Do pé de Fushiguro Megumi, onde o buraco para a liberdade se formava, um par de mãos surgiu. Naobito e Maki encararam em choque, ainda no ar, enquanto os braços surgiam daquele pequeno redemoinho entre as sombras. Em milésimos de segundos, Nanami pôde ver a pessoa se impulsionando no buraco que garantiria sua vitória. Pairando no ar, em toda sua intensidade, Toji sentiu a liberdade de não se importar com mais nada.

Havia algo forte naquele lugarzinho que ele havia se enfiado, Toji havia sentido-o enquanto vagava por Shibuya. Algo que desafiava seus sentidos, o fazia querer sentir o cheiro de sangue e ouvir o som de ossos quebrando. Do ar Toji, olhou para seus alvos e o polvo logo se destacou. Era ele quem havia atraído Toji.

A menininha tinha a arma dele. Uma conveniência bem-vinda, Toji foi rápido em pegá-la de volta. A Nuvem Brincalhona encaixava bem suas mãos e saindo das sombras, Toji se afundou na água, apontando suas garras para a criatura mais forte que havia encontrado.

Matar o polvo estava sendo mais fácil do que ele esperava. Era quase decepcionante, se correr por aquele domínio não fosse tão divertido. Uma sinfonia de violência em seus ouvidos, o cheiro do mar, o terror do polvo que lentamente compreendia não ser mais o predador supremo em seu próprio domínio. Toji se sentia tão vivo.

— O garoto está quase sem energia… – O polvo sussurrou. – Não, se eu acertar ele, mesmo que de relance… Eu posso vencer!

As palavras não faziam sentido para Toji, não eram nada além de barulho de fundo enquanto o Toji se aproximava com premeditada lentidão. Tudo que ele entendia era o desespero que o corpo estava exalando e isso o deixava animado. Rindo, Toji ergueu as Nuvem Brincalhona, pronto para esmagar a cabeça do polvo.

O polvo mal conseguiu defender. De seu estômago, uma daquelas enguias irrompeu em alta velocidade na direção daqueles outros que estavam no domínio. Não importavam para Toji, sua força não era maior do que a do polvo em sua frente.

— MEGUMI! – A menina gritou.

O meu moleque nasceu com talento…

— PIVETE! – A voz daquele velho soava estranhamente familiar.

Cuida do Megumi, beleza? Aquele lugar era inútil para alguém como eu… Mas para ele, que tem talento…

— FUSHIGURO-KUN, ATRÁS DE MIM! – O homem loiro gritou.

Eu não ligo… Eu não ligo mais.

O corpo de Toji se moveu antes que sua mente pudesse se adaptar à mudança súbita. A maldição da vovó Oogami estava fora do controle, e embora isso tivesse permitido Toji continuar vivo, também havia tirado sua consciência, deixando apenas o instinto. Toji não era nada mais do que uma besta enraivecida, procurando pelo que seu eu consciente sempre esteve sedento: provar para si mesmo sua força.

Mas para alguém como Toji, que o corpo superava a alma, mesmo quebrar os princípios de uma técnica descontrolada não estava além de seu alcance. E naquele segundo, ouvindo aquele nome, Toji lembrou de outro instinto enraizado em seu cerne, que ele tanto tentou esquecer e se desprender. Toji havia sido abençoado uma única vez em sua vida e ele não pretendia deixar essa benção se esvair.

Na frente de Megumi, a enguia foi despedaçada com apenas o balançar da Nuvem Brincalhona. Apenas os ossos sobraram. Megumi deu suspiro de alívio, sangue saindo de seu nariz enquanto ele se esforçava para manter o seu próprio domínio ativo.

— Não é Zen’in, hein? Que sorte a sua… – Os olhos de Toji perderam o tom enegrecido enquanto ele olhava Megumi de canto de olho.

Os outros três ainda não pareciam saber o que fazer sobre ele. Naobito parecia tê-lo reconhecido e pelo sorriso convencido que lentamente se formava em seu rosto, ele presumia que Toji estava do lado deles. O loiro parecia indeciso entre manter sua posição e se enfiar entre Toji e Megumi, e a menina o olhava com uma mistura de desconfiança e exaltação.

Megumi cuspiu sangue, cansado de manter o domínio. Toji entendeu que o tempo de se divertir havia acabado.

— Aguente um pouco mais. Eu vou matar aquele polvo. O resto de você, fora do caminho.

Toji apareceu atrás do polvo, que estava usando o tempo de distração para se recuperar. Alguma parte do dano que Toji havia aplicado já estava curado, mas era irrelevante. Agora que Toji não tinha intenção de brincar com o polvo, seria um trabalho rápido e brutal.

