Não, eu não conseguia acreditar. Aquele cretino!

O meu “ateliê”, o meu “quartinho da bagunça” ou “quarto da inspiração”, ele estava lá ainda! Intacto (ou quase)!

Por que Alfonso não havia se desfeito de tudo aquilo ainda? Meus desenhos, minhas pinturas, meus cadernos, poemas, meu violão...

— Eu gosto de ficar aqui, me faz sentir mais perto de você.— ele disse sério, quando perguntei o porquê de tudo aquilo.

Eu passava tanto tempo ali... Tenho um assim no meu apartamento na Cidade do México também, mas várias coisas ficaram aqui quando fui embora.

Aqui eu desenhava, pintava, escrevia, fazia composições, pensava, chorava... era meu refúgio. Eu passei tanto tempo nesse lugar nos últimos meses em que estava com Alfonso. Trazia Julia comigo, ficávamos brincando, ela gargalhava, banguela, às vezes tombando no tapete enquanto começava a se equilibrar mais. Foi aqui que ela começou a engatinhar, enquanto eu escrevia em meu diário.

— Está tudo do jeito que deixou. Não mexi em nada. – ele riu.

Aham, até parece que eu acreditaria nele! Cretino! Provavelmente leu todos os meus poemas e pensamentos que não deveriam ser lidos.

Ju entrou no quarto e começou a mexer em algumas coisas.

Mamãe, você toca violão?— ela apontou pro violão e eu assenti. – Por que nunca vi você tocar?

— Porque faz tempo que não toco.— sorri triste.

— Toca agora, mamãe!— ela pulou animada.

— Agora não bebê, depois.

Peguei um caderno que estava sobre o pequeno sofá que ali se encontrava, aberto. Abri na ultima página escrita. A data era de um dia antes da minha partida. Estava angustiada, com medo. Nós já sofríamos de uma crise. Mal sabia eu que no outro dia seria o fim de tudo.

Poncho estava na porta ainda, observando. Ju foi até ele e estendeu os braços para que ele a pegasse.

Papai, to com fome. – ele a pegou no colo e ela começou a mexer no cabelo dele.

Vamos almoçar.— ele sorriu. – Onde quer ir?

MC Donals!— ela falou enrolado, nos arrancando uma risada. Ele me olhou, talvez esperando alguma resposta negativa de minha parte.

Ok então.— quando viu que eu não havia falado nada. – Chama a mamãe.— escutei ele sussurrar pra ela, que desceu do colo dele e veio correndo até mim.

Vem mamãe!— ela puxou minha mão, mas eu não me movi.

Podem ir, não estou com fome.— na verdade, eu não queria atrapalhar o momento pai e filha. Ele passou dois meses inteiros longe dela.

Qual é Dulce? Vem.— ele me chamou.

Não quero, Alfonso, obrigada.— sorri e ele suspirou, mais pelo nome do que pelo não.

Voltei a folhear meu caderno – ou diário. Ouvi ele se afastar com ela e suspirei. Peguei meu violão, um pouco empoeirado, e comecei a dedilhá-lo.

Comecei a tocar Te Daría Todo. Acompanhei a primeira estrofe mentalmente, mas não aguentei e tive que cantar.

Gustosa te daria mi amor la vida intera, gustosa aceptaria vivir y morir a tu lado.— cantei baixo, sentindo uma sensação maravilhosa percorrer toda a minha alma. Eu amava cantar, e não fazia isso há algum tempo.

A verdade é que depois do nascimento de Ju, eu “abandonei” os palcos (e a TV). Queria me dedicar a ela, queria estar com ela. Não teria coragem de deixar o meu bebê. Mas eu não conseguia viver sem a música, não mesmo. Minha volta já estava sendo planejada, agora que Julia havia completado 2 anos e eu já não poderia mais adiar. Vai ser difícil deixá-la, muito difícil. Sei que ela ficará com meus pais (e Poncho, e os pais dele, e as tias corujas), e que eu a verei entre algumas pausas da turnê, mas mesmo assim não me sinto bem com a idéia de viajar pelo mundo e ficar longe dela. Por que não a levo? Porque não é um ambiente adequado para uma criança e não quero que ela cresça assim. Minha vida será uma correria novamente: aviões, hotéis, shows, programas, aviões novamente, novos países, outros hotéis, mais shows. Não é rotina para um bebê e sei que tenho que me conformar, pois isso é o melhor para ela.

