P.O.V Flower

O tempo parecia ter diminuído à uma velocidade de câmera lenta enquanto os ciclopes corriam em nossa direção. Havia uma completa bagunça no Acampamento: itens em cima de itens estavam jogados um em cima do outro, uma completa coleção de mesas, cadeiras, bancos, camas e uma multitude de outras coisas. Escudos gigantescos estavam presos na parte de fora da montanha de tralhas, e atrás da barreira havia uma linha de Campistas com lanças longas atravessando a barreira. Eu estava junto com Yara e um Campista que eu não conhecia em cima do teto de uma das múltiplas barracas do Campo de treino, e vários outros arqueiros estavam espalhados entre as outras barracas.Haviam também alguns filhos de Hefesto com engenhocas como lançadores de redes e enormes bestas. Quase todos sabiam que nossa barreira não duraria muito tempo, então a maioria dos Campistas com lanças eram veteranos, e mais da metade eram filhos de Ares, que sabiam muito bem qual seria seu destino.

Um pouco atrás deles havia os guerreiros de corpo-à-corpo, organizados de forma que compensasse a nossa minoria de combatentes, cortesia dos filhos de Atena. Para o nosso azar, os ciclopes sabiam que a sua formação em círculo era facilmente derrubada, então eles haviam se juntando em um grupo só, que foi onde construímos a barreira. Eles até poderiam tentar dar a volta, mas além de eles não serem exatamente as criaturas mais inteligentes do mundo, os filhos de Hermes e Hefesto haviam infestado os flancos de armadilhas, então não seria uma boa idéia da parte dos ciclopes de chegar perto delas. Atrás dos lutadores de corpo-a-corpo estavam os enfermeiros e Campistas jovens que ainda tinham pouca habilidade em combate, em algumas tendas improvisadas já que a enfermaria ficava perto de onde a batalha ocorreria.

Chacoalhei minha cabeça, e as coisas pareceram voltar à velocidade normal em literalmente um piscar de olhos, com os passos pesados dos ciclopes fazendo um barulho extremamente alto. Meu arco estava puxado ao máximo, pronto para acertar o primeiro ciclope que chegasse no alcance, e minhas mãos tremiam um pouco por ter segurado a corda por muito tempo. “Fogo!”, ouvi Yara berrar, e imediatamente soltei a corda do arco, vendo a flecha dourada cortar o ar com uma centena de outros projéteis e se cravar no peito de um dos ciclopes. Os resultados foram melhores do que eu esperava: pelo menos 20 dos projéteis acertaram o alvo, e pelo menos doze ciclopes caíram mortos no chão. Eu e os outros arqueiros preparamos outra saraivada, quase em uníssono, pegando uma flecha da aljava e a colocando no arco em um movimento fluído.

Eu mal havia soltado a segunda flecha quando o Campista que estava do meu lado teve uma flecha do tamanho de uma pequena lança cravada no peito. Ele caiu no chão abaixo da barraca cuspindo sangue, e apertei meus olhos um pouco para poder ver que alguns ciclopes ainda estavam escondidos na floresta, usando arcos de alta tração, que tinham um alcance bem acima do nosso. “Se agachem!”, gritei, logo depois deitando no telhado, fazendo com que minha barriga ficasse apoiada na inclinação das telhas. Deviam haver uns 10 ciclopes escondidos entre as árvores, e usavam seus enormes braços para puxarem as flechas dos pesadíssimos arcos que eles seguravam.

Tentei não focar nos ciclopes na distância, e sim nos que gradativamente diminuíam a distância entre eles e a barreira improvisada, saindo rapidamente da minha cobertura do telhado e atirando uma flecha, mirando por puro instinto. Me agachei o mais rápido possível, podendo ver uma flecha passar voando no local onde eu estava apenas um segundo atrás. Olhei rapidamente para trás, vendo as centenas de Campistas se preparando para o combate iminente. Alguns faziam preces, outros davam pulinhos para aumentar a adrenalina, e alguns até sentavam meditando, mas o que todos tinham em comum era o medo palpável no ar. Por mais que passássemos por experiências de combate e mitologia quase diariamente, ainda éramos apenas crianças comparados aos ciclopes: os mais velhos tinham no máximo 23 anos, e havíamos alguns guerreiros de apenas 13 ou 14 anos.

