Consumida pelo cansaço e pelo sono, acabei dormindo ali mesmo. Quando acordei, tocava a música Electric Feel da MGMT e eu lentamente tirei os fones, mesmo gostando da música. Olhei para o lado e encontrei Fabrizio também dormindo. Sua cabeça estava próxima a minha e eu conseguia sentir o cheiro refrescante do seu shampoo. Ele respirava calmamente e vez ou outra mexia a mão. Observei sua barba escura e só assim reparei o quanto ele era bonito.

- Mas com certeza é melhor dormindo. – sussurrei enquanto levantada, indo em direção ao banheiro.

Quando voltei, a aeromoça perguntou se eu desejava algo para comer e acabei pegando um bolinho de chocolate que vinha em uma embalagem cor de rosa. Fiquei olhando sua embalagem enquanto sentia meu estômago reclamar de fome. Abri-o e mordi.

- Acho que dormi demais. – ouvi a voz de Fabrizio. Seus olhos estavam um pouco vermelhos, mas combinava com a cor verde deles.

- Eu também. – falei, mas voltei a atenção para o bolinho.

- Ei, não seja egoísta e me dê um pedaço.

Olhei para o bolinho e depois pra ele. O jeito que ele falou me fez rir.

- Eu não. Estou com fome.

Estava prestes a colocar outro pedaço na boca quando ele levou o braço na minha frente e pegou-o, dando uma mordida, mas antes o passou no meu rosto, deixando minha bochecha suja de chocolate.

- Sem educação! Não podia simplesmente pedir um pra você?

- Esse parecia tão gostoso pela sua expressão enquanto comia. – riu.

Franzi a testa e o fitei com o pior olhar que tinha. Ele sorriu de um jeito atraente e desafiador, o mesmo sorriso que vi no dia seguinte, e depois voltou a olhar a janela.

- Então é isso? – disse.

- Isso o que? – falou sem me olhar.

- Você rouba meu bolinho e ficamos por isso mesmo?

- Era só um bolinho. Delicioso a propósito.

- Obrigada por me lembrar.

- Disponha.

Virei os olhos e voltei a colocar os fones de ouvido, mas o tirei ao ouvir a voz de Fabrizio.

- Por que seu noivo não te levou no aeroporto? – sabia que em sua pergunta havia um tom de provocação que eu preferiria não notar.

- Alan estava ocupado. – afirmei.

Fabrizio virou o rosto novamente.

Seguimos o resto da viagem sem conversar muito. Fechei meus olhos e voltei a ouvir a música. A pergunta de Fabrizio havia feito com que eu pensasse no casamento e em todos os preparativos que eu ainda não havia planejado. E, além disso, pensei no dia em que Alan me pediu em casamento. Na verdade não havia sido um pedido tradicional, mas o que importava era que logo estaríamos casados.

- Ele se importou por viajarmos juntos? – voltou a falar. Tive vontade de mandá-lo calar a boca, mas não o fiz.

- Não, ele não ligou.

Dessa vez fui eu quem virei o rosto, tentando não tocar no assunto. O fato dele não se importar havia me incomodado um pouco, mas eu não queria demonstrar aquilo. Não para Fabrizio.

Ficamos em silêncio mesmo sabendo que se olhasse pra ele, acabaria me fazendo outra pergunta. Estava prestes a pegar no sono quando o avião balançou. Turbulência. Não sabia o porquê de elas existirem. Serrei os dentes e apertei as mãos. Mantive meu pescoço rígido e reto, desejando que aqui passasse logo, mas uma turbulência maior veio.

Como por reflexo, procurei a mão de Fabrizio do meu lado e ao acha-la, segurei-a apertando o mais forte que podia.

Logo a turbulência passou e tudo estava normal novamente. Só assim percebi que ainda segurava a mão de Frabrizio, mas ele não havia falado nada sobre minha ação.

- Me desculpe. – disse soltando-a enquanto me sentia um pouco envergonhada.

Esperei uma palavra de zombação, uma risada irônica ou algo do tipo, mas Fabrizio só pareceu compreender.

- Tudo bem. – sorriu. Seu sorriso era bonito.

- Não, não está tudo bem. – ri. – Olhe sua mão. – apontei para suas mãos com marcas vermelhas das minhas unhas.

- Pelo menos vou ter algo para contar para o pessoal do museu. – riu.

Pela primeira vez notei que ele estava sendo engraçado, não querendo me deixar brava. Estava prestes a dizer algo, mas o barulho do avião aterrissando me fez pensar que a viagem havia acabado, ou melhor, apenas começado.

*

Toquei o chão da Itália e senti minha pele arrepiar. Lembrei-me de quando era pequena e pensava em como seria bom viajar para a Europa e mesmo não sendo uma viagem por lazer, estava animada em estar naquele lugar. Já no aeroporto, segurando minhas malas, comecei a observar as pessoas com roupas de frio mesmo sendo começo da primavera. O clima estava agradável e eu me sentia bem.

Olhei para o lado procurando Fabrizio e vi que ele olhava para a vitrine de uma loja de discos do outro lado da rua. Ele parecia tão fascinado que demorou alguns segundos para ver que eu falava com ele.

- Oi? – perguntou finalmente me olhando.

- Quer ir lá? – olhei no relógio. – Temos meia hora até a entrada no hotel.

Ele sorriu, parecia que eu havia lhe falado algo realmente incrível.

- Vamos. – me puxou para fora, mas parou no meio do caminho quando reparou que eu tinha dificuldade para carregar as malas.

- Eu devia deixa-la carregando essas malas por toda a Itália. – riu. – Mas só porque esse clima me deixou de bom humor eu vou te ajudar.

Pegou a maior mala da minha mão e começou a arrastar junto da sua mala.

- Isso! Comporte-se como um italiano. Não seja uma exceção sendo mal educado, estressado, egoísta...

- Já entendi! – quase gritou, mas acabou rindo e eu fiz o mesmo.

Enquanto caminhava ao seu lado pensei que o ar da Itália havia feito bem para aquele rapaz calado e mal-humorado de Nova Iorque. Talvez as coisas fossem realmente melhores naquele lugar.