—Início do Ato II-

P.O.V Maggie

Acordei com minha prótese fazendo barulhos estranhos, algo que já não era tão incomum ultimamente. Eu não sabia do porquê, mas quase toda noite ela fazia um som parecido com a mistura de engrenagens enferrujadas com aço derretendo. Eu já fiz vários checkups nela e ela estava impecável tanto no exterior, quanto no interior.

Olhei para o relógio mecânico na parede da Cabana 9, e percebi que ainda eram 4 da manhã. Sabendo que eu não conseguiria voltar a dormir, então decidi sair para andar pelo Acampamento.

Como sempre, eu havia dormido com as roupas da ferraria, então nem me dei ao trabalho de trocar de roupa. Pensei em colocar meus sapatos, mas como eu quase nunca os usava, decidi ficar descalça, e saí da Cabana, sentindo o ar frio da noite. A lua estava cheia, então não foi muito difícil ver no escuro.

Por um segundo, hesitei em continuar, com medo de não ser permitido que um Campista ficasse vagando pelo Acampamento à noite. Tirei o pensamento da cabeça e falei para mim mesma que, mesmo que nunca tivessem dito que era permitido, Quíron e o Sr.D nunca disseram que não era permitido.

Enquanto eu andava um pouco sem rumo pela planície, sentindo a grama molhada em meus pés e o cheiro agradável de morangos, vi que a luz da ferraria estava acesa. Alguém poderia simplesmente ter esquecido de desligar a luz, mas ultimamente menos e menos gente ia até a lá, então achei a possibilidade improvável.

Caminhei em direção à luz, e quando estava quase abrindo a porta, minha prótese fez um barulho quase ensurdecedor de tão alto. Caí de joelhos no chão, cobrindo meus ouvidos, tentando abafar o som agoniante que saía da máquina. Ouvi passos vindo rapidamente em direção à porta, e por algum instinto, ao invés de ver quem vinha, corri em direção à floresta. A medida que eu me afastava, o som da prótese ia ficando mais baixo, até ela voltar a ficar silenciosa.

Senti um pouco de sangue gotejar nos meus ouvidos e um chiado constante parecia se esgueirar nos meus tímpanos. A pessoa do lado de dentro abriu a porta, mas por a luz estar vindo de trás dela, não consegui ver seu rosto. A pessoa olhou para várias direções, confusa, e depois apagar a luz da ferraria, saindo com alguma coisa em mãos.

Minha prótese deveria ter acordado metade do Acampamento, então não ousei em deixar meu posto, escondido entre as árvores. Vi luzes de várias Cabanas se acendendo, mas por sorte, nenhum Campista pareceu sair. Lentamente, as luzes foram se apagando, terminando com a Cabana de Ares.

Eu estava prestes a me levantar, quando ouvi um farfalhar de folhas quase diretamente na minha frente. Prendi minha respiração, tentando fazer o mínimo de barulho possível. Logo após, uma silhueta apareceu na minha frente, e depois de um tempo, percebi que não era a mesma silhueta da ferraria.

Longos segundos se passaram, e senti meus pulmões quase explodindo, e a silhueta não se mexia. Meu rosto provavelmente deveria estar roxo, e finalmente a silhueta foi embora. Corri o mais silenciosamente possível para dentro da floresta, mas por estar no escuro, senti meu pé bater em uma pedra enorme.

Caí no chão, com uma dor muito forte, e mordi minha manga para não gritar. Ouvi passos vindo em minha direção, e na distância vi a mesma silhueta de antes. “Joder!”, pensei, não sabendo o que iria acontecer. Havia algo de familiar no formato da silhueta, e no seu jeito de andar, que era um pouco manco. Logo após, um odor muito familiar penetrou minhas narinas, o cheiro muito familiar de um perfume, e logo deduzi quem era a pessoa vindo em minha direção.

“Maggie? O que você tá fazendo aqui?”, ouvi Aurora dizer, confirmando minha dedução. Agradeci mentalmente aos Deuses por ter sido Aurora a ter me encontrado, e não alguma outra pessoa.

