Dulce`s POV

Abri os olhos com um pouco de dificuldade. Estava morrendo de sono. Desliguei o despertador que tocava insistente. Passei as mãos sobre a cama e a encontrei com o rosto virado para mim. Dormia tranquilamente e sustentava um leve sorriso nos lábios, talvez sonhando com algo. Sorri boba, como fazia todos os dias, sempre que olhava essa pequena que é a responsável por eu ainda estar de pé, firme e forte. Aproximei meus lábios de sua testa e ali depositei um leve beijo.

— Hey bebê, está na hora de levantar. – mexi em seu cabelo levemente bagunçado.

Ela resmungou e virou para o outro lado, me fazendo rir.

Ok, então vou falar pro papai que você preferiu ficar dormindo ao invés de ir vê-lo.

Ela se virou novamente para mim, abrindo os pequenos olhos verdes lentamente. Ela colocou a mão sobre o rosto, devido a claridade que a irritava.

— Mãe, to com sono. – ela falou com a voz manhosa e enrolando um pouco as palavras, devido à pequena idade – e ao sono.

— Awn que bebê manhosa da mamãe. – a peguei no colo e enchi-a de beijos. — Também to com sono meu amor, mas a gente tem que ir, senão perdemos o vôo.

— Mamãe, não quero ir. — ela fez bico.

— Por que não? A gente vai ver o papai.

— Porque ele não pode vir aqui? — ela ficou em pé na cama.

— Porque ele está trabalhando, você sabe disso. – ela fez uma careta.

E porque não moramos com ele? – suspirei ao ouvir a pergunta.

— Eu já te expliquei, Ju. – Ela era muito pequena para entender ainda e eu sempre tentava explicar de uma forma razoável, mas ela sempre insistia. — Vem, vamos tomar banho. – a peguei no colo e a levei até o banheiro da suíte, colocando-a sobre o gabinete.

— Desculpa mamãe. – olhei seus olhos verdes que tanto mexiam comigo e me traziam lembranças. – Ju deixou você chateada por causa da pergunta.

— Está tudo bem, bebê. – beijei sua bochecha e ela me abraçou.

— Estou com saudades do papai. – ela tinha um olhar triste, e isso doía demais em mim.

— Logo você irá vê-lo. – sorri, tentando animá-la.

~

Julia já estava quase dormindo novamente quando terminei seu banho. Enrolei-a em uma toalha felpuda, tentando protegê-la do frio que fazia naquela manhã. Levei-a em meus braços até seu quarto, aonde pude observar uma pequena bagunça em sua mala. Ela riu quando viu que eu havia percebido que ela tinha mexido na mala e eu balancei a cabeça negativamente.

Você não tem jeito né? – coloquei-a sobre a cama e fui em busca da roupa que eu já havia separado para ela viajar, mas não encontrei. – Onde está sua roupa, senhorita Julia? - ela riu, mas não respondeu. Olhei em volta e achei sua boneca de cabelos cor de fogo vestida com a roupa. – Como sua roupa veio parar na "María"?

— Não sei mãe. – ela ria.

— Ah, então ela pegou a roupa sozinha? Então por isso ela vai ficar de castigo aqui e não vai viajar com a gente. – a fitei séria.

— Não mamãe! — ela fez bico e eu ri, indo até ela e começando a vesti-la.

Ela era tudo pra mim. Tudo. Foi ela quem me deu forças após a separação. Por ela eu enfrentava tudo. Ela era a minha razão. Ela quem me fazia levantar todos os dias e deixar as dores de lado, continuar vivendo. Um sorriso era o suficiente para alegrar todo o meu dia.

Estou com frio mamãe. – ela me disse entrando debaixo do edredom com a toalha.

Vem aqui se enxugar e vestir sua roupa que melhora. – ela riu. – Vem. – tirei o edredom de cima dela e a peguei, colocando-a em pé sobre a cama. – Larga essa toalha molhada antes que pegue um resfriado. – ela obedeceu e eu peguei a fralda.

Mamãe, não quero fralda, já sou grande. — ela cruzou os braços nervosa e eu ri.

Mas filha, vamos viajar, não acha melhor colocar?

Não mama.

Ok. — deixei a fralda de lado.