A primeira pancada foi direto na cabeça, desequilibrando o polvo. Girando, Toji agarrou o polvo com a Nuvem Brincalhona e o atirou contra a área. Sem abrir espaço entre eles, Toji pisou em cima do polvo. Enfiando a parte do meio da Nuvem Brincalhona embaixo da cabeça do polvo, ele puxou ambas as pontas da Nuvem Brincalhona em direções diferentes, enforcando o polvo até que sua cabeça explodiu para fora do corpo. O polvo tentou reagir, se debatendo e atirando mais de seus peixes em Toji, mas ele terrivelmente subestimou a durabilidade e agilidade do Assassino de Feiticeiros. Socos mal faziam estrago, peixes podiam ser esquivados e Toji era fisicamente mais forte do que o polvo, se debater era inútil.

Toji levantou, sujo daquele sangue roxo, enquanto o domínio se quebrava. Megumi caiu de joelhos, enquanto o resto ainda tinha os olhos presos em Toji. Com um sorriso desafiador, Toji praticamente se teleportou para frente de Megumi.

— Foi um belo de um esforço, hein? – Toji dobrou a Nuvem Brincalhona em três, e a apoiou em seu ombro. – Oi, garota. Eu vou ficar com a minha arma.

— Essa é a MINHA arma! – A menina logo argumentou. – Você acabou de roubar ela de mim!

— Nah, é a minha arma. Gojo Satoru que roubou ela de mim primeiro, idiota. – Olhando de canto de olho para a menina, ela não se parecia com uma feiticeira. Os sentidos de Toji o diziam que ela era mais um humano normal, que feiticeiro. – Embora a arma devesse ter ido de volta pro Clã Zen’in, de onde eu roubei primeiro. Ei, velho, você tem algum problema em eu ficar com a arma?

— Nenhumzinho!

— Então está resolvido.

— Isso não está nem um pouco resolvido!

— Ah, é? Então me diz como você planeja matar aquela maldição, já que quer tanto a arma. – Toji apontou com o polegar, por cima do ombro.

O cabeça de vulcão havia chegado a poucos segundos, embora Toji o tivesse sentido antes. Ele estava segurando a mão do polvo, que lentamente se esfarelava. Nenhum dos outros parecia ter notado, antes de Toji apontar para ele.

— Só pode ser brincadeira… – A menina murmurou.

— Essa maldição é mais forte que a de antes. – O loiro murmurou. – Fushiguro-kun, ainda consegue lutar?

— Sim..m… – Disse Megumi, quem não tinha condições de continuar lutando.

O velho soltou uma risada.

— Parece que estamos numa situação desesperadora! O que vai fazer agora, Toji?

— Cala a boca, velho. Eu posso muito bem só pegar o Megumi e correr.

— Eu não vou pra lugar nenhum com você!

— Quanto você quer pra matar essa maldição?

— Meio milhão. E todas minhas armas de volta, inclusive a Lança Invertida dos Céus.

— Feito.

— Primei…

O cabeça de vulcão arregalou o olho, notando que o braço que ele planejava usar para incinerar o loiro havia sido arrancado fora. Toji apontou o braço arrancado para o cabeça de vulcão, tendo ido para o lado oposto de onde Megumi e os outros estavam.

— Precisa de uma mãozinha, cabeça de pudim?

— Você! Foi você quem matou o Dagon, não foi?

— O recheio de takoyaki? Fui eu sim. Ele era bem fraco, mal deu para esticar as pernas. Espero que você seja um pouquinho mais for…

O cabeça de vulcão era bem rápido, porém temperamental. A partir do momento que Toji notou ele se movendo, era previsível que ele iria atacar pela frente. Quem perdia a calma normalmente via apenas em túnel, o que limitava sua movimentação. Toji, que já esperava por isso, usou a oportunidade para espancar o cabeça de vulcão com a Nuvem Brincalhona, pulando por cima do jato de fogo que deveria tê-lo incinerado.

— Que rude! Pelo menos me deixa terminar de falar.

— Expansão de Domí…

Algo surgiu em Shibuya. Toji e a maldição moveram suas cabeças ao mesmo tempo, para o mesmo local. Toji era um predador, ele não tinha medo do que ele podia matar, mas o arrepio que ele sentiu naquele momento colocou todos seus instintos em alerta, ordenando que ele tirasse Megumi de Shibuya agora mesmo. Quando o arrepio passou, Toji sorriu, seus olhos voltando levemente a tomar o tom enegrecido. Tem algo bem forte lá! Eu quero matar!

— Sukuna! – O cabeça de vulcão exclamou, sumindo de repente.

— Sukuna? – Toji perguntou, olhando para onde ele deveria estar.

Os outros quatro suspiraram de alívio, com a maldição sumindo. Toji teria o seguido, para saber do que esse tal Sukuna, que tinha uma aura tão ameaçadora, era feito. Mas então seu olhar passou por Megumi, de novo, ele lembrou qual era sua prioridade de verdade ali.