Talvez fosse até melhor Alfonso passar um tempo sozinho com ela, para criar um laço maior, já que as gravações da série que ele faz terminarão em no máximo dois meses, e ele voltará para o México, eu acho. Vai ser bom ele estar perto dela enquanto eu estiver ausente.

Continuei a cantar, aumentando um pouco o volume da voz. Estava me sentindo tão bem, apesar da música me lembrar dele. Mas não deixaria que ele estragasse o meu momento, ah não.

Quando a música acabou, eu fechei os olhos e sorri.

~

Chegamos!— ouvi a voz de Poncho e logo vi Julia correr até mim.

Mamãe!— ela pulou no meu colo. – O você ta fazendo?— ela olhou curiosa para o notebook que estava a minha frente.

Só olhando uns emails, pequena.— beijei sua bochecha e ela sorriu

Posso ver TV?— ela subiu no sofá.

Pede pro seu pai, ué.— eu ri e ele apareceu na sala, ligando a TV para ela.

Ele sentou no sofá e ela foi para o colo dele, encostando a cabeça em seu peito e olhando fixamente para a TV.

A campainha tocou e Poncho se levantou.

Alfonso Herrera?— ouvi uma voz rouca perguntar.

Senti uma sensação ruim percorrer todo o meu corpo. Queria saber o que se passava, mas não me atrevi a ir lá. Olhei para Ju que continuava assistindo TV tranquilamente, na verdade ela estava quase dormindo. Fechei o notebook suspirando e levando uma de minhas mãos a boca e roendo minha unha, antiga mania. Peguei meu celular tentando me distrair, dei uma olhada no Twitter, mas não conseguia parar de pensar no que poderia estar acontecendo. Estava prestes a ir lá quando Alfonso voltou, com um papel em mãos e uma cara de poucos amigos.

Aconteceu alguma coisa?— perguntei, tentando não deixar transparecer a curiosidade.

Ele deu mais uma olhada no papel, negou com a cabeça algumas vezes, olhando para os lados, nervoso. Jogou o papel em cima da mesa e me encarou incrédulo.

Porque não me disse que a audiência estava marcada?— ele falava baixo, rouco, tentando se controlar. Eu apenas suspirei.

Achei que já sabia.— dei de ombros e voltei a mexer no celular.

É daqui há um mês Dulce, um mês— ele fechou os olhos, ele estava furioso, eu sabia. – Em um mês tudo o que construímos estará desfeito, você não será mais minha mulher e parece estar super tranqüila!

O que construímos foi desfeito há um ano, ou você se esqueceu? — olhei diretamente em seus olhos, séria. Ele engoliu seco e desviou seu olhar do meu. – E você sabia que esse dia chegaria.

Isso não vai acabar aqui.— ele se inclinou sobre a mesa, tirando o celular de minhas mãos, aproximando seu rosto do meu, me encarando friamente. – Você não vai se livrar de mim tão fácil Dulce, não vai. — eu confesso que tive medo.

O que vai fazer? — o enfrentei sem desviar meu olhar do seu.

O que eu não vou fazer, você quer dizer. Eu não lhe darei o divórcio, Dulce.— ele se afastou bruscamente e saiu em direção ao quarto.

Eu não podia acreditar. Depois de tanto tempo, com tudo quase acabando, ele vai querer complicar as coisas novamente?

Eu não iria brigar com ele ali, naquele momento, não iria adiantar de nada, eu só iria me aborrecer.

~

https://www.youtube.com/watch?v=Ckw2lfuVTdM

Sentada ali, observando as estrelas, eu lembrava de cada momento em que passei naquele apartamento. A lua, sempre nossa cúmplice. Estava no meio da noite e eu não conseguia dormir. Alfonso passou o dia inteiro fora com Julia, havíamos trocado poucas palavras. Ela já estava na cama, em seu 11º sono. Ele? Não sei. Depois de colocá-la na cama, saiu e ainda não havia regressado. Peguei a taça que repousava sobre a bancada e bebi um gole do vinho que ali se encontrava. Eu lembrava perfeitamente de como tudo começou a desandar...

