas. Eu não conseguia raciocinar direito em meio a tanta dor, e as laterais da minha visão pareciam estar roxas. Tentei, em vão, me levantar, mas minhas costas estalaram e eu finalmente me toquei que elas estavam quebradas. O tempo parecia se arrastar, enquanto todos os músculos do meu corpo se recusavam a se mexer, e em dado momento, apenas desmaiei novamente.

Mesmo estando amenizada, a dor ainda era presente quando acordei pela quinta vez. Eu já conseguia levantar levemente a cabeça, e minha cauda parecia dar pequenos sinais de vida. Mesmo no escuro, já era possível ver os estragos da queda. Eu tinha quase certeza que meu braço esquerdo não deveria estar parecendo uma onda, e haviam ralados enormes em meus antebraços.

Meu braço direito tinha algumas escamas penduradas, e minhas costelas estavam um pouco cortadas. Eu estava completamente destruído. Tudo no meu corpo doía, eu não conseguia me mexer direito e os outros já deviam estar a quilômetros de distância de mim. Eu só queria fechar os olhos e nunca mais abri-los, se isso fizesse a dor parar. E assim, dormi pela sexta vez.

Um membro de cada vez, com minhas costas dando pontadas de dor a cada movimento, tentei me levantar. Meu corpo mal parecia aguentar meu próprio peso, e mesmo apoiado na parede, caí ao tentar dar um passo. Praticamente desabei no chão, sentindo uma dor enorme em todos os nervos do meu corpo, para logo depois desmaiar novamente.

Eu já havia perdido as contas de quantas vezes eu me levantei e caí, e estava quase desistindo de tudo. Mas por algum motivo eu continuei. Talvez por ego, talvez por bússola moral, eu não sabia. Eu caía e caía, mas sempre voltava, mesmo que a dor fosse insuportável. Senti a maior vitória da minha vida quando consegui andar por mais de trinta centímetros sem cair.

Apoiado na parede, eu parecia um morto-vivo me arrastando, mas lentamente, eu conseguia ir pra frente. Embora eu estivesse odiando meus “dons” mais cedo, eu agora estava grato de tê-los, já que eu conseguia farejar a direção que o resto do grupo foi, e também facilitou para que eu evitasse corredores sem fundo.

Meu desafio apareceu quando cheguei em um lugar que lembrava um pântano. Mesmo com paredes de pedra, o lugar era muito bonito, com insetos fluorescentes no teto e uma grama verde, onde se podiam ver os rastros do grupo.

Os rastros eram relativamente recentes, então eu não estava tão para trás quanto imaginei, o que era bom. Sem as paredes, era muito difícil me equilibrar na minha cauda, e quase caí múltiplas vezes. Meu lábios deviam estar cortados de tanto que eu os mordi para aliviar a dor, e eu ansiava por um pedaço de ambrosia.

Algumas criaturas verdes me encararam enquanto eu passava, mas eu estava muito cansado e com muita dor para sequer dar atenção. A cada centímetro que eu me movia, o mundo parecia rodar mais lentamente, e o lugar parecia se estender até o infinito.

Depois dos longos minutos que se passaram, com cada músculo do meu corpo implorando para que eu parasse, o lugar foi lentamente transicionando para outro. As paredes começaram a ficar metálicas, e o chão foi substituído por madeira. Em um lugar do anfiteatro estava uma bandagem velha recém tirada, indício de que eu estava indo na direção certa.

“Nick! Maggie”, gritei, com o último de minhas forças, mas obviamente não houve resposta. Por mais que os degraus nos cantos do lugar fossem tentadores de se deitar, continuei em frente, disposto a alcançá-los, ou morrer no caminho.

O lugar mudou novamente, agora com paredes de pinho e um chão de lajes vermelhas. Tochas abandonadas ficavam nas paredes, e o cheiro dos outros estava bem mais perto do que antes. Continuei indo para frente, ignorando novamente as minhas costas, que pareciam que iam explodir em 15 pedaços. Minha visão ofuscava, mas eu não desmaiaria de novo, não agora que eu estava tão perto do meu objetivo. Me forcei para frente, e com minha audição aumentada, consegui ouvir vozes.

Foi nesse momento que eu percebi que eu já andava havia horas, já que minhas dores tiraram completamente qualquer tipo de noção de tempo, e que minha recusa a descansar acabou me deixando cada vez mais perto deles.

Acelerei o passo, mesmo que isso aumentasse a dor, e fui indo de parte em parte em direção à elas. Notei que as vozes ficavam cada vez mais perto, e deduzi que eles deveriam estar parados. Uma das lajes estava quebrada e cortou de leve a minha cauda. Berrei de dor, o que causou as vozes a cessarem.

A última coisa que eu queria era que eles pensassem que eu fosse algum monstro do lugar, então berrei o nome deles novamente, no que resultou em passos rápidos em minha direção. Eve, Nick e Maggie apareceram correndo no corredor, com armas em mão, mas as abaixaram ao me ver.

Meu corpo desistiu de mim assim que eles chegaram mais perto, e desabei no chão. Tentei manter meus olhos abertos enquanto Eve se agachava, tentando aproveitar a visão do rosto dele o máximo possível. Se eu morresse agora, a última coisa que eu veria seriam os olhos dele, o que pra mim não seria tão ruim.

Mas eu não estava morrendo, não ainda. Ou eu poderia estar, eu não sabia. Eve enfiou um pedaço de ambrosia na minha boca, e as dores melhoraram instantaneamente. O gosto de framboesa era revigorante, e eu tentei formular a palavra “água” enquanto mastigava. Eu estava quase completamente desidratado, e minha garganta ardia.

Eve abriu sua garrafinha e despejou um pouco do líquido em minha boca, deixando um alívio enorme na região. Ainda agachado, ele me deu mais um pedaço de ambrosia, que comi vorazmente. O gosto de framboesa e o rosto de Eve foram as últimas coisas que vi antes de fechar os olhos, e dormi com um pequeno sorriso no rosto.