Pela distância dos ciclopes, só teríamos tempo para mais uma saraivada de flechas, então sinalizei com Yara para que fizéssemos ela valer a pena. Ela sinalizou para os arqueiros ao nosso lado, com uma flecha passando a milímetros de sua cabeça, e todos nós saímos de nosso esconderijo em um movimento quase único, conseguindo acertar aproximadamente 35 ciclopes. Dois arqueiros levaram flechadas no rosto, logo caindo mortos no chão, e outros três levaram flechadas em lugares incapacitantes, como braços e coxas, tendo que ficar abaixados para o resto da luta. Alguns enfermeiros corriam agachados para tentar ajudar os Campistas incapacitados enquanto alguns filhos de Hefesto prendiam caixas de flechas nas paredes das barracas onde estávamos.

Eu não cheguei a ver o exato momento em que os ciclopes colidiram com a barreira, mas o som feito pelo ato disse tudo que eu precisava saber, parecia o som de um bife cru sendo batido por um violino desafinado: forte, carnal e dolorido para os ouvidos. Gritos de criaturas mitológicas e não-mitológicas preencheram o ar, e o som de lâminas penetrando carne era grotesco. Me levantei e dei outro tiro, tendo um rápido vislumbre da cena abaixo no mínimo segundo que eu pude olhar a cena: ciclopes praticamente subiam uns em cima dos outros, tentando passar pela inexpressiva parede com lanças. Vi com o canto de olho dois arqueiros serem acertados, e aproveitei a chance para atirar novamente, vendo a pilha de músculos e olhos dos ciclopes estar ainda maior. Eles pareciam completamente ignorar os companheiros, e eu estremeci só de pensar como devia ser a sensação de estar em baixo de todo aquele peso em um espaço tão apertado, o que me lembrou das várias vezes em que meu pai me trancou dentro dos minúsculos armários em casa.

Yara se levantou rapidamente ao meu lado, e em um piscar de olhos, uma das gigantes flechas dos ciclopes estava cravada em seu ombro, vagamente o atravessando. A segurei para que ela não caísse chão abaixo, e delicadamente tirei a aljava de suas costas, para que eu pudesse ter mais flechas. Tentei dar outro tiro, e uma flecha passou de raspão na minha bochecha, deixando um corte médio. Eu pude ver uma figura brilhosa se mexer atrás dos ciclopes arqueiros, provavelmente uma ninfa ou criatura da floresta. Aproximadamente meio minuto depois, quando decidi tentar minha sorte novamente, vi que os ciclopes arqueiros estavam caídos no chão, quase completamente imóveis, e supus que havia sido obra das criaturas de antes.

Aproveitei a oportunidade para ajudar Yara a descer com os paramédicos, e também para atirar mais e mais flechas na montanha de ciclopes. Por mais que eu e o restante dos arqueiros atirássemos flecha atrás de flecha, a montanha de ciclopes só aumentava, e em poucos segundos eles poderiam infiltrar as nossas defesas. Tentei o meu máximo para evitar os avanços das criaturas caolhas, mas eles pareciam ser forças incontroláveis da natureza, não parando por nada, não tendo nenhum limite para o que fariam para entrar no Acampamento.

Uma sensação de tontura começou a dominar meu corpo, e ao olhar para baixo eu vi que o corte na minha bochecha era pior do que eu imaginava: meu braço direito estava coberto de sangue espalhado, e minha visão começou a ficar embaçada. Tentei atirar mais flechas, mas a força do meu braço pareceu desaparecer, e eu só pude ver um ciclope pular acima da nossa barreira antes de cair chão abaixo, fechando meus olhos antes mesmo de tocar o chão.