Mamãe, porque não posso usar um desse? — ela segurou a alça do meu sutiã que estava a mostra devido a fina alça da blusa que eu vestia, enquanto eu a ajudava a colocar sua calcinha, e em seguida a pequena calça jeans.

Porque você é um bebê ainda. – eu ri e ela me encarou séria.

Não sou bebê.

É sim, minha bebê, a mais linda do mundo. – mordi de leve sua bochecha, a fazendo rir.

Mama? – ela me chamou enquanto eu colocava sua blusa rosa florida.

Sim? – sorri para ela.

Amo você. – ela se jogou em meus braços, abraçando meu pescoço.

Eu também amo você.

~

— Mamãe, cadê o papai? – ela estava em meu colo, olhando para todos os lados, procurando-o na multidão de pessoas que iam e vinham. Felizmente não havia nenhum repórter ali.

— Me procurando, pequena? – ouvi sua voz atrás de mim e como sempre, me arrepiei completamente. Só a voz dele fazia isso comigo. E nada havia mudado. Ela o viu antes de mim e logo abriu um sorriso. Eu virei lentamente, tentando me preparar para encarar aquele sorriso e aqueles olhos verdes que ainda mexiam tanto comigo.

— Papai! – ela estendeu os braços para ele, que a pegou no colo, abraçando-a fortemente. Olhei-o e não havia mudado muito desde a última vez que nos vemos. O cabelo estava um pouco mais curto, a barba feita. Estava lindo.

— Que saudades, pequena! – ele sorriu e olhou para mim um pouco sem graça. — Oi... Dulce.

— Oi Alfonso. – respondi e vi a mágoa em seus olhos por tê-lo chamado assim. Ele odiava ser chamado de Alfonso, e sabia que algo estava errado quando isso acontecia. Mas ali ele nem precisava se esforçar para descobrir o que estava acontecendo, ele sabia muito bem.

— Vamos? – ele se ofereceu para pegar minha mala, mas eu recuei. – O que foi?

— Ficarei em um hotel.

— Por quê? – ele me olhava confuso.

— Não acho apropriado ficar em seu apartamento. – respondi firme. Não conseguiria ficar no mesmo teto que ele, não depois de tudo. E ainda mais naquele apartamento.

— Que bobeira é essa agora Dulce? – ele estava visivelmente irritado.

— Sem contar que é sua semana com a Ju, não quero atrapalhar. – tentava encontrar maneiras de fugir dele. Eu não queria ficar longe da Ju, mas também não queria ficar perto dele. — E eu tenho que ver algumas coisas também. Terminar de resolver algumas questões do novo disco. Não vim apenas para passear, Alfonso.

— Você não vai atrapalhar nada Dulce. E eu quero que você vá. E a Ju também, não é? – ele falou com Ju, que observava atentamente a nossa conversa.

— Sim mamãe, vem com a gente. – ela fez bico.

Não sei por que Poncho... Alfonso insistia nisso. Estamos separados, desde quando a ex-mulher fica no apartamento do ex-marido, por mais que tenham filhos?

Dulce, não há necessidade de você ficar em um hotel. Você sabe que lá tem espaço de sobra. E aquele apartamento também é seu. — será que ele não entendia que isso era completamente errado e que eu não suportaria ficar naquele apartamento cheio de lembranças?

— Mamãe, não quero ir sem você. – Ela veio para o meu colo e me abraçou.

Como dizer não a ela? Como? Alfonso sabia como me convencer, sabia que eu não diria não a ela, até porque já seria difícil ficar longe daquele pedacinho de gente. Golpe baixo, muito baixo.

Ele me olhou. Percebeu que havia vencido.

~

— Papai, já estamos chegando? – ela estava sentada na frente, no apoio do banco, apesar das minhas advertências de que ela deveria ir atrás, por segurança.

— Sim. Está vendo aquele prédio ali? – ele apontou para o prédio mais alto que havia naqueles arredores.

— É ali? – ele afirmou e ela riu animada. — É muito alto!

Eu observava o trajeto. Quantas vezes havíamos feito esse caminho? Muitas. Los Angeles não mudou muito desde que voltei para o México.

Senti uma nostalgia enorme quando passamos em frente ao prédio. Se apenas de ver o prédio as lembranças já apareciam e me deixavam assim, imagina quando entrasse no apartamento?