Ela me ajudou a levantar, e rapidamente expliquei para ela o que havia ocorrido nos últimos minutos. Fiquei surpresa pelo fato de ela não feito nenhuma pergunta, mas mesmo na luz fraca, consegui ver a preocupação nos olhos dela. “Você me deixou muito preocupada, sabia?! Primeiro, eu acordo com um barulho que parece o Tártaro na terra, depois vou para a sua Cabana e você não está lá!” ela disse, me abraçando.

Consegui ouvir ela tendo um choro leve, e logo depois ela complementou “e se os ciclopes tivessem te levado? E se alguma coisa ruim tivesse acontecido?”, quase derramando um rio no meu ombro. Ela rapidamente colocou as mãos em minhas bochechas, e antes mesmo que eu percebesse, ela estava me beijando.

Retribuí o beijo, que estava um pouco molhado pelas lágrimas dela, e senti o calor no estômago que sempre sinto quando nos beijamos. Mas dessa vez era um pouco diferente, ao invés de ser um beijo afetivo, era um beijo baseado na adrenalina, nas emoções “cruas” de preocupação uma da outra.

Mesmo assim, foi uma ótima sensação de alívio, de que aquilo era real, de que ela realmente estava lá. Depois de nos separarmos, andamos de mãos dadas até os chalés em “U”, onde falei para ela que eu conseguia achar minha Cabana sozinha.

Ela deu uma risada curta e disse “de mim, você não desgruda”, em um misto de ordem e afeto. Fomos até a ferraria, que agora estava vazia, e achamos um canto bom em uma parede. Peguei uma das toalhas de mesa sobressalentes, e a usei como cobertor.

Por estar em uma parede, pensei que fosse demorar para dormir, mas com o calor que eu e Aurora dividíamos, e com a simples presença dela ao meu lado, fechei os olhos e adormeci quase instantaneamente, perdida nos braços dela.

Acordei no dia seguinte com alguém chacoalhando meu ombro. Abri meus olhos lentamente, um pouco sonolenta, e me deparei de cara com Nick, me encarando com um sorriso brincalhão no rosto. “Buenos días, dorminhoca” ele disse. Olhei para o lado, e levei um susto ao não ver Aurora. Nick pareceu perceber minha preocupação e logo disse “relaxa, ela tá se arrumando na Cabana dela”, o que evaporou completamente minhas preocupações. “Tienes bom gosto, hein?” ele sussurrou, brincalhão.

Me levantei, e ele disse que Quíron estava chamando todo o Acampamento para um anúncio no refeitório, e que estava quase começando. Corri até a Cabana 9, e coloquei rapidamente uma camisa cinza e uma calça preta. Corri até o refeitório, esbarrando em alguns Campistas no caminho.

Havia uma multidão enorme lá, e a única pessoa que consegui encontrar na muvuca de corpos era Mevans, que estava afastado em uma mesa, vestido todo de preto. Me aproximei e vi que ele estava taciturno, olhando a multidão com um misto de raiva e tristeza. Me sentei na frente dele e ele se virou, querendo evitar conversa.

“Posso não ser exatamente ‘delicada’, mas posso ser uma ótima ouvinte. Desabafa logo, Mevans”, eu disse, direto ao ponto. Ele grunhiu alguma resposta, e se virou ainda mais, um pouco desafiador. “Meu colega, ficar com esse ressentimento não vai te levar a lugar nenhum, fala logo”, eu disse, insistente.

Ele ficou silencioso, e decidi deixar ele assim. Se ele não queria ajuda, ajuda ele não ia receber. Enquanto eu me afastava, vi Quíron se aproximar do centro do refeitório e todos os Campistas se sentaram nas mesas de suas Cabanas.

Quando a muvuca se dispersou, consegui achar Aurora com mais facilidade. Ela penteou os cabelos, deixando a cascata de cachos dourados dela caindo nos ombros e passou uma maquiagem bonita, mas não extravagante, o que a deixava ainda mais bonita. Ela estava com uma blusa cinza e preta e calças cinza, estando, pelo menos em minha opinião, muito bonita.

