Infinite Arms

Talvez não fosse tão chato assim


Ouvi o som irritante do despertador tocar. Abri os olhos com dificuldade e senti minha cabeça pesada e cansada. Demorei uns cinco minutos pra levantar da cama e por um momento pensei que iria dormir de novo, por isso andei até o banheiro e lavei meu rosto com água gelada.

Caminhei até a sacada do meu quarto ainda usando minha calça e blusa azul de pijama com pequenas nuvens desenhadas e senti o vento bater no meu rosto e bagunçar meus cabelos. O dia ainda não havia amanhecido e o céu das quatro horas e meia da madrugada ainda estava negro e estrelado.

Levei a mão na cabeça lamentando por ter que acordar tão cedo e por ter dormido apenas cinco horas, mas fiquei feliz por já ter arrumado minhas coisas pra viagem. Tudo o que eu precisava era entrar no avião e embarcar.

Enquanto lavava meu rosto e colocava calça jeans e minha blusa de manga comprida de renda preta, desejei não ter que passar a viagem toda com Fabrizio, pois sabia que ele iria me deixar estressada, principalmente pelo fato de não ter dormido muito a noite, mas por outro lado, tentava não ligar com sua presença.

Parei na frente do espelho e passei uma fina camada de delineador nos olhos e um batom vinho matte nos lábios que deixou minha aparência mais elegante. Peguei uma blusa de frio também preta, arrastei minha mala até a porta do apartamento e dei uma última olhada pelo lugar me certificando de que não estava me esquecendo de nada. Só assim fechei a porta e entrei no elevador. Logo estava parada na rua esperando o táxi que me levaria no aeroporto.

Olhei para a rua molhada e vazia. Não tinha quase carro e pessoa alguma andando de um lado para o outro, a não se um senhor que abria sua padaria para fazer seus pães. Ri daquilo ao mesmo tempo em que sentia pena por levantar tão cedo. Sim, eu gostava de dormir. E até demais.

Avistei o carro amarelo vindo ao longe. Senti um alívio quando ele parou ao meu lado e olhei para minhas mãos, vendo se meu passaporte estava ali. Confirmei pensando em como James havia planejado tudo sabendo que eu não desistiria e acabei ficando feliz pela confiança que ele tinha colocado em mim.

Abri a porta do taxi que deveria estar vazio e dei de cara com um homem vestindo um sobretudo preto.

- Fabrizio? – apertei meus olhos tentando acreditar no que via.

- Allie. – disse calmamente. Seus olhos estavam cansados e sua voz um pouco rouca. Como eu, também parecia não ter dormido bem.

Ia falar algo, mas o motorista apareceu do meu lado com um sorriso simpático e se ofereceu para guardar minhas malas.

- Obrigada. – disse devolvendo o sorriso e logo entrei no carro.

Fabrizio ficou me olhando até que eu sentasse.

- Irônico termos que dividir o táxi. – falei quase sendo egoísta, mas na verdade não me importava.

- Irônico termos ligado para o mesmo taxista. – devolveu.

Revirei os olhos e me perguntei se a convivência com Fabrizio seria algo difícil, mas balancei a cabeça tentando não pensar naquilo.

*

Demoraram vinte minutos até chegarmos ao aeroporto. Havia poucos carros na rua, o que facilitou o trânsito.

Paguei o motorista e peguei minhas malas. Fabrizio fez o mesmo, mas sem falar nada comigo. Hora ou outra ele me olhava e eu achava que estava prestes a dizer algo, mas apenas ficava calado.

- Precisava disso tudo? – finalmente falou, apontando para minhas duas malas.

- Sim! – falei carregando-as com dificuldade.

Fabrizio riu e balançou a cabeça, como se eu fosse louca.

Continuamos a andar passando por pessoas com malas na mão e outras despedindo de parentes. Pensei em Alan e até cheguei a conferir se ele realmente não apareceria, mas não o vi. Aquilo não me surpreendia.

Estava prestes a entrar no aeroporto quando vi um cachorro branco aproximar-se de mim. Agachei e observei suas costelas salientes. Apesar da fome, ele estava limpo, mas senti uma pontada de dó.

- Vamos, Allie. – Fabrizio me puxou. – Não temos tempo.

Olhei novamente para aquele cachorro e virei as costas, continuando a andar. Observei que Fabrizio virou para trás para olhá-lo e seus olhos transmitiam a mesma sensação que eu sentira, mas ele preferia não demonstrá-la.

Poderia ter continuado a andar, mas apenas soltei minhas malas e gritei um rápido “espera”.

Andei rápido até uma padaria que havia acabado de abrir e comprei um salgado assado de frango que estava com um cheiro ótimo. Voltei correndo para perto do cachorro e vi que não só o cachorro me olhava, Fabrizio também. Ele tentava segurar um sorriso com uma expressão firme.

Coloquei o salgado no chão e logo o cachorro veio comer. Fiquei observando-o dar a primeira mordida e fiquei feliz por ver que ele estava animado e abanava o rabo como se me agradecesse. Me levantei e peguei minhas malas, tornando a andar.

- Você é louca. – foi o que eu ouvi, mas ao invés de devolver a provocação, apenas andei com um sorriso no rosto, sabendo que havia feito a coisa certa.

*

Quase nos atrasamos para o voo e tivemos que correr para entrarmos, mas minutos depois estávamos dentro do avião. Fabrizio se sentar do meu lado não era surpresa, mas ao mesmo tempo eu desejava que ele se sentasse em outro lugar. Vi o movimento de aeromoças e me perguntei como elas tinham coragem de voar o tempo todo e no meio da minha correria, percebi que agora eu não teria como escapar.

Apertei minhas mãos deixando-as brancas. Encostei minha cabeça no assento e contei até dez, suspirando logo em seguida. Quando abri meus olhos, Fabrizio me olhava com um sorriso se formando. Esperei que ele fosse implicar, mas apenas olhou pela janela enquanto o avião decolava.

- Foi legal o que fez.

Olhei-o rápido tentando entender o que estava falando.

- O cachorro... Foi uma atitude boa. – sorriu.

- E você querendo me impedir. – impliquei.

- Mas você não me ouviu...

- Não. – sorri, colocando meus fones de ouvido. Fabrizio fez o mesmo e naquele momento soube ele talvez não fosse tão chato assim.

- Ei, quer tirar essa bolsa de cima de mim? – falou enquanto puxava meus fones, fazendo eu me arrepender sobre o que havia pensado a seu respeito.

Revirei meus olhos e coloquei o fone de volta, sendo consumida pela voz de John Mayer cantando Free Fallin’.