Ele entrou na garagem e estacionou. Ele desceu do carro e abriu o porta-malas, tirando de lá as malas para em seguida abrir a porta do passageiro e me encarar sem entender nada.

Não vai descer? – Ju passou pelo meu colo e desceu do carro com a ajuda dele.

Sim. – respirei fundo. Bem fundo. Será que ele era tão insensível a ponto de não ver o quão difícil era aquilo para mim? Ficar perto dele, voltar a esse lugar.

Ju foi correndo para o elevador, tudo parecia novidade para ela. O lugar, pelo menos. Mesmo que não fosse.

Mamãe. – ela estendeu os braços para mim, que a peguei no colo, enquanto a porta do elevador se abria e Poncho entrava com as malas. – Mamãe, você já veio aqui?

Sim meu amor, você também. – sorri.

Não vim não! – ela me olhou confusa e eu ri, assentindo. – Não me lembro mamãe.

Mas claro que não se lembra. A última vez que estivestes aqui era apenas um bebê. – Poncho riu, me fazendo lembrar aquela dura partida. – Tinha um ano. – ele suspirou.

E porque a gente foi embora? – ela me olhou, esperando uma resposta. Odiava quando ela tocava nesses assuntos, não sabia como responder.

Encontrei o olhar de Poncho em mim, esperando também uma resposta. Enfim o elevador chegou ao 20º andar, a cobertura.

Depois falamos disso. – dei um beijo em sua testa e sai do elevador, entrando naquele apartamento que eu conhecia de cor e salteado, cada canto, cada detalhe.

Ele não se moveu. Esperou minha reação, sabia que poderia haver alguma. Mas me controlei, fiz todas as lágrimas que queriam cair ficarem quietas e voltarem para o lugar da onde vieram. Mas aquilo doía, e como doía. Coloquei Julia no chão e ela correu para a varanda perto da piscina, toda animada. Fui atrás dela, precisava respirar.

Mamãe, mamãe! — ela riu e se abaixou perto da borda da piscina. – Por que não temos uma dessa no nosso apartamento?

— A piscina enorme na casa da sua avó já não é o bastante?

— Mas eu queria lá em casa. — ela fez bico.

— Lá não dá bebê. – eu ri e me abaixei, a chamando para um abraço, que logo veio correndo até mim.

Tê-la ali comigo me fazia esquecer um pouco de tudo o que eu tinha que enfrentar.

— Ei pequena, venha ver seu quarto. — ele a chamou e ela olhou para mim. Eu apenas assenti com a cabeça sorrindo e ela foi correndo até ele.

Ele a pegou no colo rindo e foi em direção aos quartos. Eu fiquei ali. Não queria estragar aquele momento. Ele com certeza tinha feito alguma mudança no quarto e queria surpreende-la. Mas a mim ele já não surpreendia. Era sempre do mesmo jeito, agindo como se nada tivesse acontecido. Para ele talvez tivesse sido mesmo, nada. Para mim foi muito, demais, absurdamente demais. A gota d`água.

Uma fina lágrima teimava em descer quando ele se aproximou, cauteloso.

— Ela está te chamando para ver o quarto.

— Eu já vou. — falei com a voz meio embargada e limpei a lágrima.

Me levantei e respirei fundo. Me virei e andei até o corredor, passando por ele. Não pude deixar de observar que a porta de nosso antigo quarto estava fechada. O quarto de Ju ficava ao lado. Ele havia pintado as paredes com listras verticais em branco e rosa bebê. Já não havia mais um berço e sim uma pequena cama, com colchas de personagens femininos da Disney, como Ju adorava. Móveis brancos. Prateleiras com várias bonecas e brinquedos, alguns antigos, outros novos. Alguns pacotes de presentes ao lado da cama. E um tapete rosa, que Ju estava amando.

Mamãe! – ela deu um gritinho de alegria que me fez sorrir alegremente. Criança acha que tudo é novidade mesmo, é uma festa!

— Gostou bebê?

— Aham! – ela pulou em cima da cama rindo. Ele estava na porta, observando tudo com um sorriso nos lábios. — Pena que não ficaremos muito aqui mamãe. – ela me olhou triste e vi ele rindo.

— Quem sabe. – ele disse se aproximando.

O encarei sem entender. O que ele quis dizer com isso?