Com um beicinho decepcionado, Toji voltou para onde os quatro estavam. Corajosamente, o loiro se colocou entre Toji e Megumi, quando o notou chegando. Foi um ato inócuo, já que Toji passou por ele num piscar de olhos.

— Me parece que você perdeu a recompensa. E as armas. – Naobito comentou.

— Me parece que você perdeu um braço e poderia perder muito mais se não calar a boca. Ah! – Toji atirou o braço que ele havia arrancado da maldição para Naobito. – Toma de presente.

— Um braço por um braço, até que não me soa ruim. – O velho chutou o braço para longe, que já estava se desfazendo.

— Velho, quem é esse? – A menina interrompeu. – E não me venha com essa besteira de fantasma! Você claramente sabe quem ele é! Esse tal de Toji!

— Ele deveria estar morto, tanto quanto eu sei. – Naobito deu um ombros, fazendo uma careta quando sentiu a dor de seu braço faltante.

— Eu deveria estar morto, tanto quanto eu sei. – Toji concordou. – Ei, velho, quem é a menina? Parece uma pessoa normal, sem energia amaldiçoada.

— Olha só quem fala! – A menina olhou para ele, ofendida. – Você também não tem nenhuma! Como é que você é tão forte?

— Ela é filha do Ogi.

— Porra, mas que azar hein garota. – Toji ignorou a pergunta da menina. Ao invés disso, ele se virou para Megumi, que já estava de pé, com uma postura desconfiada. – Consegue andar? A gente vai cair fora.

— Eu não vou com você! Nem sei quem você é… – Megumi focou no rosto de Toji, estreitando os olhos enquanto o examinava. Então ele desviou o olhar. – Não importa também. A maldição mencionou o Sukuna, o Itadori deve ter se metido em encrenca. Não deveria ter deixado ele ir sozinho.

A menção daquele nome chamou a atenção de Toji novamente. Ainda mais quando, assim que Megumi falou dele, como se o tivesse invocado, aquela presença que era como uma coceirinha nas costas se intensificou infinitamente. A visão de Toji se embaçou e seu sangue ferveu com a sede de caçar essa coisa que apareceu em Shibuya. Se Megumi não estivesse bem ali, ele provavelmente teria ido. A força daquela coisa era inebriante.

— Ele está ficando mais forte, também. – Toji apontou para direção em que Sukuna estava. – Como um farol na escuridão. Eu meio que quero muito ir lá…

— O que você quer dizer com isso? – O loiro, cansado de ser ignorado, perguntou.

— Que quem quer que seja, é forte, tá no controle e provavelmente vai fazer de Shibuya um banho de sangue. Se eu estivesse com a Lança Invertida, eu ia fazer um estrago… Mas não, preciso tirar o Megumi daqui. É perigoso.

— Sukuna assumiu? Merda, tá cada vez pior. – O velho reclamou. – Quem é o próximo a aparecer, Kamo Noritoshi, desgraça dos Kamo?

Megumi se virou para o loiro, desespero claro em seu rosto.

— Nanami-san, eu vou para lá!

— Vai nada. – Toji o segurou pelo colarinho, antes que o loiro pudesse responder.

— Me solta. – Megumi olhou para trás, agressividade brilhando em seus olhos.

Com aquele olhar e o cabelo bagunçado, Megumi parecia demais com o Seis Olhos. Toji sentiu algo retorcer em seu estômago e antes que pudesse se conter ele puxou Megumi contra si e alisou seu cabelo para baixo.

— Você realmente deveria pentear esse cabelo.

Megumi tinha assassinato no olhar quando fixou em Toji, que deu um sorriso de lado. O loiro e a menina, que ainda não tinham entendido qual era a de Toji, tiveram uma súbita revelação quando viram os dois, Toji e Megumi, lado a lado, com o cabelo do mesmo jeito e o mesmo olhar assassino.

— Puta merda. – Maki murmurou. – Megumi, esse daí é…?

Pelas vidraças do prédio em que estavam, todos foram testemunhas do sol que surgiu no meio daquela noite de Halloween. Acima de Shibuya, um meteoro se formou, prestes a esmagar todo o bairro. Toji, que também foi pego de surpresa pela súbita aparição, não conseguiu impedir Megumi de pular do prédio. O fogo explodiu ainda no alto, soltando uma onda de calor que quebrou todas as vidraças do prédio. Toji mal notou, no meio segundo que levou entre Megumi pular e ele notar o sumiço, Toji já havia agido.

Pelas ruas de Shibuya, Fushiguro Toji perambulava à solta novamente, dessa vez procurando pela bênção que ele deveria proteger.