Perto dela estava Eve, com a camisa do Acampamento e uma calça jeans, o que era um pouco incomum dele. Os cabelos marrons dele estavam presos em um rabo de cavalo, o que era até um pouco cômico.

Virei meus olhos para a mesa de Ares, onde vi Nick, que agora vestia um short verde e uma camisa preta. Não encontrei Nard, e esperei que não estivesse em problemas. Vi Hanna na mesa de Atena, com o cabelo verde e marrom preso em tranças. Ela vestia um top azul de uma minissaia verde em cima de suas clássicas calças legging.

Ao lado dela estava Aylee, com uma saia cinza e camisa vermelha. Me sentei na Mesa 9, ao lado de Wes, um garoto que às vezes me ajudava na Ferraria. Ele era alto e tinha cabelos ruivos curtos, além de portar uma espada que apelidamos de “perfuratriz”.

Quíron começou a explicar os acontecimentos dos últimos dias e o plano de mandar os 6 Campistas para a missão do Everest. Não prestei muita atenção à explicação, ao invés disso, fiquei olhando a Mesa 10, observando o movimento dos cabelos de Aurora na brisa leve.

Voltei minha atenção para Quíron quando ele disse que ia chamar os Campistas selecionados, deixando um suspense no ar. “Avery McNamara!” ele chamou, e houve vários gritos de aprovação vindo da Mesa 5. Eve se levantou, confiante e foi na direção de Quíron. Quíron deu a ele uma mochila com alguns mantimentos e lhe disse algumas palavras de encorajamento, que sinceramente, não prestei atenção.

Depois de dar um tapinha nas costas de Eve, ele chamou o segundo nome, o nome de Nick. A Mesa 5 entrou em êxtase, e começou a comemorar loucamente, com exceção de Hayato, que ficou de cara fechada. O procedimento foi o mesmo que ele fez com Eve, e logo depois Quíron se virou novamente.

“Margarita Maria Dolores Garcia!” ele disse, e fui pega de surpresa. Me levantei devagar e andei em direção á ele, ainda com um pouco de vergonha. “Te conhecendo, você provavelmente vai destruir o Everest inteiro”, ele disse brincando. “Não me tente”, respondi sorrindo. Aurora foi chamada logo após, seguida de Aylee. Depois de dar palavras motivacionais a Aylee, ele se virou pela última vez.

Um silêncio levemente agoniante ficou no ar, junto com um pouco de suspense. “Michael Evans!” ele disse, e vários murmúrios preencheram o local. Mevans se levantou tremendo, e disse que Quíron devia estar enganado. Quíron dispensou o comentário e falou que ele podia vir pelas laterais, para não passar na multidão.

Mevans parecia uma tartaruga andando, e parecia ter passado uma eternidade até ele chegar perto de Quíron. Quíron sussurrou algumas palavras no ouvido de Mevans e depois fez o mesmo procedimento que fez com todos nós. “Vocês tem 2 horas para se prepararem e se despedirem, depois vocês vão para a missão”, ele disse, se virando. Vi Nard chegar correndo ofegante, provavelmente por ter corrido até aqui.

Ele trocou uma abraço e um aperto de mão com Nick, e eles ficaram se despedindo por algum tempo. Depois, vi Eve se aproximar dele, e também lhe dar um abraço. Nard então ficou de frente a Eve e segurou suas bochechas, logo depois o beijando rapidamente. “Eu até diria ‘pra dar sorte’, mas isso seria clichê, então vou só deixar por isso mesmo”, ele disse, um pouco vermelha.

“Você não usou amocinese nele de novo não, né?”, sussurrei para Aurora, que ainda estava do meu lado. “Não, isso é o Nard sendo o Nard mesmo”, ela respondeu, e tive uma leve vontade de rir. Voltei minha atenção aos dois, e vi que Eve ainda parecia estar um pouco surpreso. “Vou tentar voltar vivo para esses seus ‘lábios de mel’”, ele disse, sarcástico. “Estou contando com isso”, respondeu Nard, sorrindo.