Início do flashback

Los Angeles, Junho de 2019

Apoiei minha perna direita sobre a cama, pegando o creme que se encontrava sobre a mesma e retirando um pouco, espalhando sobre minha perna em seguida. Fazia movimentos precisos, da coxa até a batata da perna. Logo senti o perfume do creme invadir o ambiente. Ouvi a porta da sala principal bater e olhei para o relógio, respirando fundo, ele marcava 00:35. Continuei a passar o creme na outra perna, enquanto ouvia seus passos pesados cada vez mais próximos. Ele abriu a porta e logo foi tirando os sapatos e os jogando em qualquer canto. Fez a mesma coisa com a jaqueta. O olhei de esguelha, enquanto sentia seus olhos em mim.

— Terminamos as gravações muito tarde, me desculpe por não ter chegado mais cedo. – ele se sentou na cama, suspirando, parecendo cansado. Passou as mãos sobre o rosto e resmungou algo que não entendi e nem fiz questão de entender.

— Poderia ao menos ter ligado.

— Me desculpe.

— É a segunda vez, somente nessa semana, que combinamos de sair e me deixas plantada a sua espera. – revirei os olhos, terminando o que estava fazendo.

— Já lhe pedi desculpas. – ele deitou, de olhos fechados.

— Desculpas não apagam suas atitudes, Alfonso. – ouvi ele bufar e me dirigi ao banheiro.

— Não vai mais acontecer, ok? – ele disse, sem paciência.

Olhei-me no espelho. Usava uma lingerie preta e vestia um hobby de seda da mesma cor. Soltei meus cabelos que estavam presos em um coque mal feito e o arrumei um pouco. Voltei ao quarto e Alfonso estava deitado de bruços, com o rosto virado para o outro lado, agora sem camisa. Deixei o hobby deslizar pelos meus ombros e cair no chão. Me apoiei de joelhos na cama e fui me inclinando até ele, passando a mão por suas costas.

— Sinto sua falta. – suspirei, aproximando meus lábios de seus ombros e lhe dando um leve beijo. – Poncho...

— Dulce, eu estou cansado. – ele suspirou forte e eu respirei fundo.

— É todo dia a mesma coisa, né? – me afastei dele, sentando na ponta da cama.

— Dulce...

— Poncho, você mudou. – ele se sentou, passando a mão pelo rosto aborrecido. – Você não é o homem com quem eu casei Alfonso, não é.

— O que eu fiz, Dulce? – ele disse em um tom mais alto. – Eu estou cansado, poxa! Trabalhei o dia todo!

— Será que foi isso mesmo? – o olhei desconfiada e vi seus olhos se estreitarem.

— O que você está insinuando?

— Não estou insinuando nada! Mas você está diferente, frio. Mal fala comigo, passa o dia inteiro fora, chega sempre cansado, me deixa plantada. Você já nem me toca mais... – ouvi um forte choro vindo do outro quarto e me levantei, pegando meu hobby do chão e o colocando novamente.

Fui a passos rápidos até o quarto de Julia e senti que ele estava vindo atrás.

— Dulce. – ele segurou meu braço quando fui entrar no quarto, mas eu o soltei, entrando em seguida e indo em direção ao berço.

Ela estava vermelhinha pelo choro. A peguei no colo e verifiquei sua fralda, que estava limpa. Observei ser fome o problema.

— Hey, já vai. – falei baixinho para ela, que se acalmava aos poucos.

Sentei-me na poltrona que ali se encontrava e comecei a amamentá-la. Sentia o olhar de Poncho em nós, mas mantive os meus em Julia.

— Ela está tão grande. – senti sua voz rouca se aproximar e em seguida ele estava abaixado, fazendo carinho nela.

— Há quanto tempo você não passa um tempo com ela? – alfinetei mesmo.

— Eu sei que ando meio ausente nos últimos dias, mas...

— Não é nos últimos dias Alfonso. Não é de hoje, ou dessa semana, nem sequer desse mês, é de MESES. Há muito tempo você vem agindo dessa forma estranha, fria, sem amor. Eu não lhe reconheço mais.

— Me perdoa. – ele abaixou a cabeça e ficamos em silêncio até que Ju acabasse. – Deixe-me ajudar. – ele estendeu os braços e a entreguei a ele, que a encostou em pé sobre seu peito, com a cabeça em seu ombro, enquanto balançava levemente.

Arrumei minha roupa e suspirei, levantando.

Nós dois sorrimos ao ouvi-la arrotar.

— Deixe-me fazê-la dormir.

Ele entregou-a novamente a mim e eu comecei a niná-la em meus braços, cantando uma canção de ninar. Em poucos minutos ela já estava entregue ao sono e eu a coloquei novamente no berço.

Logo quando sai do quarto pude sentir o cheiro de cigarro vindo da área a piscina. Fechei a porta do quarto da bebê e fui até lá, o encontrando sentado em uma das cadeiras, fumando.

— Eu juro que quando encontrei um maço no bolso de sua calça quis acreditar que era de um amigo que havia deixado com você... – falei tentando me controlar e ele me olhou, apagando o cigarro.

— Desculpe.

— Você acha que tudo fica bem apenas com um pedido de desculpas, né? – eu caminhei para fora, respirando fundo o ar fresco que circulava naquela noite um pouco fria de LA.

Olhava para a imensidão da cidade, perdida em meus pensamentos, quando senti seus braços rodearem minha cintura e seus lábios depositarem um leve beijo no meu pescoço, arrepiando-me.

— Eu vou mudar. Eu prometo. – me virei de frente para ele e encarei seus olhos verdes.

— Eu só quero meu marido de volta, o meu amor, o homem para o qual eu me entreguei de corpo e alma, é difícil? – passei a mão em seu rosto, o puxando para mais perto de mim. Senti a tensão que percorria seu ser.

— Dulce... – ele virou o rosto para o outro lado, quando tentei selar seus lábios.

— O que eu fiz? – eu fechei os olhos com força, tentando controlar minha respiração. Eu tinha vontade de chorar, já não agüentava mais. – O que eu fiz, Poncho?

— Você não fez nada, meu amor. – ele segurou meu rosto e eu abri os olhos, encontrando seu olhar preocupado. – Você não fez nada, eu que sou um idiota. – ele me abraçou e eu não consegui controlar as lágrimas que invadiram meus olhos. – Me perdoa. – ele sussurrou muito baixo.

— Eu não agüento mais Poncho. – desfiz o abraço e o mirei com os olhos cheios d’agua. – Eu não quero mais viver isso, não quero. – seus lábios começaram a tremer, talvez prevendo o que viria. – A gente precisa se separar, dar um tempo, pensar. – minha voz saiu embargada.

Ele me encarou, os olhos verdes brilhando pelas lágrimas que começavam a invadi-los. Ele abriu a boca algumas vezes, mas nada saiu.

— Sabes que isso é o melhor para nós dois.

— Fala isso por você! – ele gritou, me assustando um pouco. – Queres jogar tudo o que construímos no lixo por uma simples discussão?

— Você tem que entender! – eu chorava. – Eu não agüento mais toda essa situação, não foi com você que eu casei, você sumiu com o meu Poncho, o meu marido, o meu amor.

Ele passou a mão pelo rosto e em um piscar de olhos estava na minha frente, segurando meus braços, olhando em meus olhos.

— Eu te amo, Dulce! E eu não agüentaria viver sem você. – ele falava entre dentes.

— Eu preciso de um tempo. – desviei meu olhar do dele e ele se afastou de mim, desnorteado.

— Eu vou mudar Dulce, eu já disse que vou mudar! – ele gritava. – Me de um tempo.

— Pois é o que estou fazendo agora. – passei a mão pelo meu rosto, limpando algumas lágrimas.

Novamente ele estava em minha frente, dessa vez me puxando e colando seus lábios aos meus, desesperado.

— Poncho, não. – fechei os olhos. – Não complica tudo.

— Pensa em tudo que passamos para ficarmos juntos Dulce, pense na nossa filha, na nossa família.

— Eu sempre pensei, agora é você que não pensa em nós há quase cinco meses. Desde que voltou a gravar você começou a agir estranho, acha que não percebi? Há dias que eu nem lhe vejo, outros que se falamos bom dia um para o outro é demais. Você se esqueceu que sou sua mulher, sua amante e sua amiga.

— Eu tenho problemas e você nem imagina o quão grave são. – ele suspirou.

— E por que nunca me falou sobre eles?

— Eu não podia. Eu não posso. – ele fechou os olhos com força.

— Não confias em mim.

— Não é isso! Eu simplesmente não posso.

— Você já não me ama mais. – sussurrei, abaixando a cabeça.

— Não diga isso! Eu te amo mais do que tudo nesse mundo! – ele segurou meu rosto, fazendo-me encará-lo.

— Então o que acontece com você? Por que mudastes? Me diga! – ele apenas me encarava, sem responder. – Tens outra, é isso?

— Não! – ele disse nervoso

— Pare de mentir Alfonso, já chega!

Ele respirou fundo e nada respondeu.

Fim do Flashback

Pensei que já estivesse dormindo.— ouvi sua voz rouca, um pouco atrás de mim, despertando-me de meus pensamentos.

Não.— falei calma, me virando para ele. – Não conseguia dormir.— ele caminhou, passando por mim, e se encostou no parapeito do lado da piscina, sem me olhar. Tirou um maço de cigarros do bolso, olhando fixamente a sua frente, onde poderia ver as luzes daquela gigante cidade que parecia nunca dormir. – Poncho...— respirei fundo, me levantando e indo até ele, pegando de sua mão o isqueiro com o qual ele estava prestes a acender o cigarro. - Por que faz isso consigo?

Dulce, por favor.— era a primeira vez que ele olhava pra mim. – Eu tenho idade suficiente para decidir o que faço da minha vida.— seu tom de voz um pouco rude me fez balançar um pouco, sem entender o porquê daquele iminente ataque. – Você pode...— ele sinalizou com a cabeça para o isqueiro, querendo que eu o devolvesse, o que eu logo fiz. – Creio eu que não lhe devo mais satisfações, não é mesmo?— ele sorriu irônico, enquanto colocava o cigarro na boca, acendendo-o de imediato.

Faça como quiser, Alfonso.— falei ríspida, claramente magoada com a forma com que ele me tratava. Apoiei os braços no parapeito, desviando meu olhar de Poncho e logo pousando-o sobre as luzes da cidade. – Só por favor, não fume perto da Julia. Eu não quero que ela veja você com esses péssimos hábitos e ache que é normal.— olhei de relance para ele, que voltou a encarar as luzes e os prédios que estavam a sua frente, dando uma forte tragada no cigarro e logo soltando sua fumaça, expirando fundo.

Não precisa me dar lições de como me comportar na frente da minha filha.— ele deu outra tragada, antes de continuar. — Você realmente acha que eu sou tão irresponsável assim?

Não sei Alfonso, sinceramente, não sei.— fiquei de lado, cruzando os braços enquanto o fitava. – Há muito tempo eu não sei mais o que pensar de você.— ele voltou a me olhar, e mesmo com a pouca iluminação que tínhamos ali, aqueles verdes intensos cintilavam. – Há muito tempo que você deixou de ser a pessoa que eu costumava conhecer.

Ele me encarou por longos segundos, e então balançou sua cabeça negativamente, rindo inconformado. Virou-se novamente para a paisagem, se debruçando sobre o parapeito, sem fazer questão de me responder.

Comecei a ficar irritada com sua atitude, e lembrando que já passava das 3 da manhã, decidi que era hora de tentar dormir, antes que começássemos uma briga. Me irritava profundamente quando Alfonso simplesmente agia como se nada ou ninguém mais importasse além dele, como se fosse o dono da razão, como se a louca fosse eu. Sinceramente, não sei porque eu ainda me preocupava com ele. Pra ele, isso não fazia a menor diferença. Era como falar como um adolescente de 15 anos.

Onde você vai?— ele deixou o cigarro no cinzeiro, em tempo de segurar meu braço, me impedindo de continuar.

Vou dormir. Posso? Ou preciso pedir permissão pra você?— sorri irônica e ele soltou meu braço, respirando fundo e se afastando. Era perceptível que ele também se controlava para não brigar.

Dulce.— ele voltou a falar, quando eu já estava na porta da varanda. – A gente precisa conversar sobre a audiência, o divórcio, enfim... todo esse tormento.

Alfonso...— respirei fundo, tentando não perder a paciência. – Não há nada mais para conversar. Nós vamos oficializar o divórcio, e pronto. O que tiver que ser conversado, será conversado na presença do juiz e de nossos advogados.— falei, me retirando em seguida, sem dar margem de uma resposta que com certeza começaria